Posted by & filed under Private Clients & Wealth Management, Tributação Empresarial.

A Lei 15.265/2025 criou o REARP, permitindo atualizar imóveis e bens com IR reduzido e regularizar ativos não declarados no Brasil e no exterior, com remissão de créditos e efeitos penais relevantes. Entenda oportunidades, riscos e como planejar.


REARP: a nova janela para atualizar e regularizar patrimônio sob a Lei 15.265/2025

A Lei nº 15.265, de 21 de novembro de 2025, inaugurou um novo capítulo na relação entre Fisco e contribuintes ao instituir o Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial (REARP). Ao mesmo tempo em que abre uma janela para atualização de imóveis e bens registrados com alíquotas de Imposto de Renda substancialmente reduzidas, também cria um canal para regularização de ativos não declarados – no Brasil e no exterior –, com efeitos tributários e penais relevantes.

O REARP não vem sozinho: a mesma lei endurece regras de compensação tributária, altera a tributação de empréstimos de títulos e operações de hedge, e ajusta dispositivos previdenciários e setoriais. Mas, para empresários, famílias empresárias e pessoas físicas com patrimônio relevante, o ponto central é claro: tratar hoje o que, se permanecer na penumbra, tende a se tornar problema caro – e, em alguns casos, penal – amanhã.


1. O que é o REARP e qual é a lógica do regime?

O REARP é um regime especial, facultativo, com duas portas de entrada distintas:

  1. Atualização de bens já declarados (imóveis e bens móveis sujeitos a registro – veículos, embarcações, aeronaves), com alíquota reduzida;
  2. Regularização de bens e direitos não declarados, ou declarados com omissões ou incorreções em dados essenciais (incluindo ativos no exterior), com tributação concentrada e remissão de créditos tributários e efeitos penais.

A lógica econômica é semelhante à de programas anteriores (como RERCT e RERCT-Geral), combinando: arrecadação imediata, saneamento de bases cadastrais e fortalecimento da capacidade de fiscalização futura. Para o contribuinte, o trade-off é pagar agora, em condições especiais, para reduzir incerteza tributária e criminal em relação a fatos pretéritos.


2. Atualização de bens com alíquota reduzida

2.1. Pessoas físicas: 4% sobre a diferença entre custo e valor de mercado

Pessoas físicas residentes no Brasil podem atualizar o valor de:

  • imóveis (no Brasil ou no exterior); e
  • bens móveis automotores sujeitos a registro público (veículos, embarcações, aeronaves),

adquiridos até 31.12.2024, desde que já constem da Declaração de Ajuste Anual do IRPF.

O contribuinte informa o valor de mercado na data da opção. A diferença entre o valor atualizado e o custo de aquisição é tratada como acréscimo patrimonial e tributada à alíquota definitiva de 4% de IR – sem qualquer redução ou benefício adicional.

Hoje, uma venda de imóvel, em regra, está sujeita à tributação de ganho de capital entre 15% e 22,5%, conforme o valor do ganho. Com o REARP, é possível “pré-pagar” 4% sobre a diferença entre custo histórico e valor de mercado, redefinindo a base de custo para fins de futuras alienações.

Há um detalhe estrutural relevante: para fins da Lei 7.713/1988 e da Lei 11.196/2005, a data de aquisição passa a ser a data da opção, reabrindo a contagem para regras específicas de ganho de capital e eventuais incentivos vinculados ao tempo de permanência do ativo.

Em termos práticos, a conta que precisa ser feita é:

“Se eu for vender este imóvel em 2–5 anos, quanto pagaria de IR com a regra geral? Pagar 4% agora é mais barato do que pagar 15–22,5% depois, sobre uma base possivelmente ainda maior?”

É aqui que entra o papel de modelagem numérica e tributária – caso a caso.


2.2. Pessoas jurídicas: atualização de ativo imobilizado com IRPJ e CSLL totais de 8%

Pessoas jurídicas podem atualizar para o valor de mercado os bens (imóveis e bens móveis sujeitos a registro) constantes do ativo permanente do balanço de 31.12.2024. A diferença entre o custo contábil e o valor de mercado será tributada à alíquota definitiva de:

  • 4,8% de IRPJ; e
  • 3,2% de CSLL,

totalizando 8%.

A lei, porém, impede que essa diferença seja depreciada para fins fiscais – ou seja, não há benefício em termos de dedutibilidade futura. A atualização tem função principalmente de:

  • “limpar” balanços subavaliados;
  • alinhar demonstrações financeiras à realidade econômica;
  • preparar reorganizações societárias, cisões, incorporações e reorganizações patrimoniais;
  • viabilizar operações de M&A, entrada de investidor ou reorganização sucessória com valores mais próximos de mercado.

Para grupos societários, holdings patrimoniais e empresas com forte componente imobiliário, a decisão envolve confrontar o custo imediato (8%) com os efeitos futuros em reorganizações, alienações, distribuição de resultados e ITCMD na sucessão.


2.3. Condições, travas e migração da lei anterior

A lei estabelece algumas travas que funcionam como condições resolutivas do benefício:

  • Se o bem atualizado for alienado antes de 5 anos (imóvel) ou 2 anos (bem móvel) contados da adesão (exceto por causa mortis ou partilha de divórcio/união estável), os efeitos do REARP são desconsiderados.
  • Nesse cenário, o ganho de capital / lucro é recalculado como se não houvesse atualização, cobrando-se o IR/IRPJ/CSLL devidos, com atualização pela Selic, abatendo o que já tiver sido pago no REARP.

Além disso, a lei permite que contribuintes que aderiram à atualização de bens imobiliários pela Lei 14.973/2024 migrem para o novo regime, conforme regulamento da Receita Federal.

Em outras palavras: o REARP cria um “lock-up fiscal” mínimo. Utilizar o regime exige que o contribuinte esteja confortável em manter o ativo pelo prazo legal, sob pena de perder parte da vantagem econômica.


3. Regularização de bens e direitos não declarados (Brasil e exterior)

A segunda porta do REARP mira recursos, bens e direitos de origem lícita que não foram devidamente declarados (ou foram declarados com omissão ou incorreção em dados essenciais) até 31.12.2024.

3.1. Abrangência e carga tributária

O rol de bens e direitos é amplo e inclui, entre outros:

  • depósitos bancários, fundos de investimento, aplicações financeiras em geral;
  • operações de empréstimo com pessoas físicas ou jurídicas;
  • participações societárias (quotas, ações, participações em sociedades com ou sem personalidade jurídica);
  • ativos intangíveis: marcas, patentes, softwares, know-how, royalties;
  • criptoativos e demais ativos virtuais, conforme a Lei 14.478/2022;
  • imóveis e direitos sobre imóveis;
  • veículos, aeronaves, embarcações e outros bens sujeitos a registro;
  • bens que já não existam mais na data de corte, desde que comprovados por documentação idônea.

A carga tributária é estruturada da seguinte forma:

  • o montante dos ativos é considerado acréscimo patrimonial em 31.12.2024;
  • aplica-se IR sobre ganho de capital à alíquota única de 15% sobre esse montante;
  • sobre o valor do IR, incide multa de 100% (art. 11);

Na prática, a carga total é de 30% sobre o valor regularizado, reproduzindo a lógica de regimes anteriores de regularização, mas agora com recorte temporal em 31.12.2024 e integração à realidade mais recente de fiscalização (intercâmbio internacional de informações financeiras, criptoativos, etc.).


