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Um contrato bem redigido é um convite à confiança. Um mal redigido, um bilhete para o litígio. No universo empresarial, em que parcerias, fornecedores e clientes se relacionam por escrito, o contrato deixa de ser mera formalidade: ele é o guarda-chuva jurídico sob o qual todas as promessas de negócio tentam se proteger.

Mas o que poucos empreendedores sabem — especialmente em startups ou pequenas empresas — é que não basta “ter um contrato assinado”. Um contrato pode conter cláusulas que parecem boas, mas que, na prática, não produzem efeito. Ou pior: cláusulas que são nulas, por violarem a lei ou a boa-fé contratual. E o risco é claro — confiar em uma cláusula ineficaz é como andar com colete à prova de balas que não resiste a uma pedra.

O primeiro erro comum é tentar renunciar a direitos indisponíveis. Um contrato de prestação de serviços, por exemplo, não pode afastar de forma absoluta a responsabilidade por vícios ocultos. Tampouco pode impedir um consumidor de buscar o Judiciário em caso de descumprimento. A legislação brasileira impõe limites à autonomia privada, e qualquer cláusula que contrarie normas de ordem pública será considerada nula, ainda que as partes tenham concordado expressamente.

Outro ponto crítico são cláusulas genéricas de penalidades. O contrato diz que, em caso de descumprimento, haverá “multa de 20%”, mas não define qual obrigação foi violada, se a multa é compensatória ou moratória, nem qual será o prazo para correção. Esse tipo de cláusula — escrita no calor da negociação, sem técnica — frequentemente é afastada judicialmente por falta de clareza ou desproporcionalidade.

A mesma fragilidade aparece nas chamadas cláusulas de eleição de foro. Muitos empresários colocam fóruns aleatórios nos contratos (como “Barueri/SP” ou “Curitiba/PR”) para “baratear custos” ou “dificultar o processo”, mas ignoram que a Justiça pode declarar o foro abusivo se houver desequilíbrio entre as partes. Se o contratante for hipossuficiente ou se a sede da empresa for distante do local eleito, essa cláusula pode ser invalidada.

Há também os riscos escondidos nas cláusulas de confidencialidade, não concorrência e exclusividade. Elas devem conter limitações temporais, territoriais e de escopo, sob pena de serem consideradas excessivas. Não adianta proibir o ex-colaborador de “atuar em qualquer empresa concorrente no Brasil por 5 anos” — a Justiça tende a proteger a liberdade profissional e limitar essas proibições com base no princípio da razoabilidade.

Outro cuidado essencial é com cláusulas que dependem de condições futuras, como pagamentos variáveis, bônus de performance ou conversão de investimentos. Se essas condições forem descritas de maneira ambígua, sem critérios objetivos de apuração, o contrato perde sua eficácia. A cláusula se torna inexequível, e abre espaço para disputas interpretativas que travam o negócio.

E não menos importante: os contratos empresariais precisam falar a linguagem do negócio. Muitos modelos prontos circulam na internet com cláusulas desatualizadas, redação truncada ou estrutura incompatível com a operação real da empresa. Copiar contratos sem orientação jurídica é como usar um GPS estrangeiro em estrada brasileira — parece ajudar, mas pode te levar direto para o abismo.

Por isso, a recomendação é simples, mas poderosa: dedique atenção ao contrato antes que ele seja necessário. Um bom contrato não é apenas aquele que prevê tudo — mas sim aquele que evita o conflito pela clareza, pela coerência e pela aderência à realidade das partes. Quando bem feito, ele não trava a operação — ele libera.

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A ideia por trás do SAFE é tentadora. Um contrato simples, direto, sem juros, sem prazo de vencimento, e que permite captar investimento rapidamente, sem ter que discutir valuation ou fazer alterações societárias imediatas. Na prática, o SAFE — sigla para Simple Agreement for Future Equity — tornou-se o queridinho do Vale do Silício. E naturalmente, chegou ao Brasil, como toda tendência que mistura inovação, capital e uma promessa de simplicidade.

Mas nem tudo que é simples é seguro. E nem tudo que vem do exterior se encaixa na realidade jurídica brasileira.

O SAFE foi criado pela Y Combinator em 2013 como uma alternativa mais enxuta ao contrato de mútuo conversível. Em vez de tratar o investimento como um empréstimo (que pode se tornar participação societária no futuro), o SAFE assume desde o início que haverá conversão — mas adia o momento e as condições exatas para quando houver uma rodada de investimento qualificada. A lógica é a seguinte: “investimos agora, e quando vocês levantarem uma rodada maior, recebemos nossa parte”.

