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Separar a gestão da empresa do patrimônio da família é uma medida essencial para proteger os bens familiares, garantir a longevidade do negócio e profissionalizar a governança empresarial. Abaixo explicamos os caminhos jurídicos, societários e patrimoniais mais eficazes para essa separação:

1. Criação de uma holding patrimonial
O primeiro passo é isolar os bens da família (imóveis, investimentos, ativos financeiros) em uma holding patrimonial — uma pessoa jurídica criada exclusivamente para deter e administrar o patrimônio da família. Essa estrutura permite:

  • Blindagem patrimonial contra riscos da atividade empresarial;

  • Planejamento sucessório com redução de custos e conflitos futuros;

  • Maior controle sobre a movimentação de bens, por meio de regras claras no contrato social.

2. Criação de uma holding operacional (se necessário)
Quando há mais de uma empresa ou sócios de perfis distintos, é comum estruturar também uma holding empresarial (ou operacional), que passa a ser a controladora das empresas do grupo. Isso facilita a centralização das decisões estratégicas e a organização da governança, separando os interesses de gestão dos interesses familiares.

3. Definição de regras claras de governança
Mesmo em empresas familiares, a gestão deve ter regras objetivas e profissionais. Isso inclui:

  • Acordo de sócios ou protocolo familiar estabelecendo papéis, responsabilidades e critérios de entrada/saída de familiares na empresa;

  • Políticas de distribuição de lucros (sem confundir com o caixa da empresa);

  • Criação de conselhos (consultivo ou de administração) com membros independentes, sempre que possível.

4. Remuneração e pró-labore definidos por função, não por vínculo familiar
Evite misturar remuneração com herança. O sócio que trabalha na empresa deve receber pró-labore compatível com o mercado e a função desempenhada, independentemente da participação societária. O lucro, por sua vez, é distribuído conforme a participação no capital — e não pelo desempenho.

5. Separação contábil e financeira rigorosa
Misturar contas bancárias, cartões, imóveis ou funcionários entre empresa e família é o caminho mais curto para problemas. A empresa precisa ter vida própria, com contabilidade independente, orçamento anual e controle de despesas. Da mesma forma, a holding patrimonial deve gerir o patrimônio familiar com disciplina e responsabilidade fiscal.

6. Planejamento sucessório e testamento integrados à estrutura societária
A separação entre empresa e patrimônio familiar também exige um bom planejamento sucessório, que pode envolver:

  • Doação com reserva de usufruto das cotas;

  • Criação de cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade;

  • Testamento que complemente a estrutura jurídica das holdings.

Conclusão
Separar a gestão da empresa do patrimônio da família é mais do que uma questão contábil: é uma estratégia de preservação de legado, continuidade do negócio e prevenção de conflitos. Essa separação não é feita apenas com boas intenções — ela exige estrutura jurídica, disciplina de governança e assessoria especializada. No Chambarelli Advogados, atuamos exatamente nesse ponto de interseção entre empresas familiares, patrimônio e sucessão, ajudando nossos clientes a organizar hoje o que não pode falhar amanhã.

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Muitos empresários acreditam que vender a empresa é apenas uma questão de encontrar o comprador certo. Spoiler: não é. No universo das operações de M&A (fusões e aquisições), o comprador certo só aparece depois que a casa está impecavelmente arrumada. E não estamos falando de boas intenções, mas de números sólidos, estrutura societária limpa, contratos redondos e riscos sob controle. A pergunta certa não é “quanto vale minha empresa?”, mas sim “minha empresa está pronta para ser avaliada?”

A preparação para uma venda começa muito antes da conversa com potenciais compradores. Envolve um processo estratégico e técnico de organização interna — o chamado sell-side due diligence. Esse é o momento de identificar passivos ocultos, inconsistências contábeis, contratos mal redigidos ou riscos trabalhistas e regulatórios que podem minar a confiança do investidor e reduzir drasticamente o valuation. Sim, aquele número mágico que você imaginava pode desmoronar em minutos se os documentos estiverem mal organizados ou se houver um risco fiscal esquecido numa gaveta.

Uma estrutura societária confusa, com cotas pulverizadas ou cláusulas contraditórias no contrato social, é um convite para a insegurança jurídica. O mesmo vale para acordos verbais com sócios, contratos sem prazos definidos ou políticas de remuneração informal. O investidor vai olhar tudo. Vai levantar o capô da operação, medir cada parafuso e perguntar se o motor foi trocado. Se encontrar improviso, ele recua — ou desconta no preço.

Outro ponto crítico é a governança. Ter um conselho consultivo, regras claras de alçada, relatórios financeiros auditáveis e práticas mínimas de compliance transmite seriedade e previsibilidade. Ninguém quer comprar uma empresa que depende do “feeling do dono”. O investidor compra processos, não intuições.

Também é fundamental ter clareza sobre o propósito da venda. Você quer sair completamente? Quer permanecer como sócio minoritário? Está disposto a um earn-out com metas de performance? As respostas influenciam não só a negociação, mas a estrutura jurídica da operação. E, cá entre nós, o investidor vai querer saber se você está vendendo porque acredita no negócio ou porque está pulando fora do barco.

Por fim, há o fator humano. Vender uma empresa envolve emoção, ego, expectativas e, muitas vezes, um apego irracional ao passado. Por isso, ter uma assessoria especializada — jurídica, contábil e estratégica — faz toda a diferença. O M&A não é só uma transação, é uma transição. E ela precisa ser bem conduzida para que você não troque um problema de liquidez por um litígio pós-venda.

Preparar sua empresa para ser vendida não é luxo. É condição para que ela seja, de fato, vendável. E para que você saia da operação com patrimônio, reputação e tranquilidade. Se sua empresa ainda não está pronta, é melhor começar hoje. Porque no mundo dos negócios, quem se prepara com antecedência colhe valuation — quem improvisa, colhe desconto.