3.2. Efeitos tributários e penais

Ao optar pela regularização, entregar a declaração específica e pagar o IR + multa, o contribuinte obtém:

  • Remissão de créditos tributários diretamente relacionados aos bens e direitos regularizados, relativamente a fatos geradores até 31.12.2024 (com exceção de tributos retidos na fonte e não recolhidos).
  • Dispensa de acréscimos moratórios anteriores à adesão sobre o imposto devido.
  • Extinção da punibilidade em relação a crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/1990, art. 1º e art. 2º, I, II e V, e Lei 4.729/1965), desde que o pagamento integral ocorra antes de sentença penal condenatória transitada em julgado.
  • Suspensão da pretensão punitiva enquanto perdurar o parcelamento (até 36 meses), se este for requerido antes do recebimento da denúncia.

Por outro lado, a lei deixa claro que:

  • o contribuinte assume confissão irrevogável e irretratável dos débitos;
  • a adesão importa aceitação plena das condições legais;
  • informações prestadas com falsidade ou incompatíveis com documentação podem levar à exclusão do regime, com cobrança integral de tributos, multas e juros “cheios”, sem prejuízo de responsabilização penal e administrativa.

3.3. Quem não pode aderir e quais são os riscos?

Alguns limites importantes:

  • A lei não se aplica a quem já tenha sido condenado por crimes contra a ordem tributária listados no art. 13 (ainda que o objeto seja exatamente o bem que se pretende regularizar).
  • Contribuintes que apresentarem documentos falsos ou avaliações de ativos em desacordo com o valor de mercado podem ser excluídos e responder civil, administrativa e penalmente.
  • A origem dos recursos precisa ser lícita – ativos derivados de corrupção, tráfico, lavagem ligada a crimes antecedentes específicos, por exemplo, não são alcançados pelo benefício.

Além disso, há uma exigência probatória robusta: o contribuinte deve manter, por pelo menos cinco anos após eventual alienação futura, a documentação que comprova valor, origem e titularidade dos bens e direitos regularizados.


4. Prazos, pagamento e operacionalização

A adesão ao REARP – tanto para atualização quanto para regularização – deve ocorrer em até 90 dias corridos a partir da publicação da lei (21.11.2025). Na prática, isso coloca o prazo final em 19 de fevereiro de 2026, considerando a contagem contínua.

Alguns pontos objetivos:

  • A opção se dá mediante declaração específica à Receita Federal, em modelo e sistema que ainda serão disciplinados por ato infralegal.
  • O pagamento pode ser em quota única ou em até 36 quotas mensais e sucessivas.
  • Nenhuma quota pode ser inferior a R$ 1.000,00; valores totais de IR inferiores a R$ 2.000,00 devem ser pagos à vista.
  • A primeira quota é paga até o último dia útil do mês de apresentação da declaração; as demais sofrem acréscimo de juros equivalentes à taxa Selic.
  • A tributação é definitiva, sem direito à restituição de valores anteriormente pagos.

Em paralelo, os bens e direitos regularizados devem ser refletidos:

  • na DIRPF de 2024 (ou retificadora), para pessoas físicas;
  • na escrituração contábil societária do ano-calendário da adesão, para pessoas jurídicas.

5. Quando faz sentido aderir? Cenários práticos

A decisão de aderir ao REARP não é automática. Ela depende de diagnóstico minucioso, simulações e leitura estratégica do contexto patrimonial e sucessório. Alguns exemplos típicos:

5.1. Pessoas físicas com imóveis muito defasados

  • Imóvel adquirido há 20 anos por R$ 500 mil, hoje avaliado em R$ 3 milhões.
  • Atualizar pelo REARP implica tributar 4% sobre R$ 2,5 milhões = R$ 100 mil.
  • Sem REARP, uma venda futura poderia gerar IR entre 15% e 22,5% sobre o ganho de capital, potencialmente muito superior, sobretudo se o mercado continuar aquecido.

Para quem pretende vender nos próximos anos – e pode respeitar o “lock-up” de 5 anos – a atualização tende a ser economicamente vantajosa.

5.2. Holdings imobiliárias e empresas operacionais com ativo imobilizado

  • Empresas que utilizam imóveis operacionais ou patrimoniais subavaliados em balanço;
  • estruturas de “holding de controle” de famílias empresárias;
  • sociedades com planos de cisão, incorporação ou venda de ativos específicos.

A atualização a 8% pode:

  • facilitar reorganizações, trazendo os valores a patamares mais próximos de laudo de avaliação;
  • reduzir espaço para questionamentos de subavaliação no contexto de ITCMD, ITBI e preço de transferência em transações intragrupo;
  • melhorar a “foto” do patrimônio líquido para fins de covenants bancários e entrada de investidores.

Por outro lado, perde-se o benefício de depreciação fiscal da parcela atualizada, o que precisa ser mensurado.

5.3. Regularização de ativos no exterior, criptoativos e estruturas complexas

O REARP também é claramente direcionado a:

  • contas e investimentos no exterior mantidos fora do radar fiscal;
  • participações em offshores, trusts, fundações e estruturas fiduciárias em jurisdições diversas;
  • criptoativos mantidos em carteiras não declaradas, tanto em exchanges estrangeiras como em self-custody;
  • empréstimos entre partes relacionadas não corretamente refletidos em obrigações acessórias.

Aqui, a questão central é menos “pagar 30% é caro ou barato?” e mais “qual é o custo de não fazer nada em um ambiente de cooperação internacional, blockchain rastreável e intensificação do cruzamento de dados?”

Programas anteriores mostraram que a Receita tende a tratar a adesão como divisor de águas: quem se regulariza entra numa espécie de “anistia condicionada”; quem não se regulariza torna-se alvo natural das próximas fases de fiscalização.


6. Impactos colaterais: compensação, empréstimo de títulos e hedge

Ainda que o foco deste artigo seja o REARP, é importante registrar o contexto: a Lei 15.265/2025 também:

  • endurece as regras de compensação tributária (art. 74 da Lei 9.430/1996), vedando créditos oriundos de DARF inexistente e restringindo compensações de PIS/Cofins sem relação com a atividade da empresa;
  • reorganiza a tributação de empréstimos de títulos e valores mobiliários, ajustando a incidência de IRRF e a alocação de rendimentos e reembolsos entre emprestador e tomador;
  • redefine a forma de computar resultados de operações de hedge com contrapartes no exterior para fins de IRPJ e CSLL, vinculando o reconhecimento de prejuízos a operações a preços de mercado e registradas em entidades aptas a aferir consistência de preços.

Para grupos empresariais com operações financeiras sofisticadas, o pacote normativo exige revisão integrada: não basta olhar a janela de regularização patrimonial; é preciso reavaliar estratégias de compensação, estruturação de operações com derivativos e empréstimo de ativos financeiros.


7. Como o Chambarelli Advogados pode apoiar

O REARP é, ao mesmo tempo, uma oportunidade de saneamento patrimonial e um terreno de armadilhas jurídicas, tributárias e penais. A diferença entre capturar o benefício econômico e expor o contribuinte a novos riscos está na arquitetura jurídica da adesão.

No Chambarelli Advogados, nossa atuação envolve:

  • Diagnóstico patrimonial e societário: mapeamento de bens, direitos e estruturas (Brasil e exterior), identificação de ativos elegíveis e de passivos tributários e penais associados.
  • Simulações econômico-tributárias: comparação entre cenários com e sem REARP (curto, médio e longo prazo), inclusive sob a ótica sucessória e de reorganizações societárias.
  • Desenho de estratégia de adesão: definição de quais bens atualizar, quais regularizar, se há conveniência em migrar regimes anteriores, e como articular o REARP com outras medidas (planejamento sucessório, reorganizações internas, blindagem patrimonial lícita).
  • Suporte probatório e de compliance: orientação sobre documentação mínima, laudos de avaliação, comprovação de origem lícita e adequação das informações declaradas, mitigando o risco de exclusão do regime.
  • Coordenação com contabilidade e family office: alinhamento entre a declaração ao Fisco, escrituração contábil, demonstrações financeiras e governança corporativa.