No Brasil, muitos fundadores e investidores vêm adotando o SAFE como modelo contratual, especialmente em estágios iniciais. Mas é aqui que mora o problema: o ordenamento jurídico brasileiro não reconhece, de forma expressa, esse tipo de instrumento. Ele não é um contrato típico. E sua falta de estruturação jurídica clara pode gerar conflitos no futuro — especialmente com órgãos de registro, Receita Federal, ou em uma due diligence mais rigorosa.

O SAFE, por exemplo, não tem valor de face como um mútuo. Ele não é um empréstimo, então não pode ser tratado como passivo exigível. Mas também não é capital, porque não houve integralização. Isso cria uma zona cinzenta contábil e tributária. Como classificar esse recurso no balanço? Como justificar sua entrada no caixa? Como calcular sua conversão futura? Essas são perguntas que o modelo americano não responde — e o modelo brasileiro ainda não resolveu.

Além disso, o SAFE não oferece garantias nem para o investidor, nem para a empresa. Em alguns modelos, se a rodada de conversão não acontece, o investidor pode nunca se tornar sócio. Se a empresa for vendida antes da conversão, as regras podem ser interpretadas de forma distinta. Em outras palavras, um SAFE mal redigido pode ser o gatilho de litígios societários e fiscais — especialmente quando entra em cena o investidor que não leu as letras miúdas.

Outro risco recorrente é a diluição inesperada dos fundadores. Como o SAFE adia a discussão do valuation, os empreendedores muitas vezes não percebem o real impacto de múltiplos SAFEs emitidos ao longo do tempo. Quando chega a rodada de conversão, o cap table explode — e a surpresa é amarga. O sonho de manter 70% da empresa se transforma em um controle minoritário sem aviso prévio.

Então, por que usar o SAFE? Ele pode ser útil quando bem estruturado, com apoio jurídico, em rodadas muito iniciais, para valores pequenos e com investidores bem alinhados. Ele não substitui o mútuo conversível — que, embora mais formal, já está consolidado em nossa prática jurídica. E não deve ser usado sem customização: cada SAFE precisa ter cláusulas de proteção, mecanismos de conversão bem definidos, previsões para liquidez antecipada e, principalmente, respaldo documental sobre sua natureza.

Portanto, fundadores de primeira viagem, atenção: o SAFE pode parecer simples no nome, mas exige sofisticação na execução. Um contrato que adia decisões críticas não elimina o risco — apenas o transfere para o futuro. E no mundo das startups, o futuro costuma chegar mais rápido do que se espera.

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Empreender pela primeira vez é como saltar de paraquedas: você pode até estudar a teoria, mas só entende de verdade quando está em queda livre. E nesse voo chamado startup, o erro mais comum dos fundadores é acreditar que os aspectos jurídicos podem esperar. Eles não podem. Ignorá-los não significa economizar tempo — significa construir sobre terreno instável.

Por isso, se você está fundando sua primeira empresa, este checklist jurídico não é um luxo: é um mapa de sobrevivência. Um guia prático para evitar as armadilhas mais frequentes e estruturar seu negócio com inteligência e segurança desde o primeiro dia.

Primeiro: escolha o tipo societário adequado. A SLU (Sociedade Limitada Unipessoal) é uma excelente opção para começar sozinho, com limitação de responsabilidade e simplicidade operacional. Já a Sociedade Limitada tradicional se aplica bem quando há mais de um sócio. Evite abrir o CNPJ como “empresário individual” ou MEI se pretende escalar, captar investimento ou emitir participação societária.

Segundo: formalize a relação entre os sócios. O contrato social define as regras básicas da sociedade, mas é no acordo de sócios que se discutem os temas sensíveis: o que acontece se um sócio quiser sair? E se alguém quiser vender sua participação? Como funcionam as decisões estratégicas? Vesting, não concorrência, direito de preferência e resolução de impasses devem estar ali. Cláusulas claras evitam brigas feias no futuro.

Terceiro: registre a propriedade intelectual desde o início. O nome da empresa, o domínio do site, a marca, o logotipo, o código-fonte inicial — tudo isso precisa estar protegido. É comum startups deixarem essas questões para depois, e acabarem sendo impedidas de usar sua própria identidade por falta de registro. Proteger a marca no INPI e documentar os direitos autorais é barato, rápido e altamente estratégico.

Quarto: tenha contratos escritos com todos os envolvidos. Isso inclui cofundadores, freelancers, desenvolvedores, parceiros e fornecedores. Nada de “acordo de boca”. Se alguém estiver prestando um serviço essencial à empresa — como desenvolver um software ou desenhar uma plataforma — é indispensável um contrato com cláusula de cessão de direitos autorais. Caso contrário, a propriedade daquilo que foi criado pode não ser da empresa.

