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Nos últimos anos, os Terminais de Vídeo Loteria (VLTs) deixaram de ser um tema restrito a operadores estatais e passaram a atrair a atenção de desenvolvedores, fabricantes e investidores. Mas ao contrário de outras modalidades de entretenimento eletrônico, o VLT é um produto altamente regulado, cuja comercialização depende de uma rede de autorizações e conformidades que variam de estado para estado no Brasil.

Este artigo explica, de forma prática e juridicamente fundamentada, o que um desenvolvedor precisa para vender máquinas VLT legalmente e como navegar pelo arcabouço normativo brasileiro.


1. O que são VLTs e como se diferenciam de caça-níqueis

Os VLTs (Video Lottery Terminals) são equipamentos eletrônicos de apostas conectados a um sistema central controlado pela loteria estatal. Seu funcionamento está associado a modalidades de loteria previstas na legislação federal, especialmente:

  • Loteria de prognóstico instantâneo — Lei Federal nº 13.756/2018;

  • Apostas de quota fixa e reorganização das loterias estaduais — Lei Federal nº 14.790/2023.

A principal diferença em relação a máquinas caça-níqueis ilegais está na certificação, auditoria e integração em tempo real com a loteria pública, o que garante rastreabilidade, combate à fraude e recolhimento de tributos.


2. Quem pode operar VLTs no Brasil

A exploração de VLTs é competência exclusiva das loterias estaduais ou de empresas privadas credenciadas/concessionárias por elas. Hoje, os estados com regulamentação ou operação em andamento são:

  • Já operando: Paraná, Paraíba, Maranhão;

  • Regulamentação em curso: Rio de Janeiro;

  • Em avaliação: Tocantins, São Paulo, Minas Gerais.

O desenvolvedor de jogos não pode simplesmente vender máquinas para qualquer estabelecimento — somente para operadores autorizados pela loteria estadual.


3. O que o desenvolvedor precisa para vender VLTs

O caminho varia conforme a atuação desejada: apenas fornecedor ou fornecedor e operador.

3.1. Fabricante / fornecedor

  • Certificação técnica — obrigatória por laboratório reconhecido internacionalmente (ex.: GLI, BMM Testlabs), garantindo aleatoriedade, segurança e conformidade.

  • Homologação estadual — aprovação do modelo e software pela loteria estadual (ex.: Lottopar no PR, Lotep na PB).

  • Registro de fornecedor — cadastro junto à loteria para autorização de fornecimento.

  • Contrato com operador licenciado — o cliente que comprará os VLTs deve ter concessão ou permissão de operação.

3.2. Fabricante + operador

  • Participar de processo licitatório ou chamamento público da loteria estadual.

  • Assinar contrato de outorga/concessão.

  • Integrar máquinas ao sistema central da loteria com relatórios em tempo real.

  • Recolher o percentual de receita bruta devido ao estado.


4. Autorizações e requisitos comuns

Ainda que cada estado tenha sua regulamentação, os requisitos recorrentes incluem:

  • Certificação de hardware e software por laboratório credenciado;

  • Homologação do equipamento pelo órgão regulador estadual;

  • Registro do fabricante como fornecedor credenciado;

  • Integração obrigatória ao sistema central da loteria;

  • Conformidade com as normas de segurança e prevenção à lavagem de dinheiro.


5. Marcos regulatórios estaduais relevantes

Estado Legislação Principal Regulamentação Complementar
Paraná Lei Federal nº 13.756/2018 Decreto Estadual nº 10.843/2022 (Lottopar)
Paraíba Lei Estadual nº 12.703/2023 Decreto Estadual nº 44.576/2023 (Lotep)
Maranhão Lei Estadual nº 11.389/2020 Decreto Estadual nº 36.453/2020 (Lotema)

6. Riscos de atuar sem autorização

A comercialização ou operação de VLTs fora do regime autorizado configura contravenção penal (art. 50 do Decreto-Lei nº 3.688/1941) e pode gerar responsabilidade civil e criminal, além de apreensão de equipamentos e perda do investimento.


7. Conclusão

Para entrar no mercado de VLTs no Brasil, o desenvolvedor deve compreender que o produto é, acima de tudo, um serviço público delegado, e que a venda está condicionada ao atendimento rigoroso de padrões técnicos, jurídicos e regulatórios.
O caminho envolve certificação, homologação e parcerias estratégicas com operadores licenciados.
Em um cenário de expansão das loterias estaduais, conhecer e cumprir essas exigências não é apenas uma obrigação legal — é o diferencial competitivo para garantir a longevidade do negócio.

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A governança corporativa deixou de ser um tema restrito a grandes corporações listadas em bolsa. Cada vez mais, empresas familiares — responsáveis por grande parte do PIB brasileiro — percebem que estruturar regras claras de gestão e sucessão é o caminho para garantir longevidade, profissionalização e preservação do patrimônio.

No entanto, implementar um sistema de governança em uma empresa familiar exige mais do que adotar “boas práticas” genéricas. É preciso compreender a dinâmica única desses negócios, onde os laços de sangue se misturam às decisões empresariais, e onde conflitos silenciosos podem custar mais caro do que qualquer crise de mercado.

