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Há momentos em que a política tributária deixa de ser um mecanismo de arrecadação e passa a flertar com o desatino. A recente experiência brasileira com a regulamentação das apostas online talvez ilustre com rara nitidez essa transição.

Desde o início do ano, o país ingressou, formalmente, no seleto grupo de nações que optaram por regular o mercado de apostas de quota fixa, oferecendo segurança jurídica a operadores e arrecadação ao Estado. Mais de uma centena de empresas já recebeu aval para operar. Estima-se que o Brasil possa se tornar, em poucos anos, o terceiro maior mercado do mundo no setor, movimentando cifras bilionárias. Mas a promessa de prosperidade traz consigo um risco: a sanha arrecadatória.

O ambiente tributário desenhado até aqui beira a excentricidade. O operador legal enfrenta uma incidência que começa com 12% sobre o chamado GGR (gross gaming revenue), passa por IRPJ e CSLL, soma PIS, Cofins e ISS, e ainda se depara com taxas de fiscalização e novas propostas de majoração – como a MP nº 1.303/2025, que pretende elevar o GGR a 18%. Se aprovadas as mudanças, a carga total poderá superar 60% da receita bruta. Não é exagero afirmar que esse percentual coloca o jogo legal em desvantagem frente à informalidade.

E esse não é um problema teórico. Segundo levantamento recente, algo entre 41% e 51% do mercado brasileiro opera na clandestinidade. Estamos falando de uma evasão superior a R$ 10 bilhões por ano. Ou seja, mais do que um dilema técnico, há um dilema estratégico: a tributação desenhada para o setor precisa canalizar, e não repelir. O modelo atual, ao tentar maximizar a arrecadação sobre uma base frágil e mal compreendida, pode estar empurrando o contribuinte para o escuro.

Essa distorção se acentua quando nos aproximamos das bases de cálculo dos tributos incidentes. O conceito de “receita”, para fins de PIS e Cofins, tem sido objeto de longa controvérsia. O Supremo Tribunal Federal já deixou claro que não basta a entrada de recursos no caixa – é preciso que haja, efetivamente, um acréscimo patrimonial. Quando uma casa de apostas concede bônus, apostas grátis ou distribui créditos promocionais, esses valores não se incorporam ao patrimônio da empresa. São instrumentos de fidelização, não riqueza. Tributá-los seria o mesmo que exigir imposto sobre brindes.

O mesmo raciocínio se aplica ao ISS. Ainda que se trate de um tributo sobre serviços, não há cobrança direta ao usuário por cada aposta realizada. A remuneração da plataforma é, em essência, o resíduo da operação: o que sobra após pagamento de prêmios e outras deduções. E nesse ponto, é curioso notar que o Município de São Paulo já reconheceu a necessidade de excluir da base de cálculo do ISS os valores destinados a terceiros. Um raciocínio simples, mas muitas vezes negligenciado: não se tributa aquilo que não pertence.

A reforma tributária em curso — que institui novos tributos como CBS e IBS, e ainda prevê um Imposto Seletivo — insinua um avanço. Prevê, ao menos para os concursos de prognósticos, uma base de cálculo que desconta os prêmios pagos e as obrigações legais do operador. Trata-se de um passo tímido, mas na direção certa: reconhecer que a tributação deve recair sobre a riqueza efetiva gerada, e não sobre fluxos ilusórios.

A discussão, por fim, atinge o plano constitucional quando se cogita aplicar o Imposto Seletivo sobre atividades de apostas. O imposto, nos termos da Constituição, destina-se a onerar bens e serviços que causem dano à saúde ou ao meio ambiente. Apostar, em si, não se equipara a fumar ou poluir. Embora haja riscos sociais envolvidos — como vício e superendividamento —, há uma diferença substancial entre um mal em si mesmo e uma atividade lícita que pode demandar regulação protetiva. Aqui, o uso do Imposto Seletivo pode ser mais uma expressão de oportunismo fiscal do que de coerência normativa.

Regulamentar apostas é, portanto, mais do que criar regras: é escolher entre a canalização e a marginalização. Tributar é exercer poder, mas também é assumir responsabilidade. Um sistema que pune o operador legal com tributos excessivos, ao mesmo tempo em que ignora o mercado ilícito, comete um erro duplo: desestimula quem quer cumprir a lei e perpetua a informalidade.

No fim, o verdadeiro jogo em curso não é entre apostadores e casas de apostas. É entre o Estado e a lógica. E, nesse tabuleiro, quem erra o cálculo tributário pode perder muito mais do que receita. Pode perder o próprio controle do mercado.

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A transição do sistema tributário brasileiro — marcada pela criação da CBS e do IBS, pelo fim da cumulatividade e pela uniformização da base de cálculo — não é apenas um desafio jurídico-contábil. Trata-se, sobretudo, de um divisor de águas na forma como as empresas organizam suas operações, sua cadeia de valor e sua governança fiscal. Em um ambiente de incertezas regulatórias, o planejamento tributário estratégico emerge como instrumento de antecipação, proteção e vantagem competitiva.

A seguir, delineamos uma metodologia robusta de planejamento tributário, com foco nos impactos da Reforma Tributária, combinando a densidade analítica de uma abordagem jurídica crítica com a linguagem acessível necessária à tomada de decisão executiva.


1. Mapeamento e Diagnóstico: A Verdade Fiscal Antes da Estratégia

Nenhuma estratégia pode prescindir de uma leitura clara do terreno em que pisa.

A primeira etapa do planejamento tributário exige levantamento detalhado da estrutura societária, com identificação de participações cruzadas, veículos inativos, núcleos operacionais e patrimoniais. A análise dos regimes tributários vigentes, conjugada com o levantamento da carga fiscal consolidada, permite medir o custo efetivo da operação em cada unidade empresarial — algo que será profundamente impactado com o fim do PIS/COFINS e a substituição por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de alíquota única.

Também são identificados riscos fiscais, passivos ocultos, falhas de compliance e oportunidades não exploradas, como créditos acumulados ou benefícios fiscais subutilizados.

Palavras-chave: planejamento tributário reforma tributária, diagnóstico fiscal, estrutura societária, carga tributária consolidada, compliance tributário


2. Reorganização Societária e Planejamento Estrutural: O Direito Como Engenharia

Se o sistema muda, a estrutura da empresa precisa mudar junto.