Quinto: cuide da regularidade fiscal desde o começo. A escolha do regime tributário (Simples Nacional, Lucro Presumido ou Real) deve considerar o modelo de negócios, a projeção de faturamento e o tipo de cliente. Muitas startups prestadoras de serviço cometem o erro de entrar no Simples sem entender o “fator R”, que pode aumentar drasticamente a carga tributária. Um contador com visão estratégica é essencial aqui.

Sexto: proteja os dados dos usuários. Mesmo que sua startup ainda não tenha milhões de cadastros, a LGPD já se aplica. Tenha uma política de privacidade clara, colete apenas os dados necessários, armazene com segurança e ofereça formas de exclusão. A confiança dos usuários começa na transparência com seus dados — e isso é também um ativo competitivo.

Sétimo: prepare-se para captar investimento. Se a ideia é trazer um investidor-anjo, um fundo ou um parceiro estratégico, é fundamental estar com a casa em ordem. Estruture um contrato de mútuo conversível com cláusulas de conversão, valuation cap, vesting e direitos do investidor. Mostre que sua startup está juridicamente preparada para crescer — e que você sabe o que está fazendo.

Por fim, lembre-se: o jurídico não é um custo. É um investimento em sustentabilidade. A lógica não é de contenção, mas de viabilização. O fundador que entende isso sai na frente — porque sabe que, em um ambiente incerto e competitivo, a solidez jurídica não é um diferencial. É uma base.

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Quem já participou de uma negociação societária sabe: cláusulas bem redigidas protegem relações. E entre todas as previsões contratuais possíveis, há três que merecem atenção especial dos fundadores de startups e empresas em crescimento — o Tag Along, o Drag Along e o Direito de Preferência.

Essas cláusulas regulam o que acontece quando há venda de participação societária. Elas não dizem respeito ao dia a dia da operação, mas ao que pode acontecer nos momentos mais sensíveis do negócio: a entrada ou saída de sócios, a compra por um fundo, a aquisição por um player estratégico. Nessas horas, o que estiver (ou não estiver) no papel faz toda a diferença.

Comecemos pelo Tag Along. Em português, poderíamos chamar de “direito de carona”. Ele protege o sócio minoritário em caso de venda da empresa. A lógica é simples: se o sócio majoritário decidir vender sua participação, o minoritário tem o direito de vender a sua também, nas mesmas condições e preço. Isso evita que o investidor ou fundador minoritário fique “preso” em uma empresa controlada por um novo dono com o qual não tem afinidade ou segurança.

O Tag Along é especialmente relevante em startups que recebem capital de fundos de venture capital. Ao garantir esse direito, o investidor-anjo, por exemplo, sabe que, em caso de “exit”, terá a chance de acompanhar a liquidez. O percentual desse direito pode variar — há cláusulas com 100% de tag (mais protetivas) e outras com percentuais reduzidos. A recomendação é clara: fundadores devem respeitar esse direito nas rodadas futuras, sob pena de tensionar a relação com investidores.

Já o Drag Along funciona na lógica oposta. É o “direito de arrasto”. Aqui, quem decide vender é o majoritário — e obriga os minoritários a venderem suas participações, desde que as condições da venda sejam equivalentes. Isso evita que um ou dois sócios pequenos impeçam a concretização de uma venda estratégica, bloqueando a operação por resistência ou desinteresse.

Em outras palavras, o Drag Along garante liquidez ao bloco controlador. E para o investidor de rodada mais avançada, especialmente os de private equity, essa cláusula é vista como essencial. Ela permite que, ao encontrar um comprador para a empresa inteira, a venda não dependa da anuência de sócios que representam uma fatia pequena, mas que, sem a cláusula, teriam poder de veto.

Por fim, temos o Direito de Preferência. Esse é mais conhecido, mas muitas vezes mal interpretado. Trata-se do direito do sócio atual de adquirir as quotas ou ações que outro sócio deseja vender, antes que elas sejam oferecidas a terceiros. É uma cláusula que protege a estrutura societária, evita a entrada de estranhos no capital e preserva a governança do negócio.

Na prática, esse direito deve vir acompanhado de prazos, formas de comunicação da oferta, condições mínimas de pagamento e mecanismos de resolução em caso de disputa. Um erro comum é estabelecer o direito sem detalhar a forma de exercício, o que pode levar a litígios. Outro é esquecer de harmonizar esse direito com cláusulas como Tag e Drag, gerando conflitos normativos dentro do contrato de sócios.