O que é governança corporativa em empresas familiares?

A governança corporativa é o conjunto de regras, processos e estruturas que definem como a empresa é dirigida, monitorada e controlada. Em empresas familiares, esse sistema deve equilibrar três dimensões que se sobrepõem:

  1. Família – interesses, valores e expectativas dos membros.

  2. Propriedade – participação societária, direitos e deveres dos sócios.

  3. Gestão – operações do dia a dia, tomada de decisão e liderança executiva.

Esse modelo é frequentemente representado pelo “tripé da governança familiar” e é fundamental para separar papéis, evitar sobreposição de funções e reduzir riscos de conflitos.

Por que começar agora?

O que muitas empresas familiares não percebem é que a ausência de governança não gera apenas “problemas internos” — ela pode afetar diretamente valor de mercado, capacidade de obter crédito e atratividade para investidores ou parceiros estratégicos.

Casos comuns incluem:

  • Indefinição sobre quem decide e quem executa.

  • Entradas de herdeiros despreparados na gestão.

  • Falta de regras para distribuição de lucros ou reinvestimento.

  • Conflitos societários que travam decisões importantes.

Estruturar a governança antes que esses problemas apareçam é mais barato e menos traumático.

Por onde começar: 5 passos essenciais

  1. Mapeamento dos sócios e herdeiros
    Levantar quem são os atuais e futuros proprietários da empresa, com sua participação e envolvimento no negócio.

  2. Acordo de sócios (ou quotistas)
    Documento jurídico que define direitos, deveres, regras de saída, entrada de novos sócios e resolução de impasses.

  3. Definição de conselhos
    Criar um Conselho de Família para tratar dos assuntos da família empresária e um Conselho de Administração (mesmo que inicial) para orientar a gestão.

  4. Políticas internas claras
    Regras para contratação de familiares, remuneração, distribuição de dividendos e uso de bens e ativos da empresa.

  5. Planejamento sucessório estruturado
    Antecipar a transição de liderança, com preparo gradual do sucessor e, se necessário, contratação de gestores externos.

O papel do jurídico na governança corporativa

O advogado especializado em direito empresarial e societário é peça-chave para que a governança não seja apenas um “manual na gaveta”. É ele quem estrutura juridicamente os acordos, avalia riscos, garante conformidade regulatória e cria mecanismos para que as decisões estratégicas tenham segurança e eficácia.

No Chambarelli Advogados, aplicamos o método de Arquitetura Jurídica, desenhando a estrutura societária e as regras de governança de forma personalizada, alinhada ao modelo de negócios e à estratégia de longo prazo da empresa.

Conclusão

A governança corporativa em empresas familiares não é um luxo, é uma necessidade estratégica. Começar cedo é o que diferencia empresas que se perpetuam por gerações daquelas que se perdem em disputas internas.

Se a sua empresa familiar ainda não tem um modelo claro de governança, o momento de agir é agora.
Fale com nossa equipe e descubra como estruturar um sistema que proteja o negócio, preserve o patrimônio e fortaleça a relação entre sócios e família.

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A discussão sobre o alcance do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) tem exigido da Receita Federal sucessivos posicionamentos interpretativos — não apenas para delimitar quais atividades se enquadram no benefício, mas, sobretudo, para qualificar os elementos que compõem a base de cálculo da alíquota zero.

A Solução de Consulta COSIT nº 132/2025 enfrenta uma dessas zonas cinzentas: variações cambiais ativas derivadas de receitas operacionais. Ou, dito em termos práticos, a pergunta subjacente é simples: a valorização cambial de um contrato de serviço internacional pode ser considerada receita operacional, e, portanto, abarcada pelo Perse?

A resposta da Receita Federal foi direta — e negativa.

Receita operacional é uma coisa. Receita financeira, outra.

A consulente sustentava que, se a variação cambial decorre de um contrato cujo objeto é a atividade-fim da empresa, ela deveria ser tratada como extensão da própria receita operacional. Afinal, não há valorização cambial sem contrato, e não há contrato sem prestação de serviço. A premissa parece razoável. Mas o ponto de ruptura está no tratamento contábil e fiscal que o ordenamento confere às chamadas variações monetárias.

Desde a edição da Lei nº 9.718/98, há uma regra clara: variações cambiais são, por definição legal, classificadas como receitas ou despesas financeiras, ainda que derivem de direitos creditórios vinculados à operação.

A Instrução Normativa RFB nº 2.195/2024 foi ainda mais explícita: o inciso IV do §4º do art. 2º exclui do benefício do Perse todas as receitas financeiras e receitas e resultados não operacionais. Com isso, ainda que o contrato seja de prestação de serviço (atividade-fim), a valorização decorrente da oscilação cambial passa a ser irrelevante para a fruição do benefício — por força do critério classificatório legal.

O erro recorrente: confundir origem com natureza

O equívoco da consulente — e de muitos contribuintes — está em confundir a origem contratual da receita com sua natureza jurídica para fins fiscais. O que se questiona não é se a receita deriva de uma operação legítima, mas como ela é qualificada pelo sistema normativo vigente.