Mais do que “aproveitar uma alíquota reduzida”, tratar o REARP como vetor de reorganização estrutural do patrimônio é o que separa um movimento emergencial de uma decisão de longo prazo.

Se você é empresário, gestor de patrimônio ou responsável por estruturas societárias complexas, este é o momento de olhar com lupa para o seu mapa patrimonial e decidir, com base em dados e estratégia, como atravessar essa nova fase da relação Fisco-contribuinte.

Posted by & filed under Private Clients & Wealth Management.

A doação de quotas costuma ser vista como uma estratégia essencial em planejamentos sucessórios e patrimoniais. Por reduzir conflitos, antecipar a vontade do titular e, em muitos casos, facilitar a organização de holdings familiares, ela se tornou prática comum no Brasil.

O que quase ninguém discute — e onde muitos incidem em erro — é que a doação pode, sim, gerar IRPF, mesmo sendo um ato gratuito. Em determinadas circunstâncias, o Fisco entende que há ganho de capital, antecipando tributação. E isso surpreende famílias, empresários e contadores.

Este artigo explica quando a doação de quotas aciona o gatilho da tributação, por que isso acontece e como evitar enquadramentos indevidos.


A regra geral: doação é gratuita, mas pode ter ganho de capital

O art. 23 da Lei nº 9.532/1997 estabelece que, quando uma pessoa física doa um bem ou direito por valor superior ao custo de aquisição, considera-se ocorrido ganho de capital, tributado pelo IRPF.

Ou seja:

Se a quota vale mais do que custou — e o doador atribui esse valor maior na doação — há tributação.

A essência é simples: qualquer valorização patrimonial materializada no ato da doação é considerada acréscimo patrimonial tributável.

Mas os problemas começam quando a doação, mesmo gratuita, não reflete o valor histórico, e o contribuinte — muitas vezes sem perceber — entrega ao Fisco um fato gerador antecipado.

A base de cálculo do ITCMD nas doações de quotas e como a operação pode ser ineficiente

Embora a doação de quotas seja amplamente utilizada em planejamentos patrimoniais, é essencial compreender que os Estados não utilizam o “valor nominal” das quotas como base de cálculo do ITCMD. Na prática, a grande maioria das Secretarias de Fazenda exige que o imposto seja calculado sobre o valor patrimonial real — o que significa:

a soma dos ativos da holding (especialmente imóveis) atualizados a valor de mercado.

Ou seja, mesmo que o contrato social apresente capital social baixo e quotas de valor irrisório, para fins de ITCMD o Fisco estadual não considera a cifra formal, mas sim o valor econômico dos bens que compõem o patrimônio da sociedade.

O que isso significa para holdings imobiliárias?

Se a holding detém imóveis adquiridos há muitos anos, com forte valorização, o ITCMD será calculado:

  • pelo valor de mercado dos imóveis;

  • refletido no patrimônio líquido justo da sociedade;

  • independentemente do custo histórico registrado na contabilidade ou no IRPF do titular.

Portanto, a doação de quotas não reduz automaticamente o ITCMD.
Em muitos casos, até aumenta, porque concentra imóveis de alto valor em uma única estrutura analisada pelo Fisco.


E quanto ao IRPF? A doação de quotas também pode gerar tributação

Além da ineficiência no ITCMD, a doação pode ainda gerar IRPF para o doador, caso a transferência:

  • seja declarada por valor superior ao custo de aquisição das quotas;

  • reflita valorização de imóveis dentro da holding;

  • decorra de reorganização que elevou artificialmente o valor patrimonial.

Nesse cenário, o Fisco entende que houve ganho de capital, ainda que a operação seja gratuita.
Ou seja: doação gratuita pode gerar imposto para quem doa.


Conclusão: doar quotas pode não trazer a economia que muitos imaginam

A prática comum de “criar holding + doar quotas” costuma ser vendida como solução automática de economia tributária.
Na realidade:

  • os Estados tributam pelo valor de mercado, e não pelo valor nominal das quotas;

  • a União pode tributar ganho de capital na doação;

  • a estrutura pode se tornar ineficiente tanto para ITCMD quanto para IRPF.

Por isso, a avaliação deve ser caso a caso, considerando:

  • valor real dos imóveis;

  • custo fiscal das quotas;

  • efeitos de futuras reorganizações;

  • propósito sucessório;

  • impactos de governança.

O planejamento sucessório não pode ser automático — e muito menos baseado na ilusão de que a simples doação de quotas é sempre mais econômica. Na maioria dos casos, não é.

O Chambarelli Advogados auxilia famílias e empresas a estruturar operações seguras, eficientes e sem risco de fato gerador antecipado — evitando custos fiscais inesperados e preservando o patrimônio ao longo das gerações.

Posted by & filed under Private Clients & Wealth Management.

A crescente busca por organização patrimonial, especialmente entre famílias empresárias e profissionais liberais com patrimônio relevante, trouxe dois conceitos que costumam aparecer juntos — mas que não são a mesma coisa: planejamento sucessório e planejamento tributário.

A confusão entre esses institutos tem gerado estruturas frágeis, reorganizações ineficientes e, não raramente, litígios internos. Em um cenário de mudanças normativas (ITCMD, IRPF sobre rendimentos no exterior, reforma tributária), entender a diferença deixou de ser sofisticação: tornou-se necessidade.

Este artigo explica onde cada planejamento atua, como se complementam e quais são os erros mais comuns — especialmente os que geram risco fiscal ou familiar.


1. O que é planejamento sucessório?

O planejamento sucessório trata da transmissão do patrimônio para a próxima geração da forma mais organizada, segura e eficiente possível. Seu foco é evitar conflitos, reduzir tempo e custos com inventário e garantir que a vontade do titular seja preservada.

Envolve temas como:

  • organização de quotas de empresas;

  • doações com reserva de usufruto;

  • criação de holding familiar;

  • definição de regras de governança entre herdeiros;

  • cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e reversão;

  • testamentos, codicilos e regimes de bens.

O objetivo não é reduzir tributos — embora possa gerar economia —, mas sim proteger patrimônio, família e empresas.


2. O que é planejamento tributário?

Já o planejamento tributário tem outro ponto de partida: minimizar a carga tributária dentro dos limites legais. Não lida com sucessão, mas com fluxo de renda, operações societárias, tributação do patrimônio e estratégias empresariais.

Trabalha com:

  • estruturação de holdings operacionais e patrimoniais;

  • reorganizações societárias (cisão, incorporação, transformação);

  • tributação de imóveis e ativos financeiros;

  • regimes tributários (lucro real, presumido, arbitrado);

  • operações internacionais (CFC, tributação de remessas, LLC);

  • mitigação de IRPJ, CSLL, PIS/Cofins e ITCMD.

Seu foco é eficiência fiscal, não a sucessão hereditária.


3. Onde as pessoas erram — e erram muito

A maior parte dos erros nasce de um equívoco: acreditar que holding familiar é sinônimo de economia tributária. Não é. Criar uma holding por motivos fiscais e chamá-la de planejamento sucessório gera estruturas frágeis e, muitas vezes, contraproducentes.

Erro 1 — Criar holding achando que economiza imposto automaticamente

Muitas famílias imaginam que a simples criação de uma holding reduz:

  • ITCMD

  • IR sobre venda de imóveis

  • tributação sobre dividendos

  • ganho de capital

Na maioria dos casos, não reduz. Holding não é milagre fiscal. Se mal feita, piora.