O que todo fundador precisa entender é que essas três cláusulas não existem para criar burocracia, mas para dar previsibilidade nas transições societárias. Em uma startup ou empresa em crescimento, onde rodadas de investimento, exits e reorganizações fazem parte da jornada, ignorar esses dispositivos é como andar sem freio — só se percebe o risco quando o problema já chegou.

Portanto, o melhor momento para discutir e formalizar essas cláusulas não é na véspera da venda. É antes, no acordo de sócios, na rodada de captação, no contrato de investimento. É quando ainda há alinhamento de expectativas e abertura para negociar.

Em síntese, o Tag Along protege o minoritário, o Drag Along protege o majoritário e o Direito de Preferência protege a estrutura da empresa. Cada um serve a um propósito distinto — mas todos falam a mesma língua: a do equilíbrio. E num ecossistema onde confiança vale tanto quanto capital, cláusulas claras são tão valiosas quanto o próprio investimento.

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Toda empresa nasce com um sonho. Mas também com a necessidade de escolher um caminho tributário. E é aqui que muitos fundadores, diante da pressa em emitir a primeira nota fiscal ou fechar o primeiro contrato, acabam negligenciando uma escolha que pode comprometer o crescimento, a rentabilidade e até mesmo a sobrevivência do negócio.

Estamos falando do regime de tributação. No Brasil, existem três principais caminhos para empresas: o Lucro Real, o Lucro Presumido e o Simples Nacional. Cada um tem regras, benefícios e riscos. E entender suas diferenças é uma etapa essencial para quem lidera uma empresa em fase inicial ou de escala.

Comecemos pelo Simples Nacional, o mais conhecido entre pequenos negócios. Criado para simplificar a vida de micro e pequenas empresas, ele unifica a cobrança de vários tributos federais, estaduais e municipais em uma única guia, o famoso DAS. Empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões podem optar por ele, desde que não exerçam atividades vedadas pela legislação.

O Simples tem uma vantagem clara: a praticidade. A carga tributária é progressiva conforme o faturamento e as alíquotas podem ser bem atrativas, especialmente nos primeiros anos. Além disso, há menos burocracia contábil e menos obrigações acessórias. Mas nem tudo são flores. Para empresas prestadoras de serviços com pouca folha de pagamento, o Simples pode se tornar mais oneroso do que os demais regimes. É o chamado “fator R”, que penaliza negócios com baixa intensidade de mão de obra.

Já o Lucro Presumido funciona como um meio-termo. Nele, o governo presume quanto da receita da empresa será lucro — e tributa esse valor, independentemente do lucro real. Para serviços, a presunção é de 32%; para comércio, 8%. O IRPJ e a CSLL incidem sobre esse percentual, mesmo que a empresa tenha lucrado mais ou menos do que o presumido.

Empresas com receita bruta de até R$ 78 milhões por ano podem optar pelo Lucro Presumido. Ele é vantajoso quando a empresa tem margens reais maiores do que as presumidas. Ou seja, paga-se tributo sobre um lucro fictício menor do que o verdadeiro. Mas há limites. Quem atua com margens apertadas, tem despesas altas ou sofre variações sazonais pode acabar pagando mais imposto do que deveria.

Por fim, o Lucro Real é o regime mais técnico, mais detalhado — e, muitas vezes, o mais justo. Aqui, os tributos são calculados sobre o lucro efetivamente apurado, com base em escrituração contábil completa. Se a empresa tiver prejuízo, não paga IRPJ nem CSLL. Se tiver lucro, paga sobre aquilo que de fato obteve.

O Lucro Real é obrigatório para empresas com faturamento superior a R$ 78 milhões, instituições financeiras ou negócios com benefícios fiscais específicos. Mas também pode ser vantajoso, especialmente para empresas com margens reduzidas, muitas despesas dedutíveis ou planejamento tributário mais elaborado. É um regime que exige organização contábil, mas oferece maior controle e pode ser financeiramente mais inteligente em negócios complexos.

Portanto, escolher o regime tributário não é uma questão meramente contábil. É uma decisão estratégica. O Simples facilita o início, o Presumido pode ser oportuno para empresas enxutas e rentáveis, e o Real dá fôlego para quem quer crescer com inteligência fiscal. Cada caminho exige análise, projeção e, acima de tudo, alinhamento com o modelo de negócio.

A recomendação é clara: converse com um advogado tributarista ou contador com visão estratégica. O que funciona para uma empresa de tecnologia pode ser desastroso para uma clínica médica. O que parece simples no começo pode se tornar um peso à medida que a empresa cresce. No jogo empresarial, os impostos não são o vilão — mas ignorar sua lógica é um erro que custa caro.