Se, para fins da Lei nº 9.718/98, do RIR/2018 e da própria IN RFB nº 2.195/24, as variações cambiais devem ser tratadas como receitas financeiras, então não há espaço para leitura ampliativa. E a consequência é evidente: ficam fora do Perse.

A Solução de Consulta também elimina outro argumento recorrente: o de que o lucro da exploração poderia incluir as variações cambiais, uma vez que o art. 407 do RIR/2018 menciona que tais valores devem ser considerados “na liquidação da correspondente operação”. Ocorre que esse artigo trata da base de cálculo do IRPJ em geral, não da base específica para fins de apuração do Perse — cuja estrutura é delimitada não apenas pelo Decreto, mas pelo texto específico da Lei nº 14.148/21 e suas instruções complementares.

Repercussão prática: impacto direto no setor de eventos e turismo

A resposta da Receita Federal tem impacto relevante para empresas que operam com contratos internacionais no setor de eventos e turismo. A depender do volume de receitas em moeda estrangeira, a variação cambial pode representar parcela significativa do resultado contábil.

A exclusão dessas receitas do cálculo do Perse reduz, de forma concreta, a base tributável beneficiada com alíquota zero, ainda que a empresa esteja integralmente dedicada às atividades incentivadas.

Isso exige um redimensionamento do planejamento fiscal — e, acima de tudo, uma atenção ainda mais rigorosa às práticas contábeis adotadas. Não basta operar dentro das atividades do Perse. É preciso garantir que a forma de contabilização respeite os critérios normativos vigentes.

Conclusão: limites normativos do Perse exigem cautela na apuração

A COSIT 132/2025 confirma a tendência da Receita Federal de adotar uma interpretação literal e restritiva do Perse. Ainda que isso contrarie a lógica econômica de alguns contribuintes, é essa a interpretação oficial com respaldo normativo — e válida até que o Judiciário diga o contrário.

Mais do que nunca, apurar corretamente a base beneficiada exige domínio técnico, atenção ao detalhe e alinhamento entre contabilidade, fiscal e jurídico. Não é tarefa para planilhas improvisadas nem para teses interpretativas isoladas.

A valorização cambial é legítima. Mas para o Perse, continua sendo receita financeira — e, portanto, não entra na conta do benefício.

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Poucos temas revelam com tamanha nitidez a complexidade da incidência do Imposto de Renda quanto a noções como “disponibilidade jurídica” e “prazo de pagamento”. A Solução de Consulta COSIT nº 130, publicada em 31 de julho de 2025, enfrenta um caso paradigmático: a alienação de imóvel por pessoa física, com parte do pagamento quitada via nota promissória pro soluto e sujeição parcial do preço a percentual futuro de vendas do empreendimento.

A Receita Federal, mais uma vez, reafirma um ponto que não pode ser ignorado por quem lida com reestruturações patrimoniais e transações imobiliárias de maior complexidade: ainda que o pagamento se projete no tempo, a emissão de títulos pro soluto implica reconhecimento do valor total da operação no momento da alienação.

O caso concreto: compra e venda, novação e cláusula de percentual sobre receita futura

A consulente, pessoa física, celebrou uma escritura de compra e venda de imóvel industrial. O pagamento foi estruturado em três partes: valor em espécie a título de sinal, valor pago à vista no ato da escritura e o saldo remanescente representado por nota promissória pro soluto. Posteriormente, firmou-se uma escritura de novação e confissão de dívida, pela qual a obrigação foi convertida em participação sobre 17,03% da receita líquida de vendas das futuras unidades do empreendimento a ser edificado.

Apesar de haver um valor mínimo assegurado, o pagamento era essencialmente variável, vinculado a resultados comerciais incertos — tese comumente tratada na doutrina como “preço indeterminado” ou “condição suspensiva”. A consulente sustentava que a tributação deveria ocorrer apenas conforme os pagamentos fossem realizados, conforme art. 117, I, do CTN.

A posição da Receita Federal: nota pro soluto rompe com a condição

O ponto central da análise da RFB recai sobre a natureza da nota promissória pro soluto. Diferentemente do título pro solvendo, que mantém vínculo com a obrigação subjacente e depende de adimplemento para caracterizar o pagamento, o título pro soluto extingue a obrigação originária e gera a chamada disponibilidade jurídica plena.

Ao reconhecer a nota como instrumento autônomo e desvinculado do contrato, a Receita entendeu que a alienação deve ser considerada como operação à vista para fins fiscais. Assim, mesmo que os valores venham a ser quitados em data futura, o fato gerador do Imposto de Renda incide integralmente na data da operação.

Impactos práticos: risco de autuação e armadilhas contratuais

A Solução de Consulta evidencia um risco frequentemente negligenciado em planejamentos mal conduzidos: a crença de que o simples escalonamento do pagamento autoriza o fracionamento da apuração do ganho de capital. Quando a operação for qualificada como à vista — em razão da emissão de título pro soluto — o contribuinte estará sujeito à tributação total no mês da alienação, ainda que o dinheiro efetivamente recebido seja incerto ou postergado.

Pior: a cláusula de participação sobre receita futura, se associada a um título pro soluto já emitido e aceito como pagamento, pode ser desconsiderada como condição suspensiva, pois a Receita a trata como elemento acessório, e não impeditivo do fato gerador.