A reorganização societária se impõe não como um capricho jurídico, mas como um movimento de engenharia legal e econômica. A criação de holdings patrimoniais e operacionais, a cisão de atividades distintas (comércio, serviços, industrialização), ou a consolidação de operações regionais são exemplos de medidas que visam alinhar a estrutura societária ao novo regime fiscal, protegendo ativos, segregando riscos e criando eficiência tributária legítima.

Cada medida deve ser acompanhada de atos societários claros, motivados e bem documentados, com estudo jurídico e econômico que sustente a alteração tanto perante a Receita Federal quanto diante de possíveis questionamentos de terceiros.

Palavras-chave: reorganização societária, planejamento tributário estratégico, holding patrimonial, eficiência fiscal, cisão de atividades, direito societário e tributário


3. Localização Fiscal Eficiente e Avaliação de Regimes: A Geografia Tributária Importa

A Reforma Tributária, ao instituir o IBS como tributo compartilhado entre estados e municípios, cria uma nova lógica de distribuição de receitas. Municípios e estados passam a competir de forma indireta pela localização das operações e dos fatos geradores, tornando a estratégia de endereçamento fiscal ainda mais relevante.

Nesse cenário, avaliar o impacto de manter operações em determinados estados, abrir filiais em regiões com maior retorno de créditos ou incentivos setoriais ativos, e até relocalizar núcleos logísticos ou administrativos passa a ser um dos pilares do planejamento.

Além disso, deve-se revisar o regime tributário atual (Simples, Lucro Presumido, Lucro Real), com simulações que considerem o novo regime não cumulativo, o conceito de insumo ampliado e a possibilidade de recuperação integral de créditos em algumas atividades.

Palavras-chave: planejamento tributário por localização, incentivo fiscal municipal, IBS e endereçamento fiscal, crédito de ICMS, regime tributário ideal reforma


4. Reforma Tributária: Análise das Novas Regras e Gestão da Transição

O novo sistema cria uma janela crítica: um período de transição que vai até 2032, onde convivem regras antigas e novas, exigindo dupla apuração, adaptação contábil e redimensionamento operacional.

A análise técnica das novas regras — como a extinção do regime cumulativo do PIS/COFINS, a criação da CBS com alíquota única para bens e serviços e a transição do ICMS/ISS para o IBS — deve ser feita sob a ótica setorial e contratual.

Empresas de serviços, por exemplo, devem revisar profundamente seus contratos, margens e repasses de custo, dado que a nova carga será mais pesada e o creditamento mais limitado.

Mais do que entender a lei, é preciso operar dentro da transição com inteligência estratégica, aproveitando as brechas de crédito, protegendo contratos legados e mitigando passivos ocultos.

Palavras-chave: reforma tributária 2025, CBS e IBS, transição PIS COFINS ICMS ISS, mudanças na carga tributária, impactos da reforma tributária


5. Créditos Tributários e Incentivos: Oportunidade em Meio ao Caos

A nova sistemática não anula o passado: ela pressupõe sua depuração.

O levantamento e aproveitamento de créditos acumulados de PIS, COFINS, ICMS, IPI e IRPJ/CSLL torna-se ainda mais relevante, já que a migração para o novo modelo pode dificultar a compensação posterior.

A recomendação é iniciar imediatamente o processo de validação contábil e jurídica desses créditos, com a identificação dos documentos suporte, registros fiscais e vinculação direta com a atividade-fim. Paralelamente, o mapeamento de incentivos fiscais federais, estaduais e municipais pode compensar parte do impacto da CBS/IBS. A Lei do Bem, incentivos de ICMS por exportação e programas municipais de ISS fixo continuam válidos, mas exigem revisão contratual e documental adequada.

Palavras-chave: aproveitamento de créditos tributários, créditos de PIS COFINS ICMS, incentivos fiscais Lei do Bem, recuperação de tributos, programas de incentivo fiscal


6. Reestruturação Contratual e Operacional: Redesenhar com Segurança Jurídica

A Reforma exige mais do que adequação tributária: exige transformação do modelo de negócios.

Contratos de prestação de serviços, fornecimento, distribuição e operações intercompany precisam ser revistos à luz da nova incidência, da não cumulatividade plena e da transparência na formação do preço.

Além disso, a estrutura de remuneração de sócios, distribuição de lucros e pagamentos por performance deve ser revista sob a ótica do IRPF, INSS e planejamento sucessório. A logística, o faturamento e os centros de custo também devem ser revistos para evitar glosas de crédito no novo sistema.

Palavras-chave: revisão contratual tributária, contratos intercompany, glosa de crédito IBS, contratos de prestação de serviços reforma tributária, reestruturação logística tributária


7. Cronograma Executivo e Relatórios: Governança na Implementação

Por fim, o planejamento precisa sair do papel com segurança e previsibilidade.

Elaboramos um cronograma executivo com metas de curto, médio e longo prazo, mapeando os responsáveis por cada etapa e prevendo ajustes legais, operacionais e contábeis.

Além disso, entregamos relatórios técnicos completos, com simulações comparativas, fundamentação jurídica, e apresentações executivas voltadas à diretoria e ao conselho, permitindo a tomada de decisão estratégica com segurança fiscal.

Palavras-chave: cronograma de planejamento tributário, governança tributária empresarial, relatório de planejamento fiscal, simulação reforma tributária, implementação estratégica tributária


Conclusão: Em Tempos de Reforma, o Planejamento Não É uma Opção — É Sobrevivência

O empresariado brasileiro está diante de uma inflexão. A Reforma Tributária não é uma ameaça, mas uma convocação: a de repensar a estrutura, as operações e os contratos sob nova luz. O que antes funcionava — o regime simplificado, a segmentação informal, a alocação sem substância — agora se torna passivo.

Planejar não é sonegar. Planejar é respeitar a lei e usar sua complexidade como campo legítimo de estratégia. No Chambarelli Advogados, nosso compromisso é com eficiência, legalidade e inteligência fiscal.

Agende uma reunião com nosso time e inicie hoje o seu redesenho fiscal. Porque quem se antecipa à mudança, lidera o futuro.