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Quando falamos em M&A — fusões e aquisições — o valor da empresa quase nunca se limita ao que está no balanço. Há ativos escondidos, contingências não provisionadas, contratos mal interpretados e, sobretudo, riscos tributários que não aparecem à primeira vista. Por isso, a due diligence tributária se torna uma etapa tão estratégica quanto sensível. Ela não é apenas um checklist. É, antes, um diagnóstico profundo sobre a saúde fiscal da empresa-alvo.

O que o comprador quer saber, afinal, é se está adquirindo uma companhia ou uma dor de cabeça futura com o Fisco. E a resposta para isso raramente vem de uma análise superficial das declarações acessórias. O que realmente importa está nos detalhes: regimes especiais, disputas judiciais em curso, créditos presumidos lançados de forma agressiva, benefícios fiscais sem amparo normativo. Cada uma dessas situações pode transformar o preço da operação — ou até inviabilizá-la.

O primeiro cuidado crítico está no exame do passivo tributário. Isso inclui não apenas débitos já inscritos em dívida ativa ou em parcelamentos, mas também autuações ainda em fase de defesa administrativa. Muitas vezes, a empresa-alvo optou por estratégias fiscais agressivas, como planejamento tributário estruturado ou elisão criativa. O problema é que aquilo que parecia eficiente em um ano pode ser requalificado pela Receita Federal no ano seguinte — e o novo controlador herdará a exposição.

Outro ponto sensível são os créditos tributários. Empresas que atuam com ICMS-ST, crédito de PIS/COFINS sobre insumos ou regimes de lucro presumido com apuração fora da curva precisam ser analisadas com lupa. Nem todo crédito é líquido e certo. Há créditos “questionáveis”, cuja validade depende de jurisprudência volátil ou interpretação local dos fiscos estaduais. Na prática, o comprador pode estar considerando no valuation algo que, juridicamente, não se sustenta.

É igualmente importante entender o histórico de cumprimento de obrigações acessórias. Uma empresa que entrega ECDs inconsistentes, omite dados no SPED ou possui falhas sistemáticas em EFD-Contribuições pode estar em zona de risco permanente de malha fina. O problema aqui é duplo: há risco de multa autônoma e risco de arbitramento da base de cálculo. Em uma operação de M&A, esse tipo de exposição pode derrubar cláusulas de preço ou gerar exigência de garantias.

E por falar em garantias, a cláusula de indenidade tributária é uma das mais disputadas em operações de M&A. O comprador, ciente dos riscos identificados na due diligence, exigirá garantias contratuais — como escrows, holdbacks ou cláusulas de earn-out condicionadas à não materialização dos passivos. O vendedor, por sua vez, buscará limitar o alcance da responsabilização, negociando prazos, valores máximos e hipóteses de exclusão. Aqui, a técnica jurídica precisa andar junto com a sensibilidade negocial.

Outro aspecto negligenciado, mas essencial, é a estruturação da própria operação. A forma como o deal é realizado — se por aquisição de quotas, incorporação, conferência de ativos ou cessão parcial de unidade produtiva — influencia diretamente a tributação incidente. Há diferenças relevantes entre uma operação que gera ganho de capital para os sócios vendedores e outra que resulta em ágio amortizável para o comprador. O desenho fiscal da operação deve ser feito com antecedência e alinhado com o jurídico, o contábil e o financeiro.

Por fim, deve-se considerar que a due diligence tributária não termina com a assinatura do contrato. O pós-fechamento também exige atenção, com monitoramento de eventos contingentes, atualização das obrigações tributárias assumidas e execução de cláusulas protetivas. Em operações que envolvem múltiplas jurisdições ou grupos estrangeiros, o compliance fiscal pós-deal é tão importante quanto o diagnóstico prévio.

Em suma, a tributação nas operações de M&A exige uma leitura que vai além dos números. Envolve interpretação jurídica, sensibilidade econômica e prudência estratégica. A due diligence tributária, quando bem conduzida, não apenas reduz riscos — ela agrega valor, protege reputações e permite que a operação seja, de fato, uma fusão de futuro e não um acúmulo de passivos.

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No mundo dos negócios inovadores, a pressa de empreender não pode atropelar a prudência jurídica. Especialmente quando há dinheiro de terceiros envolvido. O investimento-anjo, com toda a sua beleza estratégica e impacto no early stage, exige mais do que boas ideias: ele exige confiança. E a confiança, nesse contexto, se constrói com contratos bem desenhados.

O investidor-anjo — aquele que injeta capital, rede e experiência na startup ainda em fase de validação — não quer apenas uma promessa de retorno. Ele quer previsibilidade, proteção e clareza sobre o que está sendo combinado. O contrato, portanto, não é só uma formalidade: é um instrumento de alinhamento. E nesse alinhamento, algumas cláusulas não podem faltar.