Entre legalidade e planejamento: o papel da arquitetura contratual

O caso analisado pela COSIT demonstra, mais uma vez, que o resultado fiscal de uma operação decorre não apenas da intenção das partes, mas da forma jurídica escolhida para documentá-la. Ao aceitar nota promissória pro soluto, o contribuinte antecipa a ocorrência do fato gerador, ainda que deseje, contratualmente, vincular o pagamento à performance futura do adquirente.

Isso exige um olhar mais sofisticado sobre a modelagem contratual: cláusulas de condição suspensiva, dação em pagamento, pagamentos com base em receita futura e pactos de valor mínimo precisam estar cuidadosamente alinhados com os efeitos fiscais pretendidos — e com a jurisprudência administrativa e judicial vigente.

Conclusão: forma é conteúdo

A Solução de Consulta COSIT nº 130/2025 não inova, mas explicita uma fronteira fundamental do direito tributário contemporâneo: o formalismo negocial não é irrelevante. Ao contrário, ele define, muitas vezes, o momento e o montante do tributo devido.

Para operações complexas de alienação de bens, especialmente quando o pagamento envolve fórmulas híbridas e mecanismos contratuais sofisticados, a articulação entre forma jurídica e substância econômica deve ser meticulosamente planejada. Não se trata apenas de otimizar carga tributária — mas de evitar o risco de descompasso entre a realidade negocial e o enquadramento fiscal aplicado.

Como regra: se a nota for pro soluto, o imposto será pro imediato.

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Negociar a participação societária de uma empresa é um movimento estratégico — seja para entrar em um novo negócio, trazer um sócio capitalista, reorganizar o controle ou viabilizar uma saída planejada. No centro dessa operação está o contrato de compra e venda de quotas, um instrumento que, se mal redigido, pode colocar toda a operação em risco.

Neste guia, explicamos o funcionamento desse contrato com base em modelos reais usados em operações de M&A, para que você compreenda como estruturar uma transação segura, eficaz e juridicamente blindada.


O que é o contrato de compra e venda de quotas?

É o instrumento jurídico que formaliza a transferência de participação societária (quotas ou ações) de um sócio para outro. Ele define os termos da transação, como preço, forma de pagamento, obrigações pós-fechamento e declarações de garantia.

Em empresas limitadas (LTDA), falamos em quotas; em sociedades anônimas (S.A.), o termo correto é ações.


Cláusulas essenciais de um contrato de compra e venda de quotas

1. Identificação das partes

Nome, CPF/CNPJ, qualificação completa de comprador, vendedor e, quando necessário, da empresa cujas quotas estão sendo negociadas.

2. Objeto da transação

Clareza absoluta sobre:

  • Quantidade de quotas vendidas;

  • Percentual de participação;

  • Data de referência da transferência.

3. Preço e forma de pagamento

Definição do valor da transação e como ele será pago:

  • À vista ou parcelado;

  • Condições de depósito;

  • Consequências em caso de inadimplemento.

4. Declarações e garantias

Declarações prestadas pelas partes, como:

  • Regularidade da titularidade das quotas;

  • Ausência de ônus ou litígios;

  • Conformidade fiscal, trabalhista e ambiental da empresa.

Essas cláusulas são críticas para proteger o comprador de passivos ocultos.

5. Obrigações pós-fechamento

  • Realização de Assembleia para formalizar mudanças;

  • Entrega de documentos societários e contábeis;

  • Alterações no contrato social;

  • Eventual não concorrência ou consultoria de transição.

6. Condições resolutivas

Hipóteses em que o contrato pode ser automaticamente desfeito, como inadimplemento ou descumprimento de obrigações.


Atenção especial: cláusulas de earn-out e holdback

Em operações complexas, é comum que parte do preço seja retida ou condicionada ao desempenho futuro da empresa. Essas cláusulas precisam ser muito bem estruturadas para evitar litígios.


Acordo de opção de compra: uma etapa anterior

O contrato de opção de compra (como o anexo à Singu) permite que uma parte tenha o direito futuro de adquirir quotas, condicionada ao cumprimento de determinadas metas ou prazos (como vesting, permanência, performance etc.). Ele é amplamente usado em startups, empresas com investidores estratégicos e planos de incentivo a executivos.


Cuidado com riscos e litígios

A ausência de:

  • Due diligence adequada;

  • Definições claras de responsabilidade;

  • Pactos de sócios atualizados;

  • Instrumentos auxiliares (como acordo de confidencialidade, não competição, etc.)

pode comprometer o negócio e gerar disputas societárias ou fiscais.


Conclusão: contrato não é burocracia, é arquitetura

Tratar o contrato de compra e venda de quotas como simples formalidade é um erro comum — e caro. Ele deve ser encarado como protótipo jurídico da operação, antecipando riscos, delimitando responsabilidades e garantindo o alinhamento entre as partes.

Quando bem estruturado, o contrato não apenas viabiliza a transação, mas protege o valor da empresa e assegura a segurança jurídica para quem entra e para quem sai.

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No Brasil, é comum que o contrato seja visto como ponto de chegada.
Assina-se o documento, arquiva-se a via e, com sorte, alguém lembra da existência da cláusula no momento do conflito.

