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A pejotização, como prática de contratação por meio de pessoas jurídicas em substituição ao vínculo celetista, ocupa hoje posição central no contencioso tributário e trabalhista brasileiro. A ascensão da economia digital e a reconfiguração das relações laborais acirraram o debate, e o que antes era visto como “otimização fiscal” passou a ser alvo preferencial da Receita Federal e do CARF. O resultado é um ambiente de elevada insegurança jurídica, em que empresas precisam, mais do que nunca, operar com rigor técnico e estratégia jurídica consistente.

Neste cenário, este artigo analisa — à luz da jurisprudência recente do CARF e dos posicionamentos normativos da Receita — como estruturar modelos contratuais que não apenas resistam ao escrutínio fiscal, mas também sustentem economicamente a racionalidade da terceirização de serviços via PJ.


A erosão da zona cinzenta: quando o CARF sinaliza limite

A jurisprudência do CARF, especialmente nos acórdãos mais recentes das turmas da 2ª Seção de Julgamento, tem reiterado que a utilização de pessoas jurídicas deve ser lastreada em autonomia técnica, econômica e organizacional. O simples fato de a atividade desempenhada pela PJ ser essencial ao core business da contratante não gera, por si só, a descaracterização do contrato. Mas tampouco a afasta se estiverem presentes os fatores de subordinação e dependência econômica, ainda que disfarçados em um CNPJ.

Em decisões paradigmáticas — como o Acórdão nº 1401-007.301, envolvendo a Globo Comunicação e Participações S.A. — o Conselho analisou detidamente a realidade material das contratações, desconsiderando estruturas contratuais formais que não refletiam a efetiva dinâmica da prestação de serviços.

“O critério formal do contrato interempresarial, se dissociado da realidade econômica e funcional da prestação, não é suficiente para afastar o fato gerador das contribuições previdenciárias incidentes sobre remunerações disfarçadas.”
— Trecho adaptado do voto do relator no processo 16682.720034/2019-41


Os três pilares do modelo contratual defensável

Estruturar uma prestação de serviços via PJ não é exercício de redação criativa, mas de engenharia contratual. Um modelo robusto deve se assentar em três pilares fundamentais:

1. Autenticidade Operacional

É imperioso demonstrar que a PJ possui meios próprios para executar sua atividade: estrutura, equipe, recursos, e não apenas uma “formalização” para disfarçar vínculo. Contratos que descrevem autonomia, mas impõem exclusividade, subordinação tácita e controle de jornada são autênticas bombas-relógio.

2. Coerência Documental

Não basta o contrato prever independência: ela precisa estar refletida na troca de e-mails, ordens de serviço, cronogramas, pagamentos. Um modelo defensável se sustenta em evidências documentais coesas com a narrativa contratual.

3. Justificativa Econômica e Estratégica

Por que terceirizar determinada atividade? Qual a lógica econômica por trás da decisão? A ausência de racionalidade de negócio reforça a presunção de fraude ou interposição. Estruturas contratuais frágeis são, na prática, reféns da subjetividade do auditor fiscal.


O papel da Receita: instruções normativas e a tese da interposição fraudulenta

A Receita Federal, embora não detenha o poder de redefinir o conceito de relação de trabalho, atua de forma incisiva quando identifica indícios de simulação ou dissimulação contratual. O foco recai especialmente sobre:

  • PJs uniprofissionais que emitem nota fiscal de forma contínua para um único tomador;

  • Inexistência de empregados, sede física, ou qualquer traço de empresa real;

  • Pagamentos mensais fixos, invariáveis, com previsibilidade típica de salário;

  • Ausência de pluralidade de clientes, indicando dependência econômica absoluta.


Conclusão: mais do que mitigar riscos, construir estratégia

Não se trata de abandonar a contratação via pessoa jurídica, mas de fazê-la com maturidade jurídica, inteligência contratual e clareza estratégica. O ambiente fiscal exige que a empresa opere com ética de estrutura, não apenas com aparência de legalidade.

A nova fronteira da segurança jurídica empresarial está em reconhecer que o contrato é apenas a ponta do iceberg. Sua base precisa estar ancorada na realidade — e essa realidade precisa ser defensável, lógica e documentada.

Em um país onde o CARF julga com lupa e a Receita investiga com retroatividade, não há espaço para improviso. O jurídico empresarial do futuro — e do presente — é aquele que se antecipa, estrutura e blinda.

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Afinal, toda empresa que presta serviço de segurança está no regime cumulativo de PIS/Cofins?
Nem sempre