A primeira delas é a cláusula de conversão. O investidor não quer ser só um credor: ele quer ter o direito de se tornar sócio no futuro, caso a empresa cresça e levante uma rodada maior. Esse mecanismo, muitas vezes viabilizado por um contrato de mútuo conversível, define como, quando e a que valor o investimento será convertido em participação societária. E aqui, um detalhe faz toda a diferença: se a conversão será obrigatória, automática ou facultativa. Quanto mais preciso for o desenho, menor o litígio lá na frente.

A segunda cláusula que não pode faltar é a da valuation cap. Trata-se de um teto de avaliação da startup para fins de conversão. Na prática, é uma forma de proteger o investidor inicial do efeito dilutivo de uma valorização exagerada em futuras rodadas. Se a empresa explodir em valor, ótimo — mas o investidor-anjo quer ser reconhecido por ter entrado antes. O cap garante isso.

Em terceiro lugar, vem a cláusula de desconto. Muitas vezes combinada com a valuation cap, ela assegura que, ao converter o investimento, o anjo terá um percentual de desconto sobre o valuation da nova rodada. Esse benefício compensa o risco de ter acreditado quando ninguém mais acreditava. Não é privilégio: é justiça contratual.

A quarta cláusula essencial é a de não diluição. Embora juridicamente sensível, ela pode ser pactuada em termos razoáveis, como um direito de manutenção de participação até determinado evento de liquidez ou rodada. O investidor quer saber que não será diluído imediatamente após a conversão, principalmente em situações que envolvam aumento de capital entre os próprios fundadores.

A quinta cláusula é o direito de preferência. Quando houver aumento de capital, o investidor-anjo quer ter a chance de investir novamente para manter seu percentual. Essa cláusula reforça a lógica do alinhamento contínuo: se a startup for bem, ele quer continuar embarcado. É um mecanismo simples, mas que precisa estar ajustado ao tipo societário — especialmente em sociedades limitadas, onde a legislação exige tratamento específico.

A sexta cláusula é o tag along. O investidor-anjo, mesmo minoritário, quer se proteger de uma eventual venda da empresa que o deixe à margem. Com o tag along, ele assegura que, se os sócios fundadores venderem suas quotas ou ações, ele poderá vender as suas nas mesmas condições. Isso evita que ele fique em uma sociedade que já não tem mais a mesma lógica estratégica.

E por fim, a cláusula de veto. Em determinados temas estratégicos — como alteração do objeto social, venda da empresa, mudança no cap table ou assunção de dívidas relevantes — o investidor quer ter voz ativa. Não se trata de co-gestão, mas de um direito mínimo de participar das decisões que possam comprometer o valor do seu investimento.

Essas sete cláusulas, quando bem redigidas, formam o alicerce de uma relação de confiança entre investidor e startup. Mais do que proteger, elas orientam. Evitam conflitos. Criam clareza. E acima de tudo, respeitam o espírito do investimento-anjo: apoiar com capital inteligente, mas sem perder de vista o que é essencial. No fim das contas, é disso que se trata o bom direito para startups. De ajudar a construir, sem atrapalhar o voo.

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A recente análise do CARF sobre a equiparação de fundos de investimento imobiliário (FIIs) a pessoas jurídicas, com base no art. 2º da Lei nº 9.779/1999, reacende um debate técnico de grande relevância para o mercado imobiliário, investidores institucionais e fundos exclusivos. A controvérsia gira em torno do caso do FII FL 3.500 I e da aplicação da chamada “norma antielisiva”, que busca evitar o uso artificial de fundos como veículos de economia tributária indevida.

O caso tratava da tributação de receitas auferidas por um FII que tinha como único cotista a FL LLC — entidade controlada pela gestora internacional Brookfield Asset Management. O imóvel do fundo, adquirido pronto, estava locado ao Banco Itaú BBA. A Receita Federal entendeu que, por haver suposta ligação societária entre o cotista exclusivo do FII e o empreendimento, o fundo estaria sujeito às regras aplicáveis às pessoas jurídicas — afastando o regime isencional previsto para os FIIs.

A lógica da equiparação e os requisitos legais

O art. 2º da Lei nº 9.779/1999 estabelece que um fundo de investimento imobiliário será equiparado à pessoa jurídica caso aplique recursos em empreendimento que tenha como incorporador, construtor ou sócio um cotista que detenha, direta ou indiretamente com pessoa a ele ligada, mais de 25% das cotas do fundo.

Embora o texto legal mencione o termo “sócio”, a norma não define o alcance técnico da expressão, nem tampouco se a participação indireta — por meio de estruturas societárias em cadeia — seria suficiente para ensejar a equiparação.