Mas nas empresas com alta performance jurídica, o contrato não é tratado como fim — e sim como ferramenta contínua de gestão, posicionamento e proteção.

Contrato, nessas empresas, é ativo estratégico.
E o que parece apenas uma mudança semântica esconde uma profunda transformação de cultura, governança e controle de riscos.

Contrato não é papel: é sistema

Em ambientes empresariais maduros, a lógica é clara:
O contrato é um espelho do modelo de negócio.
Ele traduz o risco, a governança, a margem, a estrutura e a expectativa de retorno.

Portanto, contratos não se resumem à assinatura. Eles desempenham quatro funções essenciais:

  1. Alocar riscos com precisão jurídica e inteligência comercial

  2. Reforçar a lógica econômica da operação

  3. Construir previsibilidade regulatória e operacional

  4. Servir como instrumento de compliance, governança e até valuation

As empresas que compreendem isso operam com mais segurança, menos litígio, mais margem — e maior atratividade perante investidores.

O que as empresas de alta performance contratual têm em comum

Empresas que tratam contratos como ativos estratégicos compartilham cinco características operacionais:

1. Mapeamento contratual ativo

Não basta saber o que foi assinado.
Essas empresas mantêm sistemas dinâmicos com:

  • Prazos, vigências e renovações mapeadas

  • Obrigações de performance monitoradas

  • Penalidades associadas ao não cumprimento identificadas

  • Contrapartidas e marcos contratuais organizados em dashboards

2. Papel ativo do jurídico na fase pré-contratual

O jurídico não entra para revisar “se está tudo certo”.
Ele entra antes, para construir a lógica da negociação.

Alinha riscos com a estratégia comercial.
Participa do desenho da operação.
Define padrões e limites mínimos de cláusulas de risco e responsabilidade.

3. Cláusulas construídas com linguagem de negócio

O contrato não é só para o advogado.
É para o gestor, para o financeiro, para o compliance, para o investidor.

Empresas de alta performance evitam o “juridiquês pelo juridiquês” e constroem contratos com lógica de negócio, cláusulas aplicáveis e modelos didáticos de governança.

4. Integração contratual com a inteligência de dados

O contrato deixa de ser um PDF isolado e passa a ser parte do fluxo de dados empresariais:

  • Sistemas que avisam sobre marcos e obrigações

  • Alertas de reajustes e índices econômicos

  • Vinculação com performance de entregas, bônus e metas

Essa integração reduz riscos e melhora performance contratual.

5. Auditoria contratual periódica

Contratos envelhecem.
Mudam leis, mudam práticas, mudam riscos, mudam contextos econômicos.

Empresas de alta maturidade jurídica mantêm ciclos de revisão contratual preventiva, para:

  • Atualizar cláusulas conforme a jurisprudência e legislação

  • Readequar riscos diante de novas realidades operacionais

  • Evitar litígios por desatualização contratual

Contrato como vantagem competitiva

Empresas que tratam contratos como ativos estratégicos têm uma vantagem invisível — mas poderosa:

Elas erram menos. Perdem menos. E protegem melhor suas margens.

Além disso, são vistas com bons olhos em auditorias, due diligences e rodadas de captação.
Não porque têm “todos os contratos assinados”.
Mas porque sabem o que assinaram, por que assinaram e como aquilo impacta o negócio.

Considerações finais

O contrato é o único documento capaz de alinhar jurídico, negócio, risco e resultado.

Tratá-lo como um arquivo morto é desperdiçar potencial estratégico.
Tratá-lo como ativo vivo é transformar o jurídico em área de performance.

Na Arquitetura Jurídica do Chambarelli Advogados, construímos estruturas contratuais que não apenas protegem — mas performam.

Se sua empresa ainda assina contratos apenas para “cumprir protocolo”, talvez esteja na hora de repensar o jogo.

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É comum que empresas familiares ou fundadores de negócios consolidados encarem a reestruturação societária e o planejamento sucessório como um mero processo de “organizar a casa”.

Criam-se holdings, distribuem-se cotas, elaboram-se testamentos e acordos de sócios com cláusulas de administração, usufruto e reversão.

Tudo certo.

Ou melhor: quase.

O problema é quando se confunde formalidade com estratégia, e se ignora que sucessão patrimonial, em essência, é um movimento de transferência de controle, reposicionamento institucional e preparação para novos ciclos empresariais.

Em outras palavras: é uma operação de M&A (fusões e aquisições) — ainda que entre pai e filho, ou entre irmãos.

A sucessão como transição de poder — e não apenas de patrimônio

Em qualquer ambiente corporativo, a troca de controle acionário implica uma mudança profunda na cultura, nos riscos e na governança da empresa.

Ainda que essa mudança ocorra dentro do mesmo núcleo familiar, os efeitos jurídicos e econômicos se assemelham, em muitos pontos, a uma aquisição por terceiros:

  • O novo controlador terá prerrogativas que antes não exercia;

  • O fundador precisa “desapegar” da centralização e preparar a estrutura de comando;

  • As decisões passam a refletir múltiplas visões, e não mais uma única cabeça.

Isso não é transmissão patrimonial. É reorganização societária com impacto estratégico.