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A Segunda Turma Ordinária da Terceira Câmara da Segunda Seção de Julgamento do CARF, ao julgar o processo nº 16682.721085/2013-02, proferiu decisão relevante sobre a natureza jurídica da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e os limites da atuação fiscal frente aos instrumentos de negociação coletiva. Por maioria, a Turma deu provimento parcial ao recurso voluntário de empresa autuada pela Receita Federal, afastando a incidência de contribuições previdenciárias sobre os valores pagos a funcionários como PLR, ainda que parte das regras de desempenho constassem apenas de documentos apartados do acordo coletivo.

A discussão envolvia valores pagos no período de apuração entre fevereiro e maio de 2009. A fiscalização entendeu que o detalhamento dos critérios de desempenho individual e empresarial — fundamentos da distribuição da PLR — não havia sido negociado com a comissão de empregados e sindicato, e tampouco constava do termo assinado, o que invalidaria a natureza jurídica da verba e a tornaria salário de contribuição.


Entendimento da maioria: exigência legal é por regras claras e objetivas, não exaustivas

O voto vencedor, de lavra do conselheiro André Luís Mársico Lombardi, reconheceu que a Lei nº 10.101/2000 exige clareza e objetividade nas regras da PLR, mas não impõe que o acordo coletivo contenha todas as minúcias do programa. Assim, instrumentos internos, como cartilhas e apresentações, podem complementar o pacto coletivo, desde que não alterem seus contornos fundamentais e sejam amplamente divulgados aos empregados.

Segundo Lombardi, exigir que todos os critérios específicos estejam formalmente assinados pelo sindicato e comissão inviabilizaria a efetividade do instituto, sobretudo em empresas de grande porte. Nesses contextos, a individualização das metas por setor, função ou equipe pode ser demasiadamente extensa, além de comprometer estratégias empresariais sigilosas.

Nesse ponto, o conselheiro compara a delegação da pormenorização ao modelo legislativo, em que leis são regulamentadas por decretos — estes não podem contrariar o texto legal, mas o viabilizam. Assim também, o detalhamento empresarial de metas não pode contrariar o acordo coletivo, mas sim executá-lo.


PLR válida mesmo com detalhamento delegado: limites e ressalvas

A decisão do CARF não afastou o dever de fiscalização. Ao contrário, reforçou que a Receita pode e deve descaracterizar a PLR caso haja indícios de fraude, de inexistência do detalhamento divulgado ou de adoção de critérios subjetivos e obscuros. O que se proíbe é a discricionariedade sem controle, não o detalhamento técnico em meios apartados.

No caso concreto, o pagamento da PLR estava condicionado ao lucro operacional da empresa, com percentual de 3% a ser distribuído. Os critérios de avaliação de desempenho constavam no próprio termo (ex: rentabilidade, inadimplência, custo logístico etc.), e os instrumentos internos apenas operacionalizavam a aplicação desses critérios.


Diretores e executivos: autuação mantida

Apesar de afastar a tributação sobre a PLR dos funcionários em geral, o CARF manteve a incidência das contribuições previdenciárias sobre os valores pagos a diretores e executivos, por entender que os critérios aplicáveis a essas categorias não foram objeto de negociação com o sindicato ou com a comissão de empregados.

Esse ponto sinaliza que, embora haja espaço para flexibilidade e delegação técnica, a essência da negociação coletiva deve ser preservada, especialmente no que diz respeito à paridade de condições entre as partes e à ausência de favorecimento unilateral.


Conclusão: segurança jurídica para programas de PLR com execução descentralizada

A decisão é paradigmática ao confirmar que a formalização da PLR não exige a exaustão de todos os critérios em um único documento assinado, desde que o acordo contenha as diretrizes centrais e o detalhamento posterior seja transparente, objetivo e conhecido pelos empregados.

Esse entendimento resguarda a funcionalidade do instrumento de participação nos lucros, compatibilizando a valorização da produtividade individual com a necessidade de proteção contra abusos e fraudes. Também reforça a importância da governança interna e da comunicação clara entre empresa e colaboradores no tocante às metas e resultados.


Em resumo:
✔ Regras da PLR podem ser detalhadas em instrumentos internos;
✔ Acordo coletivo deve conter diretrizes claras e objetivas;
✔ Critérios subjetivos ou não divulgados podem levar à descaracterização;
✔ A Receita pode fiscalizar, mas não pode exigir formalismo excessivo que inviabilize a prática empresarial.


O Chambarelli Advogados possui atuação especializada em planejamento remuneratório, estruturação de programas de PLR e defesa em autos de infração previdenciária. Entre em contato conosco para garantir segurança jurídica e eficiência na remuneração estratégica de seus colaboradores.

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Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu importante passo na evolução da jurisprudência contratual ao reconhecer, no Recurso Especial 2.206.604/SP, a aplicabilidade do artigo 603 do Código Civil às relações contratuais firmadas entre pessoas jurídicas prestadoras de serviços.

A controvérsia girava em torno de um contrato firmado entre uma empresa de gestão condominial e um condomínio residencial, cuja rescisão ocorreu de forma unilateral, antecipada e imotivada por parte do contratante. A contratada buscou a indenização legal prevista no artigo 603 do Código Civil, que garante ao prestador de serviço despedido sem justa causa o direito à retribuição vencida e à metade do valor que lhe seria devido até o fim do contrato. A instância ordinária, no entanto, havia afastado a incidência do dispositivo, por entender que ele se aplicaria apenas a prestadores pessoas físicas.

A decisão do STJ reformula essa interpretação restritiva e afirma, de forma categórica, que a norma indenizatória do artigo 603 do CC também se aplica aos contratos de prestação de serviços entre pessoas jurídicas, independentemente de cláusula contratual expressa nesse sentido.