O entendimento do CARF: participação indireta não basta

Na decisão em questão (Acórdão nº 1101-001.485), o CARF afastou a autuação fiscal por entender que a interpretação do termo “sócio” não pode ser ampliada para alcançar controladores indiretos do cotista. A posição majoritária acolheu que:

  • “Sócio”, nos termos do art. 2º da Lei nº 9.779/99, deve ser aquele que participa diretamente do capital social do empreendimento imobiliário;

  • A mera relação societária entre grupos econômicos, mesmo que haja controle da entidade cotista por parte de empresa ligada ao empreendimento, não basta para caracterizar a equiparação;

  • A equiparação só é possível nos casos de dolo, fraude ou simulação, nos termos do art. 149, VII, do CTN.

Em consonância com a Solução de Consulta COSIT nº 182/2019, a decisão reconhece que a aplicação da norma antielisiva exige precisão conceitual. A simples existência de um cotista relevante, pertencente a um grupo econômico que atua no setor imobiliário, não configura, por si só, um indício de simulação ou abuso de direito.

Fundos exclusivos e cotista único: ilegalidade ou planejamento legítimo?

Outro ponto relevante abordado foi a existência de um único cotista no FII. Embora haja críticas quanto à ausência da pulverização — característica historicamente associada aos FIIs — o colegiado afastou a tese de que essa configuração por si só invalidaria o regime jurídico aplicável. A CVM, inclusive, reconhece expressamente a possibilidade de FIIs com cotistas únicos (Instrução CVM nº 409 e posteriores).

A fiscalização, no entanto, tentou sustentar que a estrutura do FII teria sido usada como fachada para locação imobiliária com tributação favorecida. Contudo, não houve prova de abuso, desvio de finalidade ou interposição fictícia que justificasse a desconsideração da forma jurídica.

A importância de um conceito jurídico-tributário rigoroso

A decisão sinaliza uma diretriz segura para o mercado: normas antielisivas devem ser interpretadas de forma estrita e técnica, especialmente quando envolvem benefícios fiscais. Equiparar um fundo a uma pessoa jurídica exige prova concreta da existência de um sócio do empreendimento imobiliário com participação superior a 25% no fundo, seja isoladamente ou com pessoa ligada — e não apenas conexões indiretas ou pertencimento ao mesmo grupo econômico.

Como destacou o conselheiro relator Edmilson Borges Gomes, é imprescindível que o Fisco demonstre a ocorrência de fraude, simulação ou dolo, para afastar o regime jurídico conferido pela Lei nº 8.668/1993 aos FIIs. A mera intenção de “corrigir distorções concorrenciais” não autoriza, por si só, a ampliação dos critérios legais de equiparação.

Considerações finais

A decisão do CARF oferece um importante precedente para a segurança jurídica dos investidores, reafirmando que o uso de veículos como FIIs deve ser analisado sob a ótica da legalidade, e não da presunção de evasão. Ao preservar a diferença entre planejamento tributário lícito e abuso disfarçado, o julgamento reforça a necessidade de critérios objetivos e respeito à forma jurídica regularmente constituída.

No atual cenário de fiscalização intensificada sobre estruturas de fundos, é essencial que investidores, administradores e gestores contem com suporte jurídico especializado para estruturar veículos de investimento de forma transparente, segura e em conformidade com a legislação tributária e societária.


Chambarelli Advogados
Tributário | Societário | Fundos de Investimento

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Começar uma startup antes da formalização do CNPJ é mais comum do que se imagina. Ideias em validação, testes com usuários, desenvolvimento de MVP ou busca por investidores muitas vezes antecedem a abertura oficial da empresa. Mas atenção: a ausência de CNPJ não significa ausência de riscos jurídicos — pelo contrário, é justamente nessa fase que muitos empreendedores deixam brechas que podem comprometer o futuro do negócio.

Mesmo sem CNPJ, é fundamental proteger juridicamente aquilo que está sendo construído: a marca, o time e os ativos intangíveis (como o software, o design ou os conteúdos produzidos). A seguir, destacamos os cuidados essenciais nessa fase inicial:

1. Contratos com sócios e colaboradores
Quando a startup ainda é informal, os vínculos entre fundadores costumam ser verbais ou baseados em confiança. Isso é um erro. Toda relação deve ser formalizada por memorandos de entendimento, contratos de prestação de serviço ou acordos de sócios futuros, definindo:

  • Propriedade da ideia e dos ativos desenvolvidos;

  • Percentual de participação futura (ou condições para isso);

  • Cláusulas de confidencialidade, não concorrência e propriedade intelectual.