Erro 2 — Fazer doações de quotas sem pensar no controle futuro

Doar sem reservar usufruto, direitos políticos ou mecanismos de governança abre espaço para:

  • bloqueio de decisões da empresa;

  • herdeiros incapazes (ou conflituosos) assumirem o poder;

  • diluição de poder do patriarca/matriarca antes do ideal.

Sucessão é estratégia de longo prazo, não um ato isolado.

Erro 3 — Misturar intuito sucessório com operações artificiais

O Fisco está cada vez mais atento a planejamentos que, sob o rótulo de sucessórios, escondem:

  • reorganizações tributárias abusivas;

  • transferências artificiais de imóveis;

  • cisões com propósito meramente fiscal.

O resultado? Risco de:

  • glosa

  • autuação por simulação

  • DDL (distribuição disfarçada de lucros)

  • requalificação da operação

Erro 4 — Achar que pagamento de ITCMD pode ser adiado indefinidamente

Com estados elevando alíquotas e fechando brechas, deixar para depois pode custar caro. Quem faz sucessão “de última hora” perde a janela de reestruturação mais barata e segura.

Erro 5 — Não alinhar sucessão com governança e com a realidade da empresa

Sem acordo de sócios, regras claras de saída, liderança definida e mecanismos de solução de conflitos, a melhor estrutura patrimonial desmorona quando a família entra em desacordo.


4. Onde eles se encontram — e por que é um erro tratá-los como sinônimos

Apesar de diferentes, esses planejamentos se conversam. Uma estrutura eficiente normalmente contém:

  • mecanismos sucessórios (proteção + continuidade);

  • racionalidade fiscal (menos perdas + eficiência operacional).

Mas a ordem lógica é:

primeiro a estratégia sucessória, depois o modelo tributário.

Inverter essa ordem costuma gerar estruturas:

  • pesadas

  • inflexíveis

  • com risco de autuação

  • sem utilidade real para a família


5. Como fazer do jeito certo: alinhamento entre intenção e estrutura

O planejamento correto exige três pilares:

1. Propósito

Compreender o objetivo real da família: proteção, preservação, continuidade da empresa ou organização do patrimônio.

2. Governança

Regras claras para tomada de decisão, entrada, saída e sucessão de sócios. Sem isso, qualquer planejamento é incompleto.

3. Eficiência fiscal

Aí, sim, analisar ganhos tributários possíveis:

  • redução de ITCMD com antecipação

  • reorganização patrimonial para venda futura

  • segregação de atividades

  • escolha do regime societário

  • blindagem operacional


6. Conclusão — um diagnóstico honesto evita autuações e conflitos familiares

A diferença entre planejamento sucessório e tributário é simples:

  • um protege a família,

  • o outro protege o caixa.

Quando misturados sem critério, produzem estruturas inconsistentes que não resolvem nenhum dos dois problemas.

Um bom planejamento olha para pessoas, patrimônio, empresas, tributos e governança como partes de um sistema único — e não como documentos isolados.

O Chambarelli Advogados atua justamente nesse ponto de encontro entre estratégia societária, eficiência fiscal e proteção patrimonial, evitando erros que custam caro e entregando estruturas sólidas, sustentáveis e juridicamente coerentes.

Posted by & filed under Private Clients & Wealth Management, Tributação Empresarial.

A qualificação tributária da alienação de imóveis por pessoas jurídicas no lucro presumido tornou-se um dos temas mais recorrentes — e litigiosos — entre contribuintes e Receita Federal. A controvérsia gira em torno de uma pergunta aparentemente simples: a receita obtida com a venda deve ser tratada como receita bruta da atividade ou como ganho de capital? A resposta define a base de cálculo, os percentuais de presunção e, no limite, o próprio modelo de negócio.

No acórdão 1102-001.759, de 21/10/2025, o CARF voltou ao tema e ofereceu um recado importante ao mercado: alterar o objeto social às vésperas da operação, sem demonstrar efetiva atuação imobiliária, não basta para deslocar a tributação para o regime de receita bruta.

1. O caso: objeto social ampliado não salva operação isolada

No processo analisado, a empresa havia modificado o objeto social para incluir “compra e venda de imóveis” pouco antes da alienação do bem. A operação era única, isolada, e nenhum elemento adicional indicava que a sociedade, de fato, exercia atividade imobiliária.

O Conselho entendeu que:

  • a mera alteração formal do contrato social é insuficiente;

  • é necessário demonstrar substrato econômico que revele a compra e venda como parte da atividade da pessoa jurídica;

  • ausentes os elementos mínimos, aplica-se a regra geral: tributação como ganho de capital.

A conclusão preserva a coerência do sistema: se toda sociedade pudesse alterar o objeto social na véspera apenas para aplicar percentuais mais vantajosos do presumido, o modelo de presunção perderia seu sentido.

2. Habitualidade não é requisito absoluto — mas é indício qualificado

O ponto central do acórdão não é exigir habitualidade como condição necessária. O Conselho não afirma isso. O que ele faz é reconhecer que a habitualidade pode ser um indício forte de que há atividade imobiliária, especialmente quando se deseja afastar arranjos artificiais ou oportunistas.

Entretanto, o próprio CARF já reconheceu — repetidamente — que a ausência de múltiplas vendas não impede, por si só, o enquadramento como receita bruta quando o conjunto probatório aponta para atividade imobiliária efetiva.

Nesse sentido, decisões como:

  • Acórdão 1401-007.333 (21/11/2024)

  • Acórdão 1201-006.256 (21/02/2024)

  • Acórdão 9101-005.772 (09/09/2021)

  • Acórdão 9101-006.793 (07/11/2023)

e a Solução de Consulta COSIT nº 7/2021, que expressamente admitiu o tratamento como receita bruta na alienação de imóvel antes explorado por locação, reforçam essa visão.

A razão é simples: determinados modelos de exploração imobiliária têm ciclos longos, especialmente quando o imóvel é primeiro rentabilizado via aluguel para, posteriormente, ser vendido.

3. Quando a venda de imóvel pode ser receita bruta no lucro presumido?

A resposta passa por um único eixo: provar que a alienação integra o objeto econômico real da empresa.

Essa prova não se resume ao contrato social, mas engloba todo o “pacote” de elementos que revelam atividade empresarial. Entre os mais relevantes:

a) Coerência do objeto social com o comportamento real da empresa

Um contrato social que preveja a atividade, mas uma contabilidade que nunca registra movimentações imobiliárias, é inconsistente.

b) Atos preparatórios e documentos internos

Negociações prévias, estudos de viabilidade, aquisição com intenção de revenda e registros contábeis adequados favorecem o enquadramento como receita bruta.

c) Existência de carteira destinada à exploração imobiliária

Mesmo que pequena ou composta por poucos ativos, indica propósito negocial.

d) Vínculo econômico entre locação e alienação

Imóveis adquiridos para geração de renda e posteriormente vendidos — padrão natural em estruturas patrimoniais — podem caracterizar atividade imobiliária, ainda que com pouca rotação.

e) Contexto da operação

Se a venda se insere na lógica da empresa — e não é um evento isolado desconectado da sua atuação — o tratamento como receita bruta é justificável.

4. Consequência prática: o contribuinte deve provar sua lógica de negócios

O acórdão 1102-001.759 reafirma que o ônus probatório é do contribuinte. A discussão não será decidida pelo rótulo do contrato social, mas pelo comportamento econômico da pessoa jurídica.

Em termos práticos, isso significa que empresas com imóveis destinados à revenda, mesmo que eventual, devem organizar sua documentação desde a aquisição até a alienação, demonstrando:

  • intenção negocial;

  • coerência contábil;

  • racionalidade empresarial;

  • alinhamento entre objeto social e prática comercial.