Uma mudança de paradigma: o reconhecimento da “pejotização”

No voto condutor, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destaca a inexistência de qualquer limitação normativa, no Código Civil de 2002, que condicione a aplicação do artigo 603 à natureza pessoal (física) do prestador. Em linha com a evolução da doutrina e da jurisprudência, o relator reconhece que a prestação de serviços é hoje muitas vezes intermediada por pessoas jurídicas – em especial no contexto da pejotização – e que o direito contratual não pode ignorar essa realidade econômica.

A indenização prevista na lei tem por função proteger a legítima expectativa do contratado, conferindo previsibilidade às consequências da ruptura injustificada do vínculo. Trata-se, portanto, de uma regra de reforço à boa-fé objetiva, e não de um privilégio pessoal conferido apenas a trabalhadores autônomos ou profissionais liberais.


Não é necessário prever a penalidade em contrato

Outro ponto fundamental é que, segundo o STJ, a indenização do artigo 603 independe de previsão contratual. Ou seja, mesmo que as partes não tenham pactuado cláusula específica sobre penalidade por rescisão antecipada, a indenização legal continua devida.

Isso se dá porque a norma tem natureza supletiva, de aplicação automática, justamente para proteger o equilíbrio contratual em situações de denúncia potestativa – quando uma das partes resolve, por vontade própria, extinguir antecipadamente o contrato, sem justificativa.


Limitação por equidade: redução proporcional da indenização

Apesar de reconhecer o direito à indenização, o STJ também demonstrou sensibilidade ao contexto concreto do caso. A própria empresa autora da ação havia requerido a aplicação equitativa da indenização legal, considerando que o contrato previa 60 meses de vigência, mas foi rescindido após apenas 10 meses de execução. Assim, o valor da indenização foi reduzido para R$ 1.140.115,00, aplicando-se o artigo 413 do Código Civil para evitar enriquecimento sem causa.

Essa ponderação reforça o entendimento de que a proteção legal pode e deve ser calibrada à realidade do contrato e à extensão do descumprimento, sendo o Judiciário o responsável por ponderar os efeitos concretos de cada situação.


Implicações para o mercado e para o empresariado

A decisão representa um avanço importante na segurança jurídica dos contratos de prestação de serviços entre empresas, especialmente nos setores em que a terceirização ou a formalização por meio de pessoa jurídica são práticas comuns.

Além disso, o julgamento incentiva a observância da boa-fé nas relações empresariais, desestimulando práticas oportunistas de rescisão imotivada e reforçando a confiança nas relações contratuais de prazo determinado.


Conclusão: precedentes que garantem estabilidade às contratações

O reconhecimento, pelo STJ, da aplicação do artigo 603 do Código Civil aos contratos entre pessoas jurídicas solidifica um entendimento moderno e alinhado com as práticas empresariais contemporâneas. É um marco que reforça o papel do Judiciário como garantidor da estabilidade e previsibilidade nos negócios, oferecendo proteção a todos os agentes econômicos – sejam pessoas naturais ou jurídicas – que contratam com base na boa-fé e esperam, legitimamente, o cumprimento das obrigações assumidas.

Para empresas contratadas que enfrentam rescisões unilaterais e imotivadas, a decisão oferece um caminho jurídico legítimo para buscar reparação, mesmo na ausência de cláusula penal. E para os contratantes, o julgamento serve como um alerta: o rompimento antecipado e injustificado de um contrato pode gerar ônus financeiros significativos, ainda que não expressamente convencionados.


Precisa revisar seus contratos ou analisar um caso semelhante?
O Chambarelli Advogados atua com excelência na assessoria contratual e resolução de litígios empresariais. Entre em contato com nossa equipe para orientação jurídica estratégica.

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Toda sociedade começa com entusiasmo. Visões compartilhadas, metas ambiciosas, confiança mútua. Mas, com o tempo, as divergências surgem — e nem sempre por má-fé. Diferentes expectativas, falta de regras claras e decisões centralizadas sem consenso podem transformar o sonho do negócio próprio em um litígio destrutivo.

O conflito entre sócios é uma das principais causas de dissolução de empresas no Brasil. E o mais grave: boa parte desses litígios poderia ser evitada com medidas preventivas simples, mas juridicamente eficazes.

Este artigo apresenta as principais estratégias para blindar sua sociedade desde o início, ou reorganizá-la enquanto ainda há tempo de evitar um colapso.


1. O contrato social não pode ser apenas formal

O contrato social é o documento que define as regras do jogo. No entanto, muitos empreendedores tratam essa etapa como mera exigência burocrática, adotando modelos genéricos de Junta Comercial.

Esse é o primeiro erro. Um contrato social bem elaborado precisa abordar pontos como:

  • Objeto social amplo, que permita expansão do negócio sem necessidade de alteração constante;

  • Regras claras de administração e representação, incluindo limitações de poderes (quem pode assinar o quê?);

  • Critérios de entrada e saída de sócios, inclusive por falecimento, aposentadoria ou vontade unilateral;

  • Regras de quórum para deliberações, protegendo decisões estratégicas de votações precipitadas;

  • Direito de preferência e vedação à cessão de quotas para terceiros sem anuência.


2. Acordo de sócios: a cláusula que salva empresas

O acordo de sócios (também chamado de acordo de quotistas, no caso de Ltdas.) é o instrumento mais poderoso para prevenir litígios. Ele funciona como um “pacto interno”, criando regras complementares ao contrato social, com foco em gestão, proteção de capital e resolução de impasses.

Entre as cláusulas mais estratégicas, destacam-se:

  • Cláusula de vesting: evita que um sócio que abandone o projeto no início saia com parte relevante da empresa;

  • Cláusulas de tag along e drag along: protegem minoritários e viabilizam vendas futuras;

  • Mecanismos de solução de deadlock: quando sócios empatam em decisões críticas, o que acontece?

  • Cláusula de não concorrência e confidencialidade: inibe a migração de sócios para empresas concorrentes;

  • Regras sobre retirada, exclusão e avaliação de quotas: evitando disputas judiciais sobre valuation ou indenizações.