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A conversão da condição de não residente para residente fiscal no Brasil representa um marco jurídico e tributário sensível para pessoas físicas com ativos no mercado financeiro nacional. Trata-se de uma alteração que rompe o vínculo com o regime especial de tributação aplicável a investidores estrangeiros — estabelecido pelo art. 16 da Medida Provisória nº 2.189-49/2001 — e sujeita os rendimentos e ganhos de capital à regulação tributária ordinária aplicável aos residentes no País.

Do ponto de vista fiscal, o momento exato da transição de domicílio acarreta consequências relevantes sobre a incidência do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), a apuração de ganho líquido em operações de bolsa, e a definição do responsável pelo recolhimento. A Receita Federal do Brasil (RFB) sedimenta o entendimento de que a mudança de residência não configura, por si só, evento de alienação ou disponibilidade jurídica da renda, mas exige uma leitura técnica segmentada quanto aos efeitos anteriores e posteriores à transição.


Regime Especial vs. Regime Ordinário: A Cisão Temporal

O sistema jurídico brasileiro admite que investidores não residentes no País se beneficiem de tratamento fiscal favorecido para aplicações financeiras em renda fixa e variável, desde que observadas as normas da Resolução CMN nº 4.373/2014. Este regime especial — regulado pelo art. 81 da Lei nº 8.981/1995 — prevê, por exemplo, isenção sobre ganhos líquidos em bolsa e alíquotas reduzidas em operações de renda fixa.

Contudo, a partir da data em que o investidor passa a ser considerado residente fiscal no Brasil, os rendimentos das aplicações deixam de ser alcançados pelo referido regime e passam a sujeitar-se às mesmas regras aplicáveis às pessoas físicas residentes, como previsto nos arts. 88 e seguintes da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015.

Essa linha divisória no tempo cria um regime híbrido para o mesmo ativo financeiro: rendimentos produzidos até o dia anterior à aquisição da residência fiscal brasileira mantêm-se sob o regime especial, enquanto aqueles produzidos a partir da data da mudança integram a base de incidência do IR nos moldes gerais do sistema doméstico.


Aplicações Financeiras com IRRF: Competência da Fonte Pagadora

No que se refere a aplicações sujeitas ao IRRF — como títulos de renda fixa —, a responsabilidade pelo recolhimento do imposto recai sobre a fonte pagadora no momento da materialização do fato gerador (e.g., resgate, alienação, liquidação).

Importa destacar que não há incidência automática de IR no simples ato de alterar o domicílio fiscal. Enquanto não houver liquidez do ativo, tampouco há fato gerador. Contudo, no momento em que a alienação se consuma, o IR incidente deverá ser calculado proporcionalmente ao período de sujeição de cada regime (especial e ordinário).


Operações em Bolsa: Regra de Apuração Direta pelo Investidor

As operações com ativos negociados em bolsa de valores — ações, ETFs, derivativos — seguem outro regime. Nos termos da legislação aplicável, o contribuinte é o próprio investidor, que deve apurar e recolher o imposto mensalmente com base no ganho líquido obtido.

Para os residentes, o ganho líquido é a diferença positiva entre o valor de alienação e o custo médio ponderado de aquisição dos ativos. A mudança de residência implica, portanto, o dever de realizar o ajuste fiscal da posição em carteira, inclusive com atenção à segregação temporal entre regimes de tributação.


Responsabilidade Tributária: A Quem Compete o Recolhimento?

Um dos pontos mais relevantes da análise diz respeito à titularidade da obrigação tributária após a mudança de domicílio. Antes da alteração, a responsabilidade pela retenção e recolhimento do IRRF caberia, em tese, à instituição financeira ou custodiante, nos moldes do art. 79 da Lei nº 8.981/1995.

Após a conversão em residente fiscal, os deveres tributários passam a ser do próprio investidor, nos termos do art. 26 da Lei nº 10.833/2003. Esta transição de sujeitos passivos exige atenção, sobretudo na definição do marco temporal da nova condição fiscal e na forma de comprovação perante os órgãos competentes.


Implicações Estratégicas e Cuidados Práticos

Para o investidor estrangeiro que pretende alterar sua residência fiscal para o Brasil, alguns cuidados são indispensáveis:

  • Mapear os ativos detidos antes da alteração, registrando custos de aquisição e valores de mercado;

  • Segregar os rendimentos financeiros por regime de competência, com apuração proporcional em caso de resgates ou alienações após a mudança;

  • Formalizar a alteração do domicílio fiscal junto à Receita Federal, respeitando os requisitos da Instrução Normativa SRF nº 208/2002;

  • Encerrar ou requalificar o registro de investidor não residente junto ao Banco Central, conforme disciplinado pela Resolução CMN nº 4.373/2014;

  • Atualizar o cadastro bancário e a relação com custodiante e intermediários financeiros, para refletir a nova condição tributária.


Conclusão: A Transição de Regimes e a Arquitetura do Dever Fiscal

A mudança de domicílio fiscal para o Brasil não representa um evento neutro do ponto de vista tributário. Ainda que não configure, por si, fato gerador de IR, impõe ao investidor uma reclassificação de seus rendimentos e uma nova configuração de seus deveres fiscais.

A lógica jurídica é clara: enquanto a residência fiscal define o regime de incidência, o fato gerador permanece vinculado à realização econômica. A ausência de alienação ou liquidação de ativos na transição não afasta, portanto, a necessidade de rigor na delimitação entre os regimes e na responsabilidade pelo cumprimento das obrigações acessórias.

Para indivíduos com posições relevantes no mercado financeiro, a assessoria jurídica tributária qualificada é imprescindível. O momento da mudança deve ser tratado com a mesma cautela estratégica que uma reorganização societária: cálculo, planejamento e blindagem.

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A tributação das grandes obras de infraestrutura no Brasil encontra no REIDI – Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – uma das raras válvulas legais de desoneração. Criado pela Lei nº 11.488/2007, o regime suspende a exigência de PIS e Cofins sobre a aquisição de bens e serviços vinculados a projetos de infraestrutura habilitados. Mas essa suspensão não é automática, nem ampla, nem interpretada de forma generosa. Muito ao contrário: sua interpretação é estrita, restritiva e técnica.