Evite termos vagos como “somos todos donos”. Sem contrato, o programador pode sair e levar o código com ele. O designer pode reivindicar direitos autorais. E o investidor pode recuar ao ver a insegurança jurídica.

2. Registro de marca: não espere o CNPJ para proteger o nome
Muitos empreendedores acreditam que só podem registrar a marca depois de abrir a empresa. Isso é falso. O INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) permite o registro de marca por pessoa física, o que significa que você pode — e deve — garantir o nome do seu negócio antes de colocá-lo no mercado.

Sem esse cuidado, você corre o risco de investir em branding, domínio e redes sociais para depois descobrir que a marca já pertence a outro. Pior: se for notificado por infração, pode ter que mudar tudo e ainda responder por danos.

3. Propriedade intelectual do que está sendo desenvolvido
Se a startup está criando um software, algoritmo, plataforma ou banco de dados, o ideal é que haja cessão expressa dos direitos patrimoniais para a futura empresa. Isso pode ser feito em contrato, mesmo com cláusula de eficácia condicionada à abertura do CNPJ. Ou seja: os direitos são transferidos hoje, mas só passam formalmente para a empresa assim que ela existir.

Além disso, deve-se prever confidencialidade e restrição de uso sobre tudo o que está sendo desenvolvido, inclusive por freelancers ou parceiros que participem do projeto.

4. Estrutura societária futura: não deixe para decidir depois
Quanto mais a startup avança sem regras, maior o risco de conflitos. Por isso, é importante antecipar a estrutura que será adotada no contrato social futuro: quem será sócio, em que percentual, quais serão as responsabilidades de cada um e como será tratada a entrada de investidores.

Já é possível firmar um acordo de vesting (com ou sem equity efetiva), memorando de entendimentos ou até um contrato de mútuo conversível para proteger o aporte feito por algum dos fundadores ou apoiadores.

Conclusão:
A fase pré-CNPJ é justamente onde se constroem os ativos mais valiosos da startup: o produto, o time e a marca. Ignorar os cuidados jurídicos nesse momento é como construir uma casa sobre areia. O negócio pode até decolar, mas ficará vulnerável a disputas, perdas de ativos e insegurança para investidores.

No Chambarelli Advogados, ajudamos startups a nascerem juridicamente preparadas — mesmo antes do CNPJ. Formalize com inteligência, proteja o que é seu e construa desde já a estrutura que fará sua startup ser investível, sustentável e segura.

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Sim, é possível distribuir cotas de forma desigual entre filhos em uma holding familiar — desde que isso seja feito com clareza, planejamento e respaldo jurídico. No Brasil, o princípio da igualdade entre herdeiros se aplica apenas no contexto sucessório obrigatório, e não impede que, em vida, os pais organizem a sucessão patrimonial segundo critérios legítimos.

A legislação permite que os pais doem cotas da holding aos filhos com desigualdade, desde que respeitada a parte legítima, correspondente a 50% do patrimônio total. A outra metade — chamada de parte disponível — pode ser livremente atribuída a qualquer herdeiro, ainda que em proporção maior do que a dos demais.

Na prática, isso significa que:

  • Se os pais forem sócios de uma holding e desejarem, por exemplo, beneficiar um filho que trabalha no negócio, podem doar a ele uma fatia maior da parte disponível;

  • Já os demais filhos, que eventualmente não participam da gestão, receberiam apenas a legítima (ou outra fração ajustada dentro dos limites legais).

  • Para evitar litígios futuros, é essencial que o planejamento sucessório seja documentado com transparência, podendo incluir doações com cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e reversão, além de um protocolo familiar que explique os critérios adotados.

Também é recomendável avaliar a utilização de instrumentos como:

  • Conselhos de família e acordos de sócios, para formalizar regras de convivência patrimonial e de entrada/saída da gestão;

  • Testamento, para reforçar a vontade do instituidor e evitar dúvidas interpretativas;

  • Reorganização societária com cotas preferenciais, que garantam rendimentos sem direito a voto, quando o objetivo for diferenciar apenas a gestão e não o usufruto.

Conclusão:
A distribuição desigual de cotas entre filhos é possível, legítima e, em muitos casos, necessária — especialmente em famílias empresárias que desejam proteger o legado e premiar o envolvimento real no negócio. O ponto central está em respeitar os limites legais da legítima e estruturar o processo com respaldo técnico e jurídico, prevenindo conflitos e assegurando a perpetuidade patrimonial com justiça e visão estratégica.

No Chambarelli Advogados, ajudamos famílias a desenhar essa transição com segurança, equilíbrio e foco na longevidade do patrimônio e do negócio.