O acordo de sócios permite adaptar a governança da empresa à realidade dos fundadores e investidores, com flexibilidade e segurança.


3. Comunicação entre sócios: informalidade é risco

Outro ponto negligenciado nas sociedades é a documentação das decisões. É comum que decisões relevantes sejam tomadas por WhatsApp ou reuniões informais — o que fragiliza a governança e gera insegurança jurídica.

Recomenda-se que:

  • Reuniões entre sócios sejam formalizadas por atas assinadas;

  • Decisões operacionais e financeiras relevantes passem por aprovação prévia ou comunicação oficial;

  • A empresa adote um regimento interno, ainda que simples, com regras de convivência e responsabilidades claras.

Transparência e previsibilidade são os maiores antídotos contra rupturas.


4. Separação entre sociedade e vida pessoal

Misturar empresa com vida pessoal é receita para conflito. Alguns pontos sensíveis que merecem atenção:

  • Retirada de pró-labore proporcional ao cargo e à realidade da empresa, com política clara de distribuição de lucros;

  • Não confundir bens da empresa com patrimônio pessoal: evitar uso de contas empresariais para despesas familiares, ou vice-versa;

  • Blindagem em caso de divórcio: é possível proteger quotas com cláusulas de incomunicabilidade ou contratos pré-nupciais.

A formalidade protege a relação entre sócios — inclusive quando são parentes ou amigos.


5. Planejamento para o fim (mesmo quando tudo vai bem)

Toda sociedade deve prever o que acontece em caso de saída, falecimento, incapacidade ou quebra de um dos sócios. Ignorar isso é deixar o destino da empresa nas mãos do Judiciário — e de herdeiros muitas vezes alheios ao negócio.

Entre as medidas preventivas mais eficazes, destacam-se:

  • Cláusulas de sucessão societária: com limitação da entrada de herdeiros ou obrigação de venda das quotas à empresa ou aos demais sócios;

  • Protocolo de compra e venda com valuation pré-definido;

  • Cláusulas de arbitragem ou mediação obrigatória em caso de conflitos.

Organizar a saída é tão importante quanto a entrada. Empresas sólidas se preparam para ambos os movimentos.


Conclusão: prevenir litígios é estratégia, não desconfiança

Empresas que se estruturam desde cedo com boas práticas societárias evitam surpresas, litígios e rupturas traumáticas. Mais que isso: criam um ambiente de segurança, confiança e profissionalismo, que atrai investidores, facilita o crescimento e assegura longevidade.

Litígios entre sócios não são eventos naturais. São, quase sempre, fruto de omissão contratual, informalidade na gestão e ausência de previsibilidade.

E tudo isso pode ser evitado com orientação jurídica estratégica — antes que o conflito se torne inevitável.

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Muitas empresas crescem, diversificam suas atividades, acumulam patrimônio… e seguem operando tudo sob o mesmo CNPJ. Esse modelo, embora comum, é perigoso: mistura risco com patrimônio, confunde gestão com herança, e impede a visão estratégica do grupo econômico.

A solução? Estruturar uma rede de holdings que separe as atividades operacionais do patrimônio — criando uma arquitetura societária mais eficiente, segura e preparada para o crescimento.

Neste artigo, explicamos como funciona a estrutura entre holdings operacionais e patrimoniais, seus benefícios e os cuidados para evitar passivos e autuações fiscais.


1. O que são holdings e qual a diferença entre operacional e patrimonial?

Holding é uma sociedade constituída para controlar participações em outras empresas. Ela pode ter natureza puramente patrimonial, ou também atuar diretamente na operação, dependendo de sua função no grupo.

Holding Patrimonial

  • Tem como objetivo principal a posse e gestão de bens e direitos, como imóveis, aplicações financeiras, quotas de empresas, etc.

  • É usada principalmente para proteção patrimonial, planejamento sucessório e segregação de riscos.

  • Não exerce atividade operacional. Sua receita vem do aluguel de imóveis, dividendos, lucros de participações, entre outros.

Holding Operacional (ou de Participações Societárias)

  • Detém o controle societário de empresas que realmente operam no mercado (comércio, indústria, serviços).

  • Pode ou não participar da operação, mas sua principal função é organizar a gestão centralizada de várias controladas.

  • É muito utilizada em grupos empresariais para uniformizar decisões, consolidar caixa e facilitar captações e investimentos.


2. Por que separar o patrimônio da operação?

Misturar patrimônio com atividade empresarial expõe os ativos da família (como imóveis, ações, reservas financeiras) aos riscos da operação: dívidas trabalhistas, execuções fiscais, responsabilidade civil por acidentes, processos de consumidores, entre outros.

Ao organizar uma holding patrimonial separada da(s) operacionais, você cria barreiras jurídicas eficazes para:

  • Blindagem patrimonial: os bens ficam sob uma estrutura que não assume riscos da operação.

  • Eficiência tributária: é possível otimizar alíquotas sobre lucros, aluguéis e dividendos.

  • Sucessão planejada: o patrimônio pode ser transferido por doação com reserva de usufruto e cláusulas de proteção (inalienabilidade, impenhorabilidade, incomunicabilidade).

  • Organização societária: facilita a entrada de investidores, saída de sócios e venda futura das unidades operacionais sem tocar no patrimônio.


3. Como montar a estrutura entre holdings operacionais e patrimoniais

A estrutura ideal depende do tamanho do grupo, da complexidade das atividades e dos objetivos da família empresária. Mas, de forma geral, ela pode ser organizada em três níveis interligados:

a) Holding Familiar (controladora principal)

É o topo da estrutura. Reúne os sócios familiares — normalmente os fundadores e herdeiros — e tem como função centralizar o controle societário das demais holdings do grupo.
Ela permite consolidar o patrimônio familiar, organizar as decisões estratégicas e preparar o terreno para o planejamento sucessório.

b) Holding Patrimonial

Fica responsável pela gestão dos bens imóveis, aplicações financeiras e participações societárias. Essa holding não atua diretamente no mercado, ou seja, não presta serviços nem vende produtos.
Seu papel é proteger e rentabilizar os ativos da família, além de organizar a distribuição de renda (aluguéis, dividendos, rendimentos).