A ausência de lastro probatório abre espaço para que a Receita Federal — e o CARF — qualifiquem a operação como ganho de capital, com impactos significativos de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.

5. Conclusão

A decisão do CARF é um alerta importante: o planejamento tributário imobiliário deve ser estruturado, documentado e alinhado com a realidade operacional da empresa. A alteração formal do objeto social, isolada, não basta para deslocar a tributação para os percentuais mais favoráveis do lucro presumido.

Por outro lado, o precedente não impede o reconhecimento de receita bruta quando houver lastro econômico, ainda que a venda seja eventual. O que se exige não é habitualidade, mas coerência empresarial.

O debate seguirá vivo — e estratégico — sobretudo para empresas patrimoniais, holdings familiares e sociedades com ativos de longo ciclo.

Posted by & filed under Tributação Empresarial.

A Receita Federal publicou, em 17 de novembro de 2025, a Solução de Consulta COSIT nº 235/2025, esclarecendo definitivamente uma dúvida prática que vinha gerando insegurança entre fornecedores e prestadores de serviços envolvidos em projetos incentivados pelo Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (REIDI): quem é obrigado a entregar a DIRBI quando há benefícios fiscais decorrentes desse regime?

A resposta, agora expressa e vinculante no âmbito administrativo, elimina ambiguidades e reorganiza o fluxo de cumprimento das obrigações acessórias relacionadas ao REIDI, especialmente no cruzamento entre a IN RFB nº 2.198/2024 (DIRBI) e a Lei nº 11.488/2007.


DIRBI: o que é e quem está no seu alcance?

A DIRBI (Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária), instituída pela IN RFB nº 2.198/2024, tornou-se uma das obrigações acessórias centrais do sistema de monitoramento fiscal de benefícios tributários.

De acordo com o art. 1º da norma:

A DIRBI deve ser apresentada pelas pessoas jurídicas que usufruem benefícios tributários constantes do Anexo Único da instrução normativa.

Entre esses benefícios, figura o REIDI, listado no item 03 do Anexo.

O objetivo da DIRBI é registrar, mensalmente, os valores de tributos que deixaram de ser recolhidos em razão da fruição de incentivos, renúncias e imunidades. Em outras palavras: quem usufrui o benefício deve declarar, e não quem apenas participa da operação.


O problema prático: fornecedores do REIDI são obrigados a entregar a DIRBI?

A dúvida analisada pela COSIT decorre de um ponto recorrente no mercado de infraestrutura:

Fornecedores que prestam serviços a empresas habilitadas ao REIDI emitem notas fiscais com suspensão de PIS e COFINS, nos termos da legislação. Por isso, muitos começaram a se perguntar se o simples fato de emitir documentos fiscais com suspensão — ainda que sem habilitação própria ao regime — os tornaria obrigados a apresentar a DIRBI.

Em síntese:
o fornecedor usufrui o benefício? Ou quem usufrui é apenas o habilitado?


A resposta da Receita Federal: o beneficiário é quem entrega. O fornecedor, não.

A Solução de Consulta COSIT 235/2025 é categórica:

Quem deve prestar informações na DIRBI é a própria empresa habilitada ou coabilitada ao REIDI, na qualidade de beneficiária do regime. Os fornecedores não estão obrigados.

A fundamentação da Receita se apoia em três premissas claras:


1. A DIRBI é declarada apenas por quem usufrui o benefício

O art. 6º da IN RFB nº 2.198/2024 define que devem ser informados os valores de tributos que “deixaram de ser recolhidos em razão dos benefícios usufruídos pela pessoa jurídica”.

No REIDI, a pessoa que usufrui o benefício é aquela formalmente habilitada.


2. A definição legal de beneficiário do REIDI está no art. 2º da Lei nº 11.488/2007

A lei é taxativa:

“É beneficiária do REIDI a pessoa jurídica que tenha projeto aprovado para implantação de obras de infraestrutura.”

Fornecedores não têm projeto aprovado.
Fornecedores não são beneficiários.
Logo, fornecedores não têm DIRBI a declarar.


3. A própria Receita Federal já havia reforçado isso nas Perguntas Frequentes

A COSIT transcreve literalmente o FAQ oficial da Receita:

“A DIRBI deve ser declarada exclusivamente pelos contribuintes habilitados ao regime. No caso do REIDI, quem declara é o habilitado ou coabilitado — e não os seus fornecedores.”

Ou seja: a posição não é nova. Agora, é formal, vinculante e amplamente divulgada.


Por que os fornecedores emitem nota com suspensão, mas não declaram?

A suspensão de PIS e COFINS nas notas emitidas pelo fornecedor não significa que ele seja beneficiário.

A suspensão decorre da lógica do regime:

  • o REIDI concede benefício à empresa habilitada, reduzindo o custo total da obra;

  • para viabilizar isso, a legislação determina que o fornecedor suspenda a cobrança, mas não transfere a ele a condição de beneficiário;

  • o fornecedor apenas cumpre a regra de faturamento — sem vantagem tributária própria.

A vantagem é do habilitado.
A obrigação acessória é do habilitado.
A DIRBI é do habilitado.


Impactos práticos para o mercado de infraestrutura

A COSIT 235/2025 impede que fornecedores sejam indevidamente onerados com uma obrigação acessória que não lhes pertence. Entre os efeitos imediatos estão:

  • redução de risco de autuação por entrega equivocada ou omissão indevida;

  • clareza na segregação de responsabilidades entre empreiteiras, subcontratadas e empresas aptas ao regime;

  • alinhamento com sistemas de compliance tributário e com o cruzamento automático da DIRBI com notas fiscais emitidas.

Para as empresas habilitadas ao REIDI, porém, cresce a necessidade de governança documental, já que toda a suspensão registrada pelos fornecedores deverá ser refletida na DIRBI do próprio beneficiário.


Conclusão: obrigação acessória tem titularidade — e a COSIT 235/2025 deixou isso explícito

A Receita Federal encerra qualquer dúvida:

No REIDI, apenas a pessoa jurídica habilitada ou coabilitada é considerada beneficiária do regime.
A DIRBI deve ser entregue exclusivamente por ela.
Fornecedores estão fora do alcance da obrigação.

A definição é tecnicamente coerente, reforça a literalidade da legislação e impede a expansão indevida de obrigações acessórias para agentes que não usufruem efetivamente do benefício fiscal. Para o setor de infraestrutura — marcado por longas cadeias de contratação — a clareza normativa reduz risco, melhora previsibilidade e fortalece o ambiente de conformidade tributária.

Posted by & filed under Private Clients & Wealth Management, Tributação Empresarial.

A Receita Federal publicou, em 17 de novembro de 2025, a Solução de Consulta COSIT nº 236/2025, consolidando uma interpretação decisiva para pessoas físicas que vendem imóvel residencial e utilizam o produto da venda para quitar cotas de multipropriedade. O entendimento afasta, de forma expressa, a aplicação da isenção do art. 39 da Lei nº 11.196/2005 (Lei do Bem) nesses casos, reforçando uma leitura estrita da norma isentiva e redefinindo a fronteira entre “imóvel residencial” e “direito de uso periódico”.

Com impacto direto em transações cada vez mais frequentes — sobretudo em destinos turísticos com forte exploração de fractional ownership — a Receita delimita o que efetivamente constitui “aquisição de imóvel residencial” para fins de isenção de ganho de capital.