É neste cenário que se insere a recente manifestação da Receita Federal, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 22, de 2024, que analisou um verdadeiro cardápio de 60 itens vinculados à construção de ferrovias, separando aquilo que pode ser beneficiado pelo REIDI do que não pode. O parecer revela com precisão cirúrgica os limites legais do regime, e impõe uma advertência: nem tudo o que parece essencial à obra se qualifica como benefício fiscal.


O núcleo do benefício: incorporação ao ativo imobilizado

O REIDI incide apenas sobre bens e serviços incorporados ou aplicados diretamente em obras de infraestrutura destinadas ao ativo imobilizado da empresa habilitada. Essa é a pedra angular da interpretação tributária.

A Receita aplica, aqui, uma lógica binária: só se beneficia quem “incorpora” ou “aplica” o insumo à obra. Serviços meramente acessórios, operacionais, administrativos ou sociais não se enquadram.

O artigo 3º da Lei nº 11.488/2007, reforçado pelo art. 646 da Instrução Normativa RFB nº 2.121/2022, delimita esse campo com precisão: apenas máquinas, equipamentos, instrumentos novos e materiais de construção destinados ao ativo imobilizado da obra podem ter suspensão de PIS e Cofins. O mesmo se aplica à locação de equipamentos, desde que voltada diretamente à execução da infraestrutura.


O que foi aceito: serviços, materiais e equipamentos incorporáveis

A Solução COSIT nº 22/2024 reconheceu o benefício tributário para uma série de bens e serviços, desde que diretamente ligados à construção da ferrovia. Destacam-se:

  • Materiais de construção essenciais: perfis metálicos, pré-moldados de concreto, trilhos, brita, dormentes e soldas especializadas.

  • Equipamentos de aplicação direta: manipuladores de trilhos, vagões, locomotivas de apoio, aparelhos de mudança de via (AMV).

  • Serviços técnicos e ambientais integrados: topografia, sondagens, estudos geotécnicos, arqueológicos e de licenciamento ambiental.

  • Fase de execução da obra: supressão vegetal, terraplanagem, montagem de trilhos, esmerilhamento, armazenagem e transporte de insumos.

  • Serviços de engenharia e fiscalização: controle de qualidade, validação de ensaios, certificação de projeto, gestão de contratos.

A Receita utilizou como critério de admissibilidade o alinhamento entre o serviço prestado e sua finalidade de “transformar o insumo em estrutura física incorporável”, citando inclusive o CPC 27 como fundamento contábil para incorporar custos diretamente atribuíveis ao ativo.


O que foi vetado: funções operacionais, apoio ou indiretas

A lista dos itens que ficaram fora do REIDI é igualmente extensa, e revela a rigidez da interpretação tributária. Foram negados os benefícios para:

  • Serviços sociais e de bem-estar: hotelaria, ginástica laboral, testagem de álcool e drogas, ações ergonômicas, plano de combate à malária.

  • Serviços administrativos e de apoio: segurança patrimonial, limpeza de escritórios, telefonia e rádio, vigilância e portaria.

  • Transporte de pessoas e veículos leves: fretamento de funcionários, aluguel de veículos de apoio.

  • Desapropriações e gestão fundiária: cadastro de terrenos, assistência a comunidades, controle de invasões.

  • Comunicação institucional: planos de mídia e relacionamento com comunidades do entorno.

A Receita foi categórica: se o serviço não é aplicado diretamente na execução da obra, ele está fora do benefício. A lógica aqui não é a de utilidade ou necessidade, mas de aderência ao conceito jurídico-tributário de “aplicação em obra de infraestrutura destinada ao ativo imobilizado”.


A jurisprudência administrativa e a interpretação literal

A Solução de Consulta reforça o entendimento consolidado em decisões anteriores, como as SCs COSIT nº 87/2016, 532/2017 e 577/2017. E faz uma advertência que ecoa o artigo 111, I, do CTN: os dispositivos que tratam de suspensão de crédito tributário devem ser interpretados literalmente.

Essa literalidade é, na prática, um antídoto contra a elasticidade interpretativa. A Receita rejeita a lógica de “essencialidade” ampla, exigindo prova de incorporação ou aplicação direta no ativo. Até mesmo o transporte de operários, embora necessário à execução da obra, foi negado com base nessa tese restritiva.


Implicações práticas e riscos de autuação

Para empresas habilitadas no REIDI, a leitura dessa Solução de Consulta impõe uma lição crucial: é preciso mapear, item a item, a cadeia de suprimentos e serviços, e avaliar se há conexão técnica e contábil com o ativo imobilizado.

A adoção do benefício sem respaldo técnico-jurídico pode gerar passivos relevantes, com autuações por não recolhimento de PIS e Cofins sobre operações indevidas.

É recomendável:

  • Revisar os contratos de aquisição, locação e prestação de serviços;

  • Estabelecer controles contábeis que permitam identificar os itens incorporáveis;

  • Solicitar, sempre que possível, soluções de consulta personalizadas.


Conclusão: Reidi é para obra, não para o entorno

A Solução COSIT nº 22/2024 esclarece com crueza a fronteira entre o que pode e o que não pode ser beneficiado no REIDI. O regime, embora generoso em sua promessa, é limitado em sua execução. Não se trata de uma desoneração ampla para tudo o que “serve à obra”, mas sim de uma suspensão fiscal dirigida ao que entra, literalmente, no coração da infraestrutura.

Em tempos de controle fiscal rigoroso e responsabilização tributária, a aplicação segura do REIDI exige mais que boas intenções: exige técnica, cautela e respaldo jurídico.

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A alienação de Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) por empresas optantes pelo Simples Nacional vem ganhando destaque como uma alternativa de capitalização por meio da cessão de créditos com deságio. No entanto, a operação tem implicações relevantes do ponto de vista tributário, especialmente quanto à tributação do ganho obtido na transação.

A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 22, de 19 de janeiro de 2023, esclareceu o enquadramento fiscal da operação para pessoas jurídicas de pequeno porte que operam sob o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições – o Simples Nacional.