Em muitos casos, os imóveis utilizados pelas empresas operacionais são de propriedade da holding patrimonial e são alugados mediante contratos formais — o que facilita a segregação de risco e permite planejamento tributário.

c) Holdings Operacionais

São as empresas que efetivamente desenvolvem a atividade econômica: vendem, prestam serviços, produzem, contratam, emitem nota fiscal, assumem obrigações trabalhistas e tributárias.
Cada unidade de negócio pode estar sob o controle de uma holding específica, ou agrupadas sob uma única estrutura operacional, a depender da estratégia do grupo.

Essa separação permite que a empresa cresça de forma organizada, com riscos isolados por atividade, maior controle gerencial e possibilidade de venda ou atração de investimento em uma única frente sem comprometer o patrimônio do grupo como um todo.

Etapas práticas:

  1. Constituição da holding principal (familiar)

    • Pode ser LTDA ou S/A.

    • Os sócios são os membros da família, com quotas organizadas conforme o planejamento sucessório.

    • Essa holding detém participações nas demais empresas do grupo.

  2. Criação ou reorganização da holding patrimonial

    • Receberá os bens imóveis da família, quotas de outras empresas e investimentos.

    • Pode gerar receita com aluguel dos imóveis para as operacionais (com contrato formal e valor de mercado).

  3. Criação das holdings operacionais

    • Cada unidade de negócio pode ser controlada por uma empresa específica.

    • Permite separar riscos, contabilizar resultados individualmente e vender parte do negócio no futuro, sem envolver todo o grupo.


4. Cuidados jurídicos e tributários na estruturação

Uma estrutura de holdings exige atenção técnica, sob pena de gerar questionamentos da Receita Federal ou expor os bens a litígios. Os principais cuidados são:

  • Evitar simulação ou interposição fraudulenta: a estrutura deve ter propósito negocial legítimo (proteção, organização, sucessão).

  • Observar o ITCMD e o IR sobre doações e incorporações: o planejamento deve prever os custos e limites legais.

  • Formalizar os contratos de aluguel entre patrimonial e operacional: inclusive com recolhimento de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, se aplicável.

  • Respeitar as regras contábeis de consolidação: especialmente em holdings com múltiplas controladas e receitas cruzadas.

  • Documentar corretamente as deliberações societárias: alterações contratuais, integralizações, assembleias.


5. Conclusão: estrutura robusta não é complexidade — é estratégia

Uma empresa familiar que cresce precisa de uma estrutura societária compatível com seu patrimônio, seus riscos e seus objetivos de longo prazo.

Organizar holdings patrimoniais e operacionais é mais do que uma tendência — é uma medida de proteção, eficiência e visão de futuro.

Quando bem planejada, essa estrutura reduz conflitos familiares, facilita a sucessão, protege os bens e prepara a empresa para novos ciclos de investimento, crescimento e transição.

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Empresas familiares movem boa parte da economia brasileira. São negócios construídos com esforço, legado e identidade — mas que, ao longo do tempo, enfrentam um desafio central: como crescer e perpetuar o negócio sem romper com seus valores?

A resposta está na governança corporativa, que não significa engessamento da empresa, mas sim estruturação institucional das relações de poder, decisão e sucessão.

Implementar governança em uma empresa familiar é, acima de tudo, um gesto de cuidado com o futuro: dos sócios, da família e do negócio.


1. O dilema da empresa familiar: afeto, capital e conflito

Empresas familiares nascem da confiança entre parentes. E muitas vezes, crescem sem contratos, sem regras claras e com decisões centralizadas em uma única figura — geralmente o fundador.

Esse modelo pode funcionar nas primeiras décadas. Mas com a entrada de novas gerações, surgem conflitos típicos:

  • Mistura entre patrimônio da empresa e patrimônio pessoal;

  • Sócios herdeiros sem preparo técnico ou afinidade com o negócio;

  • Tomada de decisões por vínculos afetivos, não por critérios objetivos;

  • Disputas sucessórias, ausência de planejamento e quebra da continuidade empresarial.

A governança corporativa atua para evitar que laços afetivos — que inicialmente impulsionaram o negócio — se tornem o estopim para sua destruição.


2. O que é governança corporativa (na prática)?

Governança corporativa é o conjunto de regras, práticas e estruturas que orientam a gestão, a propriedade e a sucessão de uma empresa. Em empresas familiares, ela atua como um sistema de organização da convivência entre três esferas: família, propriedade e gestão.

Ela se estrutura com base em quatro pilares:

  • Transparência: informações relevantes devem circular entre sócios e herdeiros, reduzindo assimetrias de poder.

  • Equidade: todos os sócios — familiares ou não — devem ser tratados com justiça, independentemente de sua posição afetiva ou hierárquica.

  • Prestação de contas (accountability): quem ocupa cargos de gestão deve reportar seus atos, resultados e decisões.

  • Responsabilidade corporativa: decisões devem ser tomadas com visão de longo prazo, considerando a perenidade da empresa.