A lógica da isenção do art. 39 da Lei nº 11.196/2005

O benefício fiscal já é conhecido:
A pessoa física que vende um imóvel residencial e aplica o produto da venda, em até 180 dias, na aquisição de outro imóvel residencial, pode usufruir da isenção do IRPF sobre o ganho de capital.

Desde 2022, com o Parecer SEI nº 15069/2022/ME, essa abrangência foi ampliada, permitindo que a isenção também cubra:

  • quitação de financiamento de imóvel já possuído;

  • aquisição de imóvel em construção ou na planta;

  • amortização de débito remanescente junto ao alienante.

A razão teleológica adotada pelo STJ — e incorporada pelo Parecer — é clara: viabilizar a mobilidade familiar, permitindo que o contribuinte compre o segundo imóvel antes de vender o primeiro, preservando a finalidade habitacional da norma.


A pergunta que gerou a Solução de Consulta nº 236/2025

O caso concreto é típico dos novos produtos imobiliários:
O contribuinte vendeu seu imóvel e desejava utilizar os recursos para quitar financiamento de cota de multipropriedade — modalidade prevista nos arts. 1.358-B a 1.358-F do Código Civil, pela qual o adquirente compra frações de tempo de uso de um imóvel, e não a integralidade da unidade.

A dúvida:
Pode a isenção ser aplicada quando o destino dos recursos é a quitação de cota de multipropriedade?


A resposta da Receita Federal: NÃO

A COSIT 236/2025 foi taxativa.

Cota de multipropriedade NÃO é imóvel residencial para fins de aplicação da isenção do art. 39 da Lei do Bem.

A conclusão se sustenta em três pilares jurídicos centrais:


1. A leitura literal das normas isentivas (art. 111, II, do CTN)

A Receita reforça que qualquer benefício fiscal deve ser interpretado literalmente.
O art. 39 fala em “aquisição de imóveis residenciais”, não de direitos de uso rotativo.

A multipropriedade concede ao titular uso temporário, e não posse plena do imóvel.


2. Multipropriedade ≠ aquisição de imóvel

Nos termos do art. 1.358-C do Código Civil:

  • o imóvel é indivisível;

  • o multiproprietário compra uma fração de tempo;

  • há direito de uso, não aquisição da unidade.

Logo, a Receita entendeu que a multipropriedade é mais próxima de um direito real limitado do que de uma aquisição imobiliária tradicional.


3. A finalidade habitacional da norma isentiva não é atendida

A COSIT retoma a ratio decidendi do STJ:
A isenção existe para permitir que famílias adquiram nova moradia enquanto residem na atual.

Mas a multipropriedade, por natureza:

  • destina-se ao uso esporádico;

  • serve a lazer, não a moradia habitual;

  • não atende à função social que fundamenta a isenção.

Portanto, o benefício não se estende às frações de uso.


E se o financiamento da multipropriedade tiver sido feito diretamente com o vendedor?

A Receita também respondeu a esse ponto:
É irrelevante.
Mesmo se o financiamento for direto com o alienante, isso não altera o enquadramento jurídico da multipropriedade — e, portanto, não habilita a isenção.


Impactos práticos: onde o contribuinte erra?

A Solução de Consulta fecha a porta para uma tese que muitos contribuintes vinham adotando:
Aplicar a isenção do art. 39 para quitar cotas de multipropriedade por analogia, sob o argumento de que se trata de “imóvel residencial”.

Com a posição da COSIT:

  • qualquer ganho de capital decorrente da venda do imóvel residencial deve ser tributado;

  • a alíquota progressiva de 15% a 22,5% se aplica normalmente;

  • operações estruturadas para aquisição de multipropriedade deixam de ser elegíveis ao benefício.

Empreendimentos imobiliários turísticos que utilizam estrutura de multipropriedade também passam a demandar maior atenção contratual e tributária, pois ofertas comerciais podem induzir contribuintes a erro ao sugerir “benefícios fiscais inexistentes”.


Conclusão: o limite está traçado

A Receita Federal definiu com precisão:

Cota de multipropriedade não é imóvel residencial.
Logo, não gera isenção do IRPF sobre ganho de capital na venda do imóvel anterior.

A Solução de Consulta COSIT nº 236/2025 encerra o debate no âmbito administrativo, impondo aos contribuintes e ao mercado imobiliário a necessidade de readequar estratégias, especialmente em operações envolvendo frações de uso turístico.

Posted by & filed under Private Clients & Wealth Management, Tributação Empresarial.

Entenda, à luz de recente acórdão do CARF, quando a alienação de imóveis por holding no lucro presumido deve ser tributada como receita operacional ou como ganho de capital — e por que a reclassificação contábil não muda o fato gerador.


A tributação da venda de imóveis por holdings patrimoniais no regime do lucro presumido voltou ao centro do debate com o acórdão nº 1102-001.742, julgado em 29/9/2025 pelo CARF. O caso envolve uma discussão recorrente: a alienação de um imóvel pode ser tratada como receita operacional apenas pela inclusão da atividade imobiliária no contrato social ou por sua reclassificação contábil?

A resposta do Conselho foi negativa — e com fundamentos que merecem atenção de qualquer estrutura patrimonial que pretenda vender ativos imobiliários.


O ponto central: natureza do fato gerador não muda por ato contábil

No caso analisado, a sociedade, optante pelo lucro presumido, realizou duas movimentações antes de vender seus imóveis:

  1. Alterou o contrato social, inserindo atividade de compra e venda de imóveis;

  2. Reclassificou os imóveis do ativo não circulante (investimentos/patrimonial) para o ativo circulante (estoques).

Com isso, tratou a alienação como se fosse parte de uma atividade operacional imobiliária, aplicando os percentuais de presunção de 8% (IRPJ) e 12% (CSLL), próprios de empresas que exploram compra e venda de imóveis.

A fiscalização discordou — e o CARF confirmou o entendimento fiscal:
a forma contábil não tem o poder de alterar a substância econômica do fato gerador.

Por que isso importa?

Porque o regime do lucro presumido só admite o tratamento de “receita operacional imobiliária” quando há comprovação real de que a atividade de compra e venda de imóveis é exercida de maneira efetiva pela empresa — e não apenas prevista “no papel”.


O que pesou para o CARF manter a autuação

O Conselho observou que:

  • os imóveis estavam na empresa há anos, integrando o patrimônio;

  • eram usados pelos próprios sócios ou alugados a terceiros;

  • não havia histórico de aquisição de imóveis para revenda;

  • a alteração contratual e a reclassificação ocorreram às vésperas da venda.

Com base nisso, concluiu que os bens não foram adquiridos para comercialização, mas para uso e preservação patrimonial. Consequentemente, o resultado da venda deveria ser reconhecido como ganho de capital, tributado conforme as regras específicas, e não como receita operacional presumida.


A mensagem do CARF: atividade operacional exige substância

O acórdão reforça um entendimento já amadurecido no CARF:
não basta reclassificar, alterar contrato social ou adicionar CNAE para transformar patrimônio em estoque.

Para que a venda de imóvel seja considerada receita da atividade imobiliária, é necessário:

  • Compatibilidade histórica: aquisições voltadas para revenda;

  • Regularidade mínima: atos que demonstrem prática comercial, mesmo que a frequência seja baixa;

  • Coerência documental: registros, propostas, contratos, financiamentos e estrutura operacional que evidenciem atividade imobiliária;

  • Previsão contratual: a atividade deve constar no contrato social, mas isso não é suficiente por si só.


E as holdings patrimoniais? A venda é sempre ganho de capital?

Não. O acórdão deixa claro um ponto essencial:
a venda de imóvel por holding patrimonial é legítima e não precisa ocorrer com frequência para caracterizar receita operacional.