Entendimento da Receita: o ganho com CCI não integra a receita bruta do Simples

De acordo com o entendimento da Receita Federal, o resultado positivo obtido com a alienação da CCI – isto é, a diferença entre o valor de venda e o valor de aquisição do títulonão compõe a receita bruta da empresa para fins de apuração do Simples Nacional. Isso porque, nos termos do art. 3º, § 1º, da Lei Complementar nº 123/2006, a base de cálculo do Simples corresponde apenas à receita derivada da atividade operacional da empresa (venda de bens e serviços).

Contudo, essa “outra receita” – assim qualificada pela Receita – não escapa à tributação federal. Ao contrário, o fisco entende que esse ganho está sujeito ao pagamento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), nos termos do art. 13, § 1º, inciso V, da LC nº 123/2006, que prevê a incidência do IR sobre “rendimentos ou ganhos líquidos auferidos em aplicações de renda fixa ou variável”.

O que isso significa, na prática?

O Simples Nacional não desobriga a pessoa jurídica do pagamento de tributos fora do regime unificado quando se trata de operações financeiras específicas. A alienação de CCI se encaixa justamente nessa exceção. Assim:

  • Não entra no DAS: o ganho com a venda da CCI não integra o Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS);

  • Mas deve pagar IRPJ separado: o lucro obtido será tributado como rendimento financeiro, conforme a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas (lucro real ou presumido), com alíquotas e regras específicas.

Riscos e cuidados práticos

Empresas de pequeno porte que pretendem diversificar sua fonte de receita por meio de investimentos em títulos de crédito, como a CCI, devem observar com rigor o tratamento tributário separado dessas operações. A falta de recolhimento do IR incidente sobre esses ganhos pode acarretar autuações fiscais, com acréscimos de multa e juros.

Além disso, é importante manter documentação clara que demonstre o valor de aquisição e o valor de venda da CCI, para que se possa calcular corretamente o ganho de capital auferido.

Conclusão

A venda de CCI com lucro por empresas do Simples Nacional não está isenta de tributação. Embora esse rendimento não componha a receita bruta para fins de apuração do Simples, ele deve ser tributado à parte, sob as normas gerais do IRPJ aplicáveis às pessoas jurídicas em operações financeiras.

Esse entendimento reforça a necessidade de planejamento tributário mesmo para empresas de menor porte, especialmente quando optam por estratégias fora de sua atividade-fim. Contar com orientação jurídica especializada é essencial para evitar riscos e aproveitar oportunidades com segurança.

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Em um cenário de insegurança jurídica que há anos assombra contribuintes que apuram o PIS e a Cofins sob o regime não cumulativo, a Solução de Consulta COSIT nº 90/2025, publicada em junho, representa um marco. Ao reconhecer expressamente o direito ao crédito de PIS/Cofins sobre o frete na aquisição de insumos mesmo quando estes estejam sujeitos à alíquota zero, a Receita Federal rompe com uma longa tradição de interpretações restritivas e reafirma a supremacia da essencialidade econômica sobre o formalismo fiscal.

O entendimento se alinha a precedentes relevantes do CARF e ao que já fora consolidado pelo STJ no REsp 1.221.170/PR, onde se firmou o critério da essencialidade e relevância para a caracterização de insumos.


A controvérsia: crédito sobre o frete de insumos com alíquota zero

Historicamente, a Receita Federal sustentava que, se o insumo não gerava crédito (por estar sujeito à alíquota zero), tampouco o frete relacionado à sua aquisição poderia ser creditado. Essa posição ignorava a natureza autônoma do frete como serviço e colidia com a própria sistemática da não cumulatividade, cuja finalidade é evitar a tributação em cascata, não impor penalidades econômicas indiretas a setores incentivados.

A nova posição da COSIT, vinculante para a administração tributária, rompe com essa lógica: o frete é insumo em si, por ser essencial à atividade produtiva, e, portanto, gera crédito mesmo que o bem transportado esteja sujeito à alíquota zero.


Fundamento normativo: quando a letra da lei encontra a realidade econômica

A decisão da COSIT está ancorada no art. 3º, II, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, que permite o crédito sobre bens e serviços utilizados como insumo na produção ou prestação de serviços.

O ponto de inflexão, porém, está na Instrução Normativa RFB nº 2.264/2025, que alterou novamente a redação do art. 176 da IN RFB nº 2.121/2022 para incluir expressamente, no inciso XXIII, o frete e o seguro como insumos autônomos, desde que essenciais ou relevantes ao processo produtivo. Esse dispositivo não apenas legitima o crédito como rompe com a dependência entre o regime do insumo e o serviço que o viabiliza.

A Receita também reconhece o efeito retroativo da norma, por se tratar de interpretação da lei, nos termos do art. 106, I, do CTN, permitindo a recuperação de créditos dos últimos cinco anos, mediante retificação das EFD-Contribuições e DCTF.


Precedentes do CARF: a sedimentação da jurisprudência administrativa

A Solução de Consulta alinha-se a julgados paradigmáticos do CARF, como os Acórdãos nº 9303-011.763/2021 e nº 3402-003.968/2017, que reconheceram o direito ao crédito de PIS/Cofins sobre fretes de insumos com alíquota zero. Em ambos os casos, a decisão se fundou na independência do frete em relação ao regime de tributação do produto transportado e na sua essencialidade para o processo produtivo.

O critério é claro: se a subtração do frete compromete a viabilidade da produção, o serviço é insumo e o crédito é devido.


Aplicabilidade prática: como recuperar créditos extemporâneos

A COSIT autoriza expressamente o creditamento extemporâneo, mediante retificação da EFD-Contribuições e da DCTF, nos termos do art. 11 da IN RFB nº 1.252/2012. A prescrição segue o prazo quinquenal, contado da transmissão da escrituração original.

Para o contribuinte, isso significa:

  • Revisar os últimos cinco anos de fretes pagos na aquisição de insumos sujeitos à alíquota zero;

  • Retificar as obrigações acessórias para incluir os créditos não apropriados;

  • Utilizar tais créditos via PER/DCOMP, para compensação ou restituição.

O impacto financeiro pode ser relevante, sobretudo em cadeias produtivas de alto volume logístico, como alimentícia, farmacêutica, agronegócio e química.