3. Instrumentos jurídicos da governança em empresas familiares

A implementação da governança passa por ferramentas jurídicas que formalizam regras e previnem conflitos:

a. Acordo de sócios

Estabelece regras sobre:

  • Direitos e deveres dos sócios familiares;

  • Critérios para ingresso de herdeiros na gestão;

  • Regras para venda de quotas ou ações (tag along, direito de preferência);

  • Soluções para impasses e critérios de saída (buy-sell, deadlock).

b. Protocolo familiar

Documento extrajurídico, mas com força moral e estratégica. Ele define:

  • Valores e missão da família empresária;

  • Regras de convivência entre membros familiares e empresa;

  • Critérios para ocupação de cargos;

  • Políticas de remuneração, distribuição de lucros e participação nos resultados.

c. Conselho de administração e conselho consultivo

Mesmo que a empresa ainda seja de médio porte, a criação de um conselho (com membros externos ou independentes) pode trazer:

  • Visão estratégica mais ampla;

  • Redução da centralização no fundador;

  • Profissionalização da gestão com base em metas e indicadores.

d. Holding familiar e planejamento sucessório

A constituição de uma holding permite:

  • Separação entre patrimônio pessoal e empresarial;

  • Planejamento tributário da sucessão;

  • Blindagem patrimonial contra disputas judiciais ou cônjuges;

  • Regras claras sobre herança e continuidade do negócio.


4. Governança não é sobre controle, mas sobre continuidade

Ao contrário do que muitos fundadores imaginam, implementar governança não significa perder o controle da empresa. Significa criar um ambiente mais claro, previsível e saudável para a transição de gerações.

Ela permite que:

  • Sócios saibam exatamente seu papel (e seus limites);

  • Herdeiros sejam preparados (e não apenas nomeados);

  • Gestores possam tomar decisões com segurança;

  • O fundador possa se afastar gradualmente com confiança.


5. Conclusão: tradição e estrutura podem — e devem — coexistir

Empresas familiares são fortes porque carregam valores. Mas são frágeis quando esses valores não vêm acompanhados de estrutura.

A governança corporativa é a ponte entre o legado e o futuro. Ao profissionalizar as relações, formalizar as decisões e planejar a sucessão, ela transforma histórias familiares em trajetórias empresariais longevas.

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Processos de M&A (fusões e aquisições) são marcos importantes na trajetória de uma empresa — seja como estratégia de crescimento, sucessão ou desinvestimento. Mas, apesar do glamour que o tema costuma atrair, a verdade é que uma operação de M&A bem-sucedida é mais jurídica do que celebratória.

O contrato de compra e venda de empresa é o instrumento central da operação. É nele que se consagra — ou se compromete — a segurança da transação. Um contrato mal redigido pode gerar passivos inesperados, litígios societários e até a invalidação do negócio. Por isso, compreender as principais cláusulas que compõem esse tipo de contrato é fundamental para qualquer empresário, investidor ou gestor.


1. Objeto da operação: o que está sendo vendido?

O contrato deve deixar claro qual é o objeto da transação:

  • Venda de quotas ou ações (share deal): o comprador adquire a participação societária e, por consequência, os ativos e passivos da empresa.

  • Venda de ativos específicos (asset deal): o comprador adquire apenas determinados ativos (marca, carteira de clientes, máquinas, etc.).

Essa definição impacta diretamente no modelo tributário, na responsabilidade pelos passivos e na necessidade de autorizações regulatórias.


2. Preço e forma de pagamento

Um dos pontos mais sensíveis da negociação é a definição do preço e sua forma de pagamento:

  • Valor fixo ou vinculado a performance futura (earn-out);

  • Pagamento à vista, parcelado ou com parte retida em conta vinculada (escrow);

  • Ajustes pós-fechamento (post-closing adjustments), que permitem revisar o valor com base em indicadores financeiros reais da empresa na data do closing.

Negócios sem critérios claros de precificação tendem a gerar disputas pós-venda — especialmente em empresas com resultados flutuantes.


3. Condições precedentes (conditions precedent)

São as condições que devem ser cumpridas antes da efetiva transferência da empresa. Exemplo:

  • Obtenção de autorizações regulatórias;

  • Aprovação do negócio pelos sócios ou acionistas;

  • Quitação de passivos específicos;

  • Assinatura de contratos acessórios.

O contrato deve prever prazos, documentação necessária e os efeitos do descumprimento dessas condições.


4. Declarações e garantias (representations and warranties)

Essa é uma das cláusulas mais técnicas e relevantes do contrato. Aqui, o vendedor declara e garante a veracidade de diversas informações, como:

  • Situação fiscal regular da empresa;

  • Ausência de processos judiciais relevantes;

  • Regularidade de contratos e licenças;

  • Veracidade das demonstrações contábeis.

Se alguma dessas declarações for falsa ou incompleta, o comprador pode exigir indenização, retenção de valores ou até a rescisão do contrato, a depender da gravidade.


5. Cláusulas de indenização e limitação de responsabilidade

Complementam o bloco de garantias, estabelecendo:

  • Valor máximo de responsabilidade do vendedor (cap);

  • Prazo para pleitear indenizações (survival period);

  • Franquia mínima para acionar a cláusula (basket e deductible);

  • Regras de retenção de valores em escrow para cobrir eventual passivo oculto.

Essa cláusula busca equilibrar os riscos e dar segurança a ambas as partes.


6. Cláusulas de não concorrência e não aliciamento

Para proteger o valor da empresa adquirida, é comum o comprador exigir que os vendedores:

  • Não atuem em atividade concorrente por determinado período e região (non-compete);

  • Não aliciem clientes, fornecedores ou colaboradores da empresa vendida (non-solicitation).

Essas cláusulas devem respeitar limites de tempo, território e razoabilidade para não serem consideradas abusivas.


7. Condições de transição e permanência dos vendedores

Dependendo da estrutura da empresa, pode ser exigida a permanência dos fundadores ou executivos por um período pós-venda para garantir a transição e transferência de know-how.

Essa obrigação pode vir acompanhada de:

  • Contrato de prestação de serviços ou de trabalho;

  • Bônus atrelado a metas;

  • Cláusulas de permanência mínima (lock-in).


8. Foro e resolução de conflitos

A depender do porte da operação e da qualificação das partes, é comum prever:

  • Arbitragem como meio de resolução de controvérsias;

  • Escolha de câmara arbitral, sede da arbitragem e idioma;

  • Previsão de mediação prévia como etapa obrigatória.