Uma holding pode, sim, comprar e vender imóveis como atividade empresarial. Entretanto, deve haver prova concreta de que essa é uma atividade verdadeira, e não apenas um artifício documental para reduzir carga tributária.

Em outras palavras:

A previsão no contrato social é condição necessária, mas não é condição suficiente.


Conclusão: substância econômica prevalece sobre a forma

A decisão reafirma o princípio da primazia da realidade no âmbito tributário. Para empresas no lucro presumido, especialmente holdings, o recado é claro:

  • Reclassificações contábeis isoladas não alteram a natureza da tributação;

  • A inclusão tardia da atividade no contrato social não converte patrimônio em estoque;

  • A Receita e o CARF avaliam a realidade econômica, e não apenas a formalidade.

A análise prévia de cada operação — estrutura societária, histórico do ativo, finalidade da aquisição e documentação que comprova substância — é o que determina o tratamento tributário adequado.

Esse acórdão não cria uma regra nova. Apenas reforça que tributação e contabilidade precisam estar alinhadas à realidade empresarial, especialmente quando o tema envolve imóveis dentro de estruturas patrimoniais.

Posted by & filed under Tributação Empresarial.

O nosso sócio Guilherme Chambarelli publicou o artigo “Créditos de PIS/Cofins sobre investimentos em IA: a última grande discussão?” no portal JOTA.


Em poucos anos, a inteligência artificial deixou de ser promessa para se tornar infraestrutura. Plataformas digitais, fintechs, healthtechs, marketplaces e uma gama crescente de startups reorganizaram sua operação em torno de modelos algorítmicos, pipelines de dados e sistemas de automação que atravessam toda a cadeia de valor: da concepção do produto à relação com o cliente. Em muitos casos, não há negócio sem IA.

Ao mesmo tempo, o sistema tributário caminha para uma mudança estrutural. A reforma do consumo tornou real a substituição paulatina do PIS e da COFINS por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em regime de transição que se estende até a próxima década. O modelo que vigorou por mais de vinte anos – com sua conhecida litigiosidade em torno do conceito de insumo – passa a ter data de validade.

É nesse encontro entre fim de ciclo e reconfiguração tecnológica que surge uma questão que pode ser a última grande controvérsia interpretativa do PIS/COFINS: até que ponto gastos com inteligência artificial podem ser considerados insumos, aptos a gerar créditos no regime não cumulativo?

Do conceito de insumo ao novo ambiente digital

A jurisprudência consolidada do STJ, a partir do REsp 1.221.170, deslocou o eixo da discussão sobre insumos da rigidez literal para um critério funcional, pautado pela essencialidade e pela relevância do bem ou serviço no processo produtivo ou na prestação do serviço.

Em síntese, são insumos: (i) os bens e serviços sem os quais a atividade não se realiza ou (ii) aqueles cuja ausência compromete de forma significativa a qualidade, a viabilidade ou a regularidade do produto ou serviço oferecido.

Essa definição, construída para resolver impasses concretos em setores como indústria, agronegócio e serviços tradicionais, agora se vê desafiada por uma realidade diferente. Em empresas de base tecnológica, o “processo produtivo” já não é, necessariamente, uma linha de montagem física, mas um conjunto de operações de captura, tratamento e exploração de dados, muitas vezes em tempo real.

No ambiente digital, a inteligência artificial pode ocupar lugares distintos: (i) como núcleo do produto (por exemplo, uma plataforma cujo serviço vendido é o próprio modelo preditivo ou o motor de recomendação); (ii) como infraestrutura indispensável de operação (sistemas de IA que viabilizam análise de risco, antifraude, atendimento automatizado em grande escala ou personalização de ofertas); (iii) como camada estratégica de dados, sem a qual não há como extrair valor econômico do volume de informações disponíveis. Nessas situações, é legítimo discutir se o investimento em IA deve ser considerado insumo.

Quando a IA deixa de ser diferencial e se torna insumo

Em grande parte do ecossistema de tecnologia, a retórica de que “IA é diferencial competitivo” já ficou para trás. Alguns exemplos são claros: (i) fintechs, em que a avaliação de risco, a detecção de fraude e o compliance automatizado dependem de modelos de machine learning; (ii) healthtechs, que usam algoritmos para apoiar diagnósticos, priorizar filas, sugerir condutas ou monitorar pacientes; (iii) SaaS de análise de dados, em que o valor percebido pelo cliente está diretamente ligado à capacidade do sistema de gerar insights automatizados; e (iv) marketplaces e plataformas de conteúdo, cuja experiência do usuário é totalmente mediada por motores de recomendação.

Nesses casos, modelos, APIs, licenças de uso de plataformas de IA, custos de treinamento de modelos proprietários, infraestrutura contratada especificamente para processamento algorítmico e serviços especializados de ajuste e monitoramento deixam de ser gastos periféricos, à medida em que integram o custo de produção do serviço ou a formação do bem digital oferecido ao mercado.

Se a essência da noção de insumo é a relação de necessidade funcional entre o gasto e o resultado econômico produzido, é difícil negar que, nessas situações, a inteligência artificial se acomoda com naturalidade na moldura de essencialidade e relevância.

O regime de PIS/COFINS diante da IA: velhos conceitos, novos fatos

O regime não cumulativo do PIS/COFINS foi pensado para um ambiente produtivo marcado por cadeias lineares de produção de bens e prestação de serviços. Com o avanço da economia digital, setores inteiros passaram a gerar valor em processos intangíveis, baseados em dados, algoritmos e suporte em nuvem. A própria noção de “produto” tornou-se fluida: muitas vezes, o que se vende é o acesso contínuo a uma funcionalidade que depende da operação permanente de sistemas de IA.

Nesse contexto, a insistência em restringir insumos a gastos fisicamente tangíveis – ou a serviços com aparência de etapa clássica de produção – resulta em um descompasso entre o fato econômico e a tributação. O risco é que o regime não cumulativo, concebido para neutralizar a tributação em cascata, passe a produzir um acúmulo de carga em setores justamente mais intensivos em inovação.

O debate sobre créditos relacionados a IA é, portanto, menos uma busca por “novos benefícios” e mais um esforço para impedir que o regime se torne indiferente ao modo como a riqueza é, hoje, efetivamente gerada.

A Reforma Tributária e a janela estreita de debate

A reforma do consumo, ao prever a substituição gradual do PIS/COFINS pela CBS, tende a simplificar o desenho normativo e, ao menos em tese, reduzir as margens de litigiosidade sobre creditamento. A adoção de uma base ampla, com regra geral de não cumulatividade e mecanismos mais claros de devolução do tributo, pode diminuir disputas casuísticas.

Isso, entretanto, não elimina a necessidade de enfrentar, ainda sob o regime atual, a qualificação dos gastos com inteligência artificial. Há, pelo menos, duas razões para isso:

  1. Impacto retroativo e transitório: muitos investimentos relevantes em IA já foram realizados ou estão em curso sob a égide do PIS/COFINS. A ausência de definição tende a empurrar a discussão para o contencioso, com efeitos que se projetam por anos, mesmo após o início da CBS.
  2. Efeito pedagógico sobre o novo sistema: a forma como se interpretarão, agora, os critérios de essencialidade e relevância em relação à IA servirá de referência para a regulação infraconstitucional da CBS e para a construção de práticas administrativas e jurisprudenciais futuras.

Em outras palavras, ainda que se esteja diante de um regime em extinção, o modo como essa última grande discussão for resolvida terá efeitos que ultrapassam o PIS/COFINS e alcançam o desenho do novo modelo.