E justamente por isso, exige a lógica, a cautela e o método de uma operação de M&A.

Os riscos de tratar sucessão como uma “mera” reorganização interna

Empresas que encaram a sucessão apenas como um rearranjo interno geralmente tropeçam em três armadilhas:

1. Subdimensionar riscos jurídicos e tributários

Estruturas mal desenhadas podem gerar:

  • Conflitos entre usufruto e voto;

  • Exposição patrimonial desnecessária de herdeiros;

  • Incidência de tributos evitáveis em doações ou reorganizações;

  • Simulação societária, com consequências fiscais severas.

2. Ignorar o impacto na governança

Ao transmitir cotas sem redefinir mecanismos de decisão, critérios de entrada/saída, regras de investimento ou cláusulas de resolução de conflitos, instala-se um caos institucional.

3. Não considerar o valuation nem o planejamento sucessório cruzado

Quando não há clareza sobre o valor da empresa, os ativos tangíveis e intangíveis e os fluxos esperados, corre-se o risco de:

  • Transferir patrimônio sem paridade;

  • Desbalancear o tratamento entre herdeiros;

  • Prejudicar eventuais processos de venda futura ou entrada de investidores.

O que uma abordagem de M&A traz para a sucessão

Ao tratar a sucessão como uma operação de M&A, você introduz no processo:

  • Due diligence completa, não apenas contábil, mas societária e jurídica;

  • Avaliação do negócio e de suas unidades geradoras de valor;

  • Definição clara de estrutura de controle, poderes, saídas e entradas;

  • Modelagem contratual voltada para o futuro, e não apenas para o inventário;

  • Governança preventiva, com regras claras antes do conflito surgir.

Ou seja, trata-se de substituir o improviso pela lógica.

E, principalmente, de encarar a empresa como uma organização viva, que precisa de continuidade, e não apenas de sucessão formal.

Considerações finais

O erro mais comum em planejamentos sucessórios é tratá-los como uma cerimônia jurídica: protocolo, firma reconhecida e pastinha de documentos.

Quando, na verdade, o que está em jogo é a continuidade de um legado, a preservação da rentabilidade, e a harmonia entre quem fica e quem entra.

Encarar essa transição com o rigor de uma operação de M&A é não apenas recomendável — é urgente.

Na Arquitetura Jurídica do Chambarelli Advogados, desenhamos projetos jurídicos estruturais que combinam sucessão, reestruturação, proteção patrimonial e eficiência tributária com lógica de negócio.

Porque herança se transmite com documentos.

Mas legado só se preserva com estratégia.

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O contrato social ou estatuto é a certidão de nascimento de uma empresa. Mas é no acordo de sócios que se revela sua verdadeira constituição genética.

Seja numa startup em rodada de investimento, seja numa empresa familiar de capital fechado, o acordo de sócios é o documento que organiza a convivência entre interesses distintos, preserva a lógica de governança e evita que conflitos se transformem em paralisia institucional.

Por isso, mais do que um instrumento formal, o acordo de sócios é uma ferramenta de inteligência jurídica aplicada à convivência societária. A seguir, destacamos as cláusulas que devem constar em qualquer estruturação séria — especialmente quando se busca proteção contra imprevistos, litígios ou eventos de liquidez.


1. Cláusula de vesting e cliff (especialmente em startups)

Startups costumam começar com o entusiasmo de fundadores e cofundadores, mas a realidade impõe curvas de engajamento diferentes. O vesting garante que a participação societária será adquirida ao longo do tempo, conforme marcos de dedicação ou performance.

Já o cliff é o período de carência inicial — se o sócio sair antes desse prazo, perde o direito à participação. Isso protege a startup de “fantasmas societários” que deixam o negócio precocemente, mas permanecem com cotas relevantes.


2. Direito de preferência, tag along e drag along

  • Preferência na venda: garante que sócios tenham o direito de adquirir cotas em caso de venda de outro sócio, evitando a entrada de terceiros indesejados.

  • Tag along: protege minoritários, obrigando o comprador da participação majoritária a estender a oferta aos demais sócios.

  • Drag along: assegura que, diante de uma proposta vantajosa para o conjunto, minoritários não bloqueiem a venda da empresa.

Essas cláusulas formam o “trípé de liquidez” em qualquer acordo moderno.


3. Cláusulas de saída e não concorrência

É comum o sócio sair e abrir um negócio semelhante, levando consigo equipe, clientes e know-how. Cláusulas de não concorrência, não aliciamento e confidencialidade são fundamentais para proteger o intangível da empresa.

Além disso, o acordo deve prever mecanismos claros de saída voluntária ou forçada, como:

  • Put e call options

  • Avaliação por múltiplos ou valuation justo

  • Prazo e condições para pagamento


4. Deliberações qualificadas e veto estratégico

Nem tudo pode ser decidido por maioria simples. Algumas decisões devem exigir quórum qualificado, como:

  • Venda da empresa

  • Aumento de capital

  • Alteração do objeto social

  • Mudança da sede

Empresas familiares, em especial, devem prever veto de herdeiros ou ramos familiares em questões estratégicas, protegendo a cultura e o propósito fundacional do negócio.