A cláusula deve ser clara e tecnicamente redigida para garantir efetividade e segurança jurídica.


9. Anexos e documentos complementares

Por fim, o contrato deve conter, como anexos vinculados, documentos essenciais como:

  • Acordo de sócios (se houver continuidade da participação);

  • Termos de cessão de quotas ou ativos;

  • Inventário de bens, contratos e obrigações;

  • Demonstrativos financeiros auditados.

Esses documentos são partes integrantes do contrato e, se bem organizados, evitam litígios futuros por divergência de interpretação.


Conclusão: contrato de M&A é mais que um instrumento — é uma blindagem estratégica

O contrato de compra e venda de empresa não é apenas a formalização do negócio. Ele é a linha de defesa jurídica que protege as partes de riscos, omissões e interpretações futuras. Uma operação mal estruturada, mesmo que economicamente promissora, pode se transformar em um passivo judicial de grandes proporções.

Por isso, contar com assessoria jurídica especializada em M&A não é um diferencial — é um requisito para proteger o patrimônio envolvido, alinhar expectativas e garantir que o que está sendo comprado (ou vendido) é de fato o que foi acordado.

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Em um cenário de instabilidade econômica, alta de juros, ruptura de cadeias logísticas e volatilidade cambial, empresas de todos os portes enfrentam um desafio central: manter contratos empresariais viáveis, equilibrados e executáveis.

A segurança contratual continua sendo pilar da previsibilidade nas relações comerciais. Mas quando as circunstâncias se alteram de forma relevante e imprevisível, insistir na execução literal do contrato pode significar, na prática, caminhar para o inadimplemento, para o litígio ou para o colapso da relação.

Nesse contexto, cresce a importância da revisão contratual estratégica, com base em critérios jurídicos sólidos e negociações orientadas por análise de risco, viabilidade econômica e prevenção de litígios. Este artigo examina os fundamentos legais, os mecanismos disponíveis e as boas práticas para revisar contratos empresariais em tempos de instabilidade.


1. Instabilidade como fator jurídico: quando renegociar é legítimo

O ponto de partida é compreender que o ordenamento jurídico brasileiro não exige o cumprimento cego de contratos em contextos de ruptura.

Os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código Civil) impõem às partes um dever de cooperação e lealdade, inclusive para revisar obrigações quando os fundamentos econômicos da contratação se alteram de forma imprevisível.

A teoria da imprevisão (art. 478 do Código Civil), embora clássica, ganhou nova força com a jurisprudência pós-pandemia, que reconheceu a possibilidade de revisão judicial ou extrajudicial de contratos em casos de onerosidade excessiva superveniente.

A instabilidade macroeconômica, por si só, não justifica a revisão. Mas quando aliada a impactos concretos sobre a atividade da empresa, pode ser fundamento legítimo para rediscutir prazos, valores, obrigações acessórias e penalidades.


2. Cláusulas contratuais que devem ser revisitadas

Em tempos de instabilidade, algumas cláusulas se tornam especialmente sensíveis — e devem ser reavaliadas com lupa jurídica:

  • Cláusula de preço fixo: contratos longos com preços congelados tornam-se insustentáveis em contextos inflacionários ou com variação cambial relevante.

  • Reajuste por índice: o índice pactuado continua refletindo a realidade econômica do setor? Muitas vezes, trocar o IGP-M pelo IPCA, ou incluir redutores escalonados, pode equilibrar melhor a relação.

  • Prazos de pagamento e entrega: cadeias logísticas pressionadas exigem revisão realista de cronogramas, sob pena de multas injustas e inadimplemento inevitável.

  • Multas e cláusulas penais: devem ser renegociadas quando perdem proporção frente à nova realidade econômica da operação.

  • Força maior e caso fortuito: revisar a redação dessas cláusulas pode evitar disputas futuras sobre eventos imprevisíveis, como greves, eventos climáticos extremos, crises políticas e pandemias.

  • Garantias contratuais: fianças, seguros e garantias reais podem ter de ser substituídas ou readequadas, conforme a nova capacidade financeira das partes.


3. A negociação como ferramenta de preservação da relação

A revisão contratual não é ruptura. É, ao contrário, uma estratégia de preservação de negócios sustentáveis.

Em vez de partir diretamente para medidas judiciais, recomenda-se:

  • Notificação extrajudicial fundamentada, demonstrando os impactos da instabilidade no cumprimento das obrigações;

  • Proposta de aditivo contratual, com revisões pontuais e justificadas;

  • Registro das tratativas, por e-mail ou documentos assinados, para preservar a boa-fé e reforçar o histórico de tentativa de solução amigável;

  • Uso de cláusulas de mediação ou comitês de resolução de conflitos, quando previstas, antes da arbitragem ou do Judiciário.

A abordagem deve ser técnica, objetiva e pragmática. Em contratos complexos ou com múltiplas partes, contar com assessoria jurídica especializada é essencial para evitar soluções desequilibradas ou juridicamente frágeis.


4. A jurisprudência pós-pandemia e a nova sensibilidade contratual

A jurisprudência brasileira, especialmente após 2020, evoluiu para reconhecer que contratos empresariais podem — e devem — ser adaptados em contextos de desequilíbrio extraordinário.

Tribunais têm aceitado:

  • Suspensões temporárias de obrigações;

  • Redução proporcional de valores em contratos de fornecimento;

  • Revisão de cláusulas de exclusividade ou volume mínimo de compra;

  • Substituição de garantias contratuais inviáveis.

O ponto em comum é a demonstração de boa-fé, tentativa de negociação prévia e impacto real sobre a atividade econômica da parte afetada.


5. Conclusão: contratos são instrumentos vivos

Contratos não são peças estanques. São instrumentos vivos, que devem refletir a realidade econômica e jurídica da relação. Em tempos de instabilidade, a rigidez é inimiga da continuidade. A revisão estratégica de contratos permite não apenas o cumprimento possível das obrigações, mas a manutenção da relação comercial de forma justa e equilibrada.