Conclusão: oportunidade e compliance caminham juntos

A Solução de Consulta COSIT nº 90/2025 representa um avanço institucional no reconhecimento da realidade econômica do contribuinte. Mais do que corrigir uma distorção, ela consolida uma interpretação mais coerente com os princípios da não cumulatividade e da neutralidade tributária.

Contudo, a recuperação desses créditos requer cautela, planejamento e documentação robusta para mitigar riscos em futuras fiscalizações.

No Chambarelli Advogados, assessoramos empresas na revisão de suas operações logísticas e fiscais, avaliação de insumos creditáveis, análise de retificações e condução de processos administrativos de ressarcimento.

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No cenário do comércio internacional, as regras do jogo vêm sendo cada vez mais moldadas por interesses estratégicos, políticas protecionistas e medidas unilaterais por parte de países ou blocos econômicos. Em resposta, o Brasil acaba de regulamentar a Lei nº 15.122/2025, com a publicação do Decreto nº 12.551/2025, que inaugura um novo marco normativo para defesa da competitividade nacional frente a práticas comerciais consideradas injustas.

Trata-se de um passo significativo, que não apenas fortalece a capacidade de reação do Estado brasileiro, mas também inaugura uma arquitetura institucional estratégica para adoção de contramedidas comerciais, de investimento e relativas à propriedade intelectual, quando a soberania econômica do país for ameaçada por medidas unilaterais de parceiros comerciais.


O que prevê o novo Decreto?

O Decreto regulamenta um conjunto de medidas que poderão ser adotadas de forma provisória ou definitiva sempre que o Brasil for prejudicado por políticas externas que impactem negativamente sua competitividade. Tais medidas poderão atingir concessões tarifárias, fluxos de investimento, bem como obrigações relacionadas à propriedade intelectual, como licenças, patentes e marcas.

Dentre os instrumentos centrais, destacam-se:

  • A criação do Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, composto pelos Ministros da Indústria, Casa Civil, Fazenda e Relações Exteriores, responsável por analisar e decidir sobre a adoção de contramedidas provisórias;

  • A atuação articulada com a Camex, especialmente para proposição e deliberação de medidas definitivas;

  • A previsão de consulta pública e participação do setor privado, conferindo maior transparência e tecnicidade aos processos decisórios;

  • O protagonismo diplomático, com o Itamaraty conduzindo notificações e negociações com os países-alvo das contramedidas.


Por que essa norma é importante para o empresariado brasileiro?

O comércio internacional moderno é marcado por disputas técnicas e normativas. Países impõem restrições ambientais, sanitárias, industriais ou mesmo judiciais que, na prática, funcionam como barreiras não-tarifárias. Com o novo decreto, o Brasil passa a ter mecanismos jurídicos claros e institucionalizados para reagir a essas práticas, podendo:

  • Suspender benefícios comerciais anteriormente concedidos ao país que adotou medida lesiva;

  • Retaliar com barreiras ou encargos equivalentes, sempre de forma proporcional e fundamentada;

  • Suspender, se necessário, obrigações ligadas à propriedade intelectual, num claro recado de que o Brasil não aceitará passivamente distorções em seus mercados estratégicos.

Para os setores mais expostos à concorrência internacional, como o agro, o setor de manufaturas, tecnologia e farmacêutico, a norma representa uma camada adicional de proteção estratégica e abre espaço para maior diálogo entre Estado e iniciativa privada frente a cenários de guerra comercial.


O que muda na prática?

A partir da vigência do Decreto, o setor produtivo brasileiro pode pleitear, de forma mais célere e coordenada, a adoção de contramedidas sempre que práticas externas desequilibradas forem detectadas. A legitimidade para iniciar esse tipo de pleito é conferida tanto ao Comitê Interministerial quanto ao Comitê-Executivo de Gestão da Camex, mas o envolvimento da iniciativa privada é possível e bem-vindo.

Importante destacar que o rito permite a adoção de medidas provisórias imediatas, com tramitação paralela da sua consolidação definitiva. Isso dá agilidade ao processo, evitando que o país fique inerte diante de danos iminentes.


Considerações finais

O Decreto nº 12.551/2025 é, antes de tudo, um instrumento de soberania regulatória, que projeta o Brasil como um player consciente do seu papel no comércio global. Além disso, sinaliza ao setor produtivo e aos investidores que a defesa da competitividade nacional passará a ser feita com base em regras, técnica e coordenação interinstitucional.

Empresas que atuam com comércio exterior, propriedade intelectual e investimentos internacionais devem acompanhar de perto esse novo ambiente normativo e, se necessário, preparar suas teses e pleitos com base nos impactos concretos de medidas unilaterais impostas por terceiros.

O escritório Chambarelli Advogados está à disposição para auxiliar empresas e associações na análise de impactos, formulação de pleitos administrativos e estratégias jurídicas associadas à aplicação do Decreto e da Lei nº 15.122/2025.

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No contexto da alienação de bens do ativo imobilizado por pessoas jurídicas optantes pelo regime de lucro presumido, é comum surgirem dúvidas quanto à apuração do ganho de capital e à correta definição do valor contábil do bem. A legislação tributária, embora técnica, estabelece critérios objetivos que, se corretamente observados, evitam autuações e permitem uma apuração segura e juridicamente amparada.

O primeiro ponto a se compreender é que o ganho de capital nessas operações corresponde à diferença positiva entre o valor da alienação do bem e seu valor contábil. Essa regra é aplicável tanto para bens do ativo imobilizado quanto para investimentos e ativos intangíveis.

Para empresas no regime de lucro presumido, o valor contábil a ser considerado não é o valor histórico registrado originalmente na contabilidade, mas sim o custo de aquisição reduzido dos encargos de depreciação, amortização ou exaustão acumulada, conforme previsto no §10, III, do art. 39 da Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017 e no art. 595 do Decreto nº 9.580/2018.

Essa sistemática impõe, portanto, que a empresa, mesmo não estando obrigada à escrituração contábil completa no lucro presumido, mantenha algum controle sobre os encargos de depreciação aplicáveis aos bens alienados, uma vez que tais valores devem ser obrigatoriamente considerados na apuração do ganho de capital.

E quanto aos bens adquiridos antes de 1996?