5. Cláusulas anti-empate e solução de conflitos

Empresas com 2 ou 4 sócios vivem o risco do empate decisório. É essencial prever:

  • Presidente rotativo com voto de desempate

  • Mediação ou arbitragem prévia

  • Shotgun clause: em casos de deadlock, um sócio pode fazer uma oferta e o outro deve aceitar ou comprar nas mesmas condições.

Isso evita judicialização e preserva o valor da empresa diante de conflitos internos.


6. Regras sucessórias e proteção patrimonial

No falecimento de um sócio, a entrada de herdeiros pode quebrar a lógica da sociedade. O acordo deve prever:

  • Proibição de transferência a terceiros sem aprovação dos sócios

  • Compra compulsória de quotas por holding familiar

  • Seguro societário para pagamento de indenização aos herdeiros

Em empresas familiares, esse ponto é crítico: sucessão mal organizada é uma das principais causas de falência na 2ª geração.


7. Cláusula de resolução por arbitragem

Tribunais arbitrais têm ganhado espaço por sua agilidade, sigilo e especialização. A cláusula compromissória de arbitragem deve:

  • Indicar a câmara arbitral

  • Determinar número de árbitros

  • Estabelecer regras procedimentais

Isso evita que disputas societárias sensíveis sejam decididas no Judiciário, onde o tempo e a imprevisibilidade custam caro.


Considerações finais

Um acordo de sócios malfeito não é apenas um risco jurídico — é um risco estratégico.

Em startups, isso pode significar a perda de controle no momento da captação. Em empresas familiares, pode gerar conflitos intergeracionais irreversíveis. Em ambos os casos, o custo da omissão é muito maior do que o da estruturação.

Na dúvida, o melhor momento de firmar um bom acordo de sócios é antes que ele seja necessário.

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A solidariedade entre cooperados, princípio que deveria garantir o funcionamento harmônico das cooperativas médicas, vem sendo tensionada nos últimos anos — especialmente após a consolidação da IN nº 20 da ANS, que permite o repasse de passivos da operadora aos médicos cooperados.

No caso da Unimed, essa lógica já se concretizou de forma direta: em algumas regionais, médicos tiveram valores descontados da produção individual para cobrir dívidas fiscais da operadora. O risco, que antes era difuso, tornou-se real e mensurável.

É nesse contexto que a holding patrimonial e o planejamento sucessório estruturado ganham relevância estratégica para médicos que atuam em regime de cooperativa.


IN 20 da ANS: a norma que mudou o jogo

A Instrução Normativa nº 20, editada pela ANS, estabelece regras contábeis para operadoras de plano de saúde. No caso das cooperativas médicas, ela permite que determinadas obrigações — especialmente de natureza fiscal — sejam registradas na “conta corrente com cooperados”, isto é, repassadas diretamente ao faturamento individual dos médicos.

Essa previsão, somada à lógica estatutária de corresponsabilidade nas cooperativas, abre espaço para que os cooperados arquem com dívidas tributárias mesmo sem participação em sua geração.

O exemplo da Unimed-Rio, onde médicos viram seus rendimentos impactados por passivos fiscais da operadora, mostra que o risco não é hipotético. É estrutural.


Blindagem patrimonial: o papel da holding para o médico cooperado

A holding patrimonial familiar é uma sociedade constituída para administrar bens, investimentos e participações. Para o médico cooperado, trata-se de uma ferramenta jurídica de separação entre pessoa física e patrimônio familiar.

Ao transferir imóveis, aplicações financeiras ou quotas de empresas para a holding, o profissional cria uma barreira jurídica eficaz contra execuções fiscais ou cíveis que venham a atingir sua pessoa física.

Se, por exemplo, um passivo da Unimed vier a ser lançado na “conta corrente do cooperado”, sem que ele tenha bens em seu CPF, a constrição judicial pode ser evitada — desde que a estrutura tenha sido criada com antecedência, sem fraude ou simulação.


Planejamento sucessório: antecipar é preservar

Além da blindagem, a holding permite organizar a sucessão patrimonial com economia, sigilo e eficiência. Através de quotas e contratos sociais, é possível:

  • Definir herdeiros com cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e reversão;

  • Evitar inventário judicial e a exposição pública dos bens;

  • Economizar com ITCMD, custas judiciais e honorários advocatícios;

  • Estabelecer regras de governança para a continuidade do patrimônio.

O médico pode, por exemplo, doar quotas da holding aos filhos, mas manter o usufruto vitalício sobre os imóveis. Ou ainda, prever que apenas descendentes diretos possam herdar as participações, evitando cônjuges ou terceiros.


Fatores críticos para médicos da Unimed

Médicos cooperados da Unimed lidam com um tripé de vulnerabilidades:

  1. Solidariedade estatutária (IN 20 e estatutos);

  2. Alta renda e acúmulo patrimonial sem blindagem;

  3. Sucessão familiar desorganizada e dependente de inventário judicial.

A criação de uma holding atua em todas essas frentes, oferecendo:

  • Segurança patrimonial contra o risco fiscal da cooperativa;

  • Separação clara entre a atividade médica e a gestão patrimonial;

  • Transição organizada do patrimônio, com previsibilidade e eficiência.