Empresas que entendem isso não apenas evitam litígios — elas constroem relações comerciais mais sólidas, confiáveis e sustentáveis no longo prazo.

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As cláusulas de não concorrência e confidencialidade são instrumentos jurídicos essenciais para proteger o ativo mais valioso de uma empresa: o conhecimento estratégico. Em um cenário onde colaboradores circulam entre concorrentes, cofundadores rompem com a empresa e novos prestadores de serviço têm acesso a dados sensíveis, a blindagem contratual se torna imprescindível.

Mas tão importante quanto proteger a informação é respeitar os limites legais que regulam esse tipo de cláusula. O desequilíbrio entre proteção e liberdade de mercado pode levar à nulidade de cláusulas, a passivos trabalhistas e até a indenizações por restrição abusiva de atividade econômica.

Este artigo aprofunda a análise sobre a legalidade, os limites e os critérios práticos para redigir cláusulas eficazes de não concorrência e confidencialidade, tanto em contratos trabalhistas quanto em relações empresariais e societárias.


1. Cláusula de confidencialidade: o que ela protege?

A cláusula de confidencialidade (ou NDA – Non-Disclosure Agreement) visa proteger informações sensíveis, estratégicas e não públicas compartilhadas durante a execução de um contrato ou relação societária. Pode envolver:

  • Dados de clientes e fornecedores;

  • Estratégias comerciais;

  • Tecnologias, códigos, know-how e algoritmos;

  • Planos de expansão e investimentos;

  • Negociações em curso, parcerias e aquisições.

Essa cláusula pode ser bilateral ou unilateral, a depender da natureza da relação. Em startups, é comum que cofundadores, colaboradores terceirizados, consultores e investidores anjos assinem NDAs antes mesmo da formalização do contrato social.

A validade jurídica de cláusulas de confidencialidade no Brasil é amplamente aceita, com base nos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, conforme o art. 421 do Código Civil. Entretanto, é fundamental delimitar de forma clara:

  • O que será considerado “informação confidencial”;

  • A duração da obrigação de sigilo;

  • As penalidades pelo descumprimento (inclusive com cláusula penal);

  • As hipóteses em que o sigilo pode ser quebrado (ordem judicial, obrigação legal etc).


2. Cláusula de não concorrência: onde está o limite?

A cláusula de não concorrência busca impedir que uma parte — geralmente um ex-sócio, ex-funcionário ou ex-prestador — atue em atividade semelhante ou em concorrência direta após o término do vínculo contratual.

No entanto, a sua validade exige três requisitos fundamentais, consagrados tanto na jurisprudência quanto na doutrina:

  1. Limitação temporal razoável: geralmente entre 6 meses e 2 anos. Prazo superior pode ser considerado excessivo, salvo em casos muito específicos, como altos executivos com acesso a informações sigilosas estratégicas.

  2. Delimitação geográfica precisa: não é admissível impedir uma pessoa de atuar em todo o território nacional, salvo se a empresa efetivamente opera nacionalmente. A cláusula deve refletir o raio de atuação real da empresa.

  3. Compensação financeira: especialmente em relações trabalhistas, a cláusula de não concorrência somente será válida se houver pagamento compensatório pelo período em que o ex-funcionário estiver impedido de exercer sua atividade. O valor deve ser proporcional e razoável, sob pena de configurar restrição abusiva ao trabalho.

A jurisprudência trabalhista é bastante clara: impedir alguém de trabalhar sem contraprestação econômica fere o princípio constitucional da livre iniciativa e do livre exercício profissional (art. 5º, XIII, da CF).


3. Relações societárias e M&A: cláusulas reforçadas

Em contratos de compra e venda de empresa, acordos de acionistas ou investimentos em startups, as cláusulas de não concorrência e confidencialidade ganham ainda mais robustez.

Nestes contextos, é comum prever:

  • Non-solicitation: proibição de assediar funcionários, clientes ou fornecedores da empresa, por determinado período.

  • Non-dealing: vedação à manutenção de relações comerciais com clientes-chave da empresa.

  • Non-compete: impedimento de atuação direta em empresas do mesmo setor ou em segmentos estratégicos.

Essas cláusulas são tratadas como obrigações acessórias ao contrato principal, e sua violação pode ensejar a rescisão contratual ou o acionamento de cláusulas penais e indenizatórias. Aqui, o Judiciário costuma ser mais flexível em aceitar prazos maiores, especialmente quando há pagamento relevante pela venda da empresa ou participação societária.


4. Riscos da ausência ou do exagero

A ausência dessas cláusulas pode abrir margem para:

  • Apropriação indevida de base de clientes;

  • Cópia ou uso não autorizado de tecnologia desenvolvida internamente;

  • Concorrência desleal por ex-colaboradores ou ex-sócios;

  • Erosão de valor da empresa em um processo de venda ou investimento.

Por outro lado, o excesso — seja por restrições geográficas irreais ou por ausência de compensação — pode levar à nulidade da cláusula, e até à responsabilização da empresa por abuso de poder econômico ou restrição indevida ao trabalho.


5. Conclusão: proteção eficiente exige equilíbrio jurídico

Cláusulas de não concorrência e confidencialidade não são meras formalidades contratuais. São peças centrais na proteção do valor estratégico de uma empresa — desde o early stage até o momento de um M&A.

Contudo, para que sejam eficazes e juridicamente válidas, exigem cautela, equilíbrio e personalização. Modelos prontos ou cláusulas copiadas da internet, sem contextualização jurídica, são terreno fértil para litígios e nulidades.

Blindar sua empresa exige técnica, proporcionalidade e visão de longo prazo. O jurídico, aqui, não apenas protege: cria valor, confiança e sustentabilidade para o crescimento.