Um ponto de especial relevância diz respeito à possibilidade de atualização monetária do custo de aquisição para bens adquiridos até 31 de dezembro de 1995. Nesse caso, admite-se a atualização até essa data, utilizando-se como base a UFIR vigente em 1º de janeiro de 1996, fixada em R$ 0,8287, conforme disposto no art. 17 da Lei nº 9.249/1995.

Após essa data, é vedada qualquer forma de correção monetária do custo de aquisição para efeitos fiscais. A atualização deve ser realizada conforme os critérios históricos de conversão de moedas (cruzado, cruzado novo, cruzeiro, real etc.), levando em consideração os fatores oficiais de conversão de cada período, como as OTNs, BTNs, FAPs e, finalmente, a UFIR.

A importância da regularidade contábil

Ainda que o lucro presumido dispense a escrituração contábil regular para fins de determinação do IRPJ, a apuração do ganho de capital exige a demonstração do custo histórico corrigido e dos encargos de depreciação. Empresas que não mantiveram esse controle ao longo do tempo enfrentam dificuldades na comprovação do valor contábil correto e podem ficar expostas a autuações caso adotem valores estimados sem base documental.

A jurisprudência administrativa reforça que a apuração do ganho de capital no lucro presumido não se confunde com a presunção de lucros, sendo um cálculo autônomo e que depende de critérios objetivos, inclusive com o reconhecimento expresso de que os encargos de depreciação, quando legalmente cabíveis, são de cômputo obrigatório.

Conclusão

Na venda de bens do ativo imobilizado por empresas do lucro presumido, é essencial observar:

  • Que o ganho de capital corresponde à diferença entre o valor da venda e o valor contábil do bem;

  • Que o valor contábil é igual ao custo de aquisição menos a depreciação acumulada;

  • Que, se o bem foi adquirido até 1995, é possível atualizá-lo monetariamente até 31/12/1995 com base na UFIR de 01/01/1996;

  • Que a ausência de escrituração não afasta a obrigação de comprovar os valores utilizados, sendo essencial preservar documentos e registros contábeis mínimos.

Essa sistemática reafirma a importância da gestão contábil estratégica, mesmo em regimes simplificados, como o lucro presumido. A alienação de ativos pode ser uma oportunidade legítima de geração de caixa para a empresa — desde que realizada com segurança tributária.

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A Resolução CVM nº 88, publicada em 27 de abril de 2022 e já consolidada com alterações pelas Resoluções CVM nº 158/2022 e nº 226/2025, inaugurou um novo capítulo na regulação do mercado de capitais brasileiro. Ao substituir a antiga Instrução CVM nº 588, o novo texto legal amplia significativamente as possibilidades de captação de recursos por startups e sociedades empresárias de pequeno porte, por meio do investimento coletivo – o chamado crowdfunding de investimento.

O avanço regulatório reflete a crescente maturidade do ecossistema de inovação no Brasil e visa equilibrar proteção ao investidor, acesso ao mercado e dinamismo na captação.


O que é o Crowdfunding de Investimento?

Segundo a própria Resolução CVM nº 88, crowdfunding de investimento é a captação de recursos por sociedades empresárias de pequeno porte, realizada com dispensa de registro, por meio de plataformas eletrônicas autorizadas pela CVM. O modelo permite a oferta pública de valores mobiliários a um número indeterminado de investidores, democratizando o acesso ao investimento em empresas emergentes e, ao mesmo tempo, descentralizando as fontes de financiamento empresarial.


Principais Inovações da Resolução CVM nº 88

1. Ampliação dos Limites de Captação

A nova regulamentação aumenta o teto para ofertas públicas isentas de registro para até R$ 15 milhões por ano, com prazo máximo de 180 dias para captação. Essa medida é um salto significativo em relação ao limite anterior de R$ 5 milhões, representando maior fôlego para startups em estágios mais avançados.

2. Flexibilização para Investidores Não Qualificados

O limite de investimento por investidor comum foi mantido em R$ 20 mil por ano, mas a nova regra permite a ampliação desse valor para até 10% da renda bruta anual ou do patrimônio financeiro, desde que o investidor possua mais de R$ 200 mil de renda ou patrimônio. A regra busca proteger os investidores, mas com uma margem de flexibilidade proporcional à sua capacidade econômica.

3. Regras Claras para Plataformas

A Resolução estabelece um robusto sistema de governança, diligência e deveres fiduciários para as plataformas de investimento participativo, que passam a operar como participantes centrais na estrutura do mercado. Para atuar, as plataformas devem estar registradas na CVM e cumprir requisitos tecnológicos, organizacionais e de compliance.


Quem Pode Captar: Sociedades Empresárias de Pequeno Porte

Para se qualificar, a empresa emissora deve ter receita bruta anual de até R$ 40 milhões. Quando controlada por outra pessoa jurídica ou fundo de investimento, o limite é de até R$ 80 milhões no consolidado.

Esse critério visa assegurar que o mecanismo continue sendo utilizado por empresas emergentes, em conformidade com sua proposta de democratização do acesso ao capital.


Proteção ao Investidor e Transparência

A Resolução CVM nº 88 introduz importantes mecanismos de proteção ao investidor, entre os quais se destacam:

  • Período de desistência de 5 dias úteis após a confirmação do investimento;

  • Exigência de termo de ciência de riscos;

  • Obrigação de disponibilização de informações essenciais, demonstrações financeiras e documentos societários antes do investimento;

  • Possibilidade de revogação do investimento em caso de alterações substanciais nas condições da oferta.

Essas medidas visam aumentar a simetria informacional, mitigar riscos e qualificar a tomada de decisão do investidor.


Mecanismo de Investidor Líder e Sindicatos

A Resolução também inova ao permitir a figura do investidor líder, com experiência comprovada, que pode organizar um sindicato de investimento participativo. Essa estrutura permite que investidores apoiadores acompanhem o líder, que assume papel relevante na análise da oportunidade e na interação com a empresa investida.


Transações Secundárias: Liquidez com Responsabilidade

A norma permite, com limitações, que as plataformas atuem como intermediadoras de transações secundárias dos valores mobiliários emitidos. Embora não se trate de um “mercado secundário regulado”, como bolsa ou balcão organizado, essa disposição representa um avanço rumo à liquidez dos investimentos, historicamente um gargalo do crowdfunding de investimento.