Considerações finais

A lógica da IN 20, quando aplicada sem limites claros, transforma o médico cooperado em garantidor de dívidas sobre as quais muitas vezes não teve ciência, controle ou influência.

Blindar o patrimônio via holding não é um privilégio. É uma medida de prudência jurídica. Ao mesmo tempo, antecipar a sucessão é uma forma de proteger a família de litígios, tributações excessivas e exposição pública.

A complexidade tributária e societária do sistema Unimed exige que o médico aja como empresário do seu próprio patrimônio. E o momento ideal para isso é antes do problema chegar.

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A contratação de profissionais como pessoas jurídicas — prática popularmente conhecida como pejotização — tornou-se uma estratégia recorrente nas organizações, motivada por fatores como desoneração da folha, maior flexibilidade contratual e simplificação na gestão trabalhista.

Contudo, o que se apresenta como alternativa racional de eficiência pode, se mal estruturado, expor a empresa a severos passivos trabalhistas, tributários e previdenciários. A linha que separa a prestação autônoma de serviços da dissimulação de vínculo empregatício é tênue — e tem sido interpretada com rigor crescente pela jurisprudência trabalhista e pela Receita Federal.

Pejotização: o que é e por que oferece riscos

Pejotização, em sentido técnico, é a prática de contratar um indivíduo como pessoa jurídica com o objetivo de mascarar uma relação de emprego. A manobra consiste em substituir o contrato celetista por um contrato de prestação de serviços via CNPJ, mantendo, na prática, todos os elementos caracterizadores da relação de emprego: subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade.

Quando configurado esse desvirtuamento, os tribunais do trabalho têm reconhecido o vínculo empregatício e determinado o pagamento retroativo de todas as verbas trabalhistas, além de multas e encargos previdenciários.

A jurisprudência mais recente, inclusive, tem sido severa com empresas que adotam a pejotização como prática padronizada — sobretudo nos setores de tecnologia, saúde, comunicação e serviços especializados.

A posição da Receita Federal: simulação e autuações fiscais

Além do risco trabalhista, a pejotização levanta suspeitas de simulação tributária. A Receita Federal, ao identificar que a PJ prestadora de serviços não possui estrutura física, empregados ou autonomia econômica, pode requalificar os pagamentos como remuneração disfarçada — sujeita à incidência de INSS, IRRF e, eventualmente, contribuições destinadas ao sistema S.

Nos casos em que há simulação de autonomia, mas na prática o profissional está integralmente subordinado à contratante, o risco é de autuação com aplicação de multa de ofício e cobrança retroativa de tributos não recolhidos.

O CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) já possui precedentes relevantes desconsiderando contratos de prestação de serviços firmados com PJ unipessoal, por entender que não havia risco empresarial nem autonomia negocial real.

Como evitar a caracterização de vínculo empregatício?

A solução jurídica não está em proibir a contratação via PJ — que é lícita —, mas em garantir que a relação reflita de fato uma prestação de serviços autônoma e empresarial.

Algumas precauções são indispensáveis:

  • Ausência de subordinação direta: o prestador PJ não deve se reportar a superiores hierárquicos, nem cumprir ordens funcionais típicas de empregado;

  • Liberdade de agenda e local de trabalho: o PJ deve ter flexibilidade para organizar seus horários e, sempre que possível, prestar o serviço fora das dependências da contratante;

  • Não exclusividade: é recomendável que o prestador possa atuar para outras empresas, reforçando seu caráter empresarial;

  • Autonomia técnica e operacional: o PJ deve utilizar seus próprios meios para executar o serviço, inclusive assumindo os riscos da atividade;

  • Remuneração por resultado ou projeto: evitar pagamentos mensais fixos que mimetizam salário;

  • Ausência de benefícios típicos de empregado: não oferecer ao PJ plano de saúde, vale-refeição, férias remuneradas, entre outros;

  • CNPJ regular e regime adequado: o prestador deve estar formalmente constituído, com CNAE compatível e regime tributário regular.

A importância do contrato bem estruturado

Um contrato de prestação de serviços entre empresas não é suficiente por si só para blindar a relação. A forma contratual não prevalece sobre a realidade dos fatos.

Ainda assim, o contrato é uma ferramenta essencial para organizar juridicamente a relação. Ele deve conter:

  • Cláusulas expressas de ausência de vínculo empregatício;

  • Definição clara do objeto do serviço e da autonomia técnica do prestador;

  • Regras sobre confidencialidade, propriedade intelectual e não concorrência, quando cabíveis;

  • Previsão de rescisão contratual, penalidades e jurisdição competente;

  • Documentação de suporte, como relatórios de entrega, notas fiscais, comprovação de recolhimento de tributos e renovação periódica.

Considerações finais: risco não se terceiriza

O uso de pessoas jurídicas na prestação de serviços é legítimo, desde que haja substância empresarial por trás da forma contratual. A ilusão de economia imediata, sem a devida estrutura jurídica e factual, pode gerar um passivo retroativo de alta magnitude.

Empresas que contratam via PJ precisam de modelos contratuais defensáveis, práticas de governança alinhadas à legislação e suporte jurídico preventivo. A informalidade é, cada vez mais, um mau negócio.