No fim das contas, se o sistema tributário ainda tiver dúvidas sobre a essencialidade da inteligência artificial, talvez seja o caso de pedir ajuda justamente a ela. E se este for de fato o último grande capítulo do PIS/COFINS, vale torcer para que ele não termine com a mesma incoerência que marcou parte da sua história. Os contribuintes merecem um epílogo digno — e, quem sabe, até um plot twist favorável.

Posted by & filed under Tributação Empresarial.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou os REsp 2.227.141 (Tema 1.258) e REsp 2.237.254 ao rito dos recursos repetitivos, dando início à formação de mais uma tese que terá impacto direto na condução das execuções fiscais em todo o país.

O ponto a ser definido é objetivo, mas envolve consequências relevantes na prática forense:

“Definir se é possível prosseguir a execução fiscal contra o espólio ou os sucessores caso o executado venha a falecer sem ter sido citado.”

A controvérsia gira em torno da legitimidade processual e da estabilidade do título executivo quando o contribuinte falece antes da constituição válida da relação processual.

O cerne da discussão: morte antes da citação gera ilegitimidade?

A jurisprudência predominante do STJ — e que agora será objeto de uniformização — orienta-se no sentido de que:

  • somente é possível redirecionar a execução para o espólio quando o falecimento do executado ocorre após a citação válida;

  • caso o óbito ocorra antes da citação, a execução é considerada ajuizada contra parte ilegítima, o que impõe, como regra, a extinção do processo.

Essa compreensão decorre da natureza da Certidão de Dívida Ativa (CDA), que constitui título executivo indivisível e imutável quanto aos seus elementos essenciais — entre eles, o sujeito passivo. Aqui se aplica diretamente a Súmula 392 do STJ, que veda a modificação do polo passivo da execução fiscal por meio de emenda ou substituição da CDA.

O raciocínio é simples:

Se o contribuinte falece antes da citação, não há formação da relação processual. Sem citação válida, não existe ato que permita o redirecionamento, pois não se pode substituir o executado originalmente indicado no título.

Por que o tema foi afetado?

O STJ identificou multiplicidade de processos e divergências nas instâncias ordinárias, especialmente em casos nos quais:

  • a Fazenda Pública tenta prosseguir contra o espólio mesmo sem citação prévia do devedor;

  • há interpretações distintas sobre a possibilidade de considerar o óbito como causa superveniente que não inviabilizaria a execução;

  • discute-se se a legitimidade sucessória poderia ser reconhecida independentemente da citação inicial.

Com a afetação ao rito dos repetitivos, a Corte busca:

  • pacificar o entendimento,

  • vincular tribunais e juízos de primeira instância, e

  • evitar decisões contraditórias.

O que esperar da tese repetitiva

Considerando a jurisprudência atual da Primeira e da Segunda Turmas, a tendência é que o STJ reafirme a orientação consolidada:

  • não é possível prosseguir a execução fiscal contra o espólio ou sucessores quando o devedor falece antes da citação;

  • nesse caso, a ação é considerada proposta contra parte ilegítima, impondo-se a extinção do processo.

Essa solução preserva a integridade da CDA e reforça a lógica da Súmula 392: é vedado substituir o sujeito passivo indicado no título executivo fiscal.

Impactos práticos

A tese terá relevância imediata para:

Fazenda Pública

  • necessidade de aprimorar diligências prévias para localizar contribuintes;

  • maior cuidado com execuções contra pessoas falecidas;

  • redução de execuções improdutivas.

Contribuintes, espólios e sucessores

  • maior segurança jurídica quanto à legitimidade processual;

  • proteção contra redirecionamentos indevidos;

  • clareza sobre limites da atuação fiscal em relação a débitos de pessoas falecidas.

Conclusão

O julgamento do Tema 1.258 consolidará, em regime repetitivo, uma linha interpretativa já dominante: sem citação válida do executado em vida, não há como redirecionar a execução fiscal para o espólio ou sucessores. Em tais casos, a execução deve ser extinta por ilegitimidade do polo passivo.

A decisão reforçará a coerência do sistema de precedentes e contribuirá para uma administração tributária mais eficiente, evitando execuções inviáveis desde a origem.

Posted by & filed under Tributação Empresarial.

A extinção de uma execução fiscal nem sempre representa o fim da discussão — e, em muitos casos, é justamente o início. O Superior Tribunal de Justiça deu o primeiro passo para a formação de um novo Tema Repetitivo, destinado a pacificar uma das questões mais recorrentes no contencioso tributário: a responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios quando o contribuinte quita o débito após o ajuizamento da execução, mas antes da citação.

A controvérsia, embora simples, sempre gerou debates intensos. Se o contribuinte paga o débito espontaneamente antes de ser citado, mas depois de a execução já ter sido distribuída, há condenação em honorários? O entendimento historicamente reiterado pelas Turmas de Direito Público aponta para a resposta afirmativa.

Por que os honorários são devidos? O papel da causalidade

Desde 2016, o STJ vem afirmando de forma uniforme que o pagamento extrajudicial, quando realizado após o ajuizamento, atrai o princípio da causalidade. Em termos práticos, significa reconhecer que:

  • a Fazenda foi obrigada a ingressar com a execução pela inércia do devedor;

  • o pagamento posterior não elimina o trabalho já realizado pelo órgão fazendário;

  • extinguir o processo sem honorários geraria estímulo à inadimplência.

Assim, mesmo que a citação não se concretize, o fato de a dívida ter sido quitada somente após o ajuizamento é suficiente para justificar a condenação do executado ao pagamento dos honorários.

Por que o tema será analisado como Repetitivo

A Comissão Gestora de Precedentes do STJ selecionou três recursos especiais oriundos de Pernambuco (REsp 2.215.141, 2.215.553 e 2.215.740) como casos-paradigma. A Procuradoria-Geral da República manifestou-se favoravelmente à afetação e defendeu o provimento dos recursos, destacando a coerência das decisões já proferidas pela 1ª e pela 2ª Turmas do Tribunal.

Os precedentes citados deixam claro que:

  • a 1ª Turma, no voto do Ministro Benedito Gonçalves, reconheceu a obrigação de pagar honorários mesmo sem citação formal;

  • a 2ª Turma, sob relatoria do Ministro Herman Benjamin, afirmou que o pagamento extrajudicial equivale ao reconhecimento da pretensão executória, aplicando-se a lógica da causalidade.

A futura tese repetitiva deverá, portanto, consolidar aquilo que já era aplicado com estabilidade, embora sem força vinculante.

Consequências práticas para o contencioso tributário

Caso a afetação seja confirmada — e tudo indica que será — o Tema Repetitivo trará efeitos relevantes:

  • Eliminação de divergências nas instâncias inferiores;

  • Fortalecimento da previsibilidade, evitando decisões que afastavam honorários com fundamento na ausência de citação;

  • Redução de litigiosidade, pois a orientação passará a vincular juízes e tribunais;

  • Balanço mais claro de riscos, especialmente para empresas que negociam débitos fiscais após o ajuizamento da execução.

Para a Fazenda Pública, o repetitivo tende a reduzir discussões sobre responsabilidade quando há pagamento tardio. Para contribuintes, representa a necessidade de rever estratégias de regularização fiscal, já que o pagamento após a distribuição dificilmente evitará a condenação em honorários.

Conclusão

O STJ caminha para firmar uma tese repetitiva que, na prática, apenas formaliza a jurisprudência que já vinha sendo aplicada há quase uma década: a responsabilidade pelo pagamento dos honorários decorre de quem deu causa à execução, mesmo que a quitação do débito ocorra antes da citação.

Trata-se de mais um passo importante para reforçar a coerência e a racionalidade do sistema de precedentes, contribuindo para um ambiente de maior segurança jurídica nas execuções fiscais.