Conclusão: Regulação como Fomento e Segurança

A Resolução CVM nº 88 representa um marco regulatório moderno, alinhado com as práticas internacionais e com as demandas do ecossistema brasileiro de startups. Ao mesmo tempo em que reforça a proteção ao investidor, também fomenta o acesso ao capital empreendedor, reduzindo as barreiras de entrada no mercado de valores mobiliários.

Para empresas inovadoras, investidores e plataformas, compreender a Resolução é mais do que uma exigência regulatória: é um diferencial competitivo.

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Promoções comerciais — como sorteios, concursos e vale-brindes — são instrumentos poderosos de marketing. Quando bem estruturadas, aumentam vendas, ampliam o engajamento do consumidor e fortalecem a imagem institucional da marca. No entanto, muitas empresas negligenciam um fator crítico: a necessidade de autorização prévia e o cumprimento rigoroso da legislação específica.

Neste artigo, o time do Chambarelli Advogados explica, de forma prática e estratégica, como funcionam as promoções comerciais no Brasil, quais os riscos da não conformidade e como estruturar ações promocionais legalmente seguras, com base na Lei nº 5.768/1971, no Decreto nº 70.951/1972, e nas alterações promovidas pela Lei nº 14.790/2023.


2. O que são promoções comerciais e por que precisam de autorização legal

Promoções comerciais são estratégias publicitárias que envolvem distribuição gratuita de prêmios, com o objetivo de divulgar produtos ou serviços e ampliar o alcance de uma marca. Elas assumem três principais formatos:

  • Sorteios

  • Concursos

  • Vale-brindes

Para garantir transparência, segurança jurídica e coibir abusos — como operações disfarçadas de jogos de azar ou captação irregular de recursos — a legislação brasileira exige que tais promoções sejam autorizadas previamente pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), vinculada ao Ministério da Fazenda.


3. Tipos de Promoções Comerciais Autorizáveis

3.1. Distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda

Permitida apenas a pessoas jurídicas regulares, essa modalidade visa incentivar o consumo ou o uso de serviços por meio de:

  • Sorteios: vinculados aos resultados da Loteria Federal.

  • Concursos: com julgamento de mérito, como melhores frases ou fotos.

  • Vale-brindes: prêmios distribuídos de forma instantânea.

⚠️ Importante: é proibida a conversão dos prêmios em dinheiro, e o valor total deve ser proporcional à atividade econômica da empresa.


3.2. Sorteios por entidades filantrópicas

Organizações da sociedade civil também podem realizar sorteios para arrecadar recursos — desde que os prêmios tenham sido recebidos por doação e estejam claramente vinculados aos objetivos sociais da entidade.

Exemplo: uma ONG voltada à saúde pode sortear um carro doado, desde que os recursos se revertam à sua manutenção.


3.3. Captação antecipada de poupança popular

Aqui se enquadram promoções realizadas por empresas que vendem cotas ou direitos vinculados a bens ou serviços, como clubes, hotéis, centros de lazer, imóveis ou bens de consumo, com pagamento antecipado e promessa de entrega futura.

Essa modalidade, que se aproxima do conceito de consórcio, exige rígida regulação para evitar práticas abusivas.


4. Requisitos legais para a realização de promoções

Toda promoção comercial deve ser registrada no Sistema de Controle de Promoções Comerciais (SCPC). Para obter autorização, a empresa precisa comprovar:

  • Regularidade fiscal em âmbito federal, estadual e municipal

  • Idoneidade jurídica e financeira

  • Descrição detalhada da mecânica promocional

  • Relação de prêmios e cronograma da campanha

  • Observância da vedação à participação de menores de idade (exceto concursos culturais)

Dica jurídica: As promoções devem prever expressamente limites por CPF, o prazo para entrega dos prêmios e a caducidade após 180 dias, conforme art. 6º da Lei 5.768/71.


5. Sorteios culturais: é preciso pedir autorização?

Depende. Concursos exclusivamente culturais, artísticos, desportivos ou recreativos — que não exijam compra de produtos ou serviços — são isentos de autorização, desde que:

  • Não envolvam sorteio, álea ou pagamento

  • Tenham caráter inteiramente gratuito

  • Sejam desvinculados de ações promocionais da empresa

Atenção: muitas empresas utilizam o rótulo “cultural” para burlar a regulação. O risco é de multa de até 100% do valor dos prêmios prometidos, cassação da autorização e sanções administrativas.


6. Penalidades para promoções irregulares

A legislação é expressa ao prever punições severas àqueles que promovem sorteios ou concursos sem autorização ou em desconformidade com a lei, incluindo:

  • Multa de até 100% do valor dos prêmios

  • Cassação da autorização

  • Proibição de realizar promoções por até três anos

  • Responsabilidade solidária dos administradores da empresa

A reincidência agrava em dobro o valor da penalidade.


7. A importância da assessoria jurídica em promoções comerciais

A estruturação jurídica de promoções comerciais vai além do simples cadastro no SCPC. Ela exige interpretação estratégica da legislação, elaboração de regulamentos claros e, muitas vezes, mitigação de riscos tributários, consumeristas e reputacionais.

No contexto atual — em que a SPA fiscaliza ativamente promoções ilegais nas redes sociais, e a jurisprudência começa a evoluir sobre o tema — a assessoria de um escritório especializado é indispensável.


8. Conclusão: segurança jurídica como diferencial competitivo

Promoções comerciais bem estruturadas impulsionam vendas, criam conexão com o consumidor e agregam valor à marca. Mas, se feitas de forma irregular, podem gerar prejuízos severos e sanções irreversíveis.

O Chambarelli Advogados atua de forma consultiva e contenciosa para empresas que desejam operar com segurança nesse campo, oferecendo:

  • Estruturação jurídica de campanhas promocionais

  • Elaboração de regulamentos e termos de adesão

  • Cadastro no SCPC e acompanhamento junto à SPA

  • Defesa em processos administrativos e judiciais

  • Estratégias de conformidade para marketing e publicidade digital

Fale conosco e promova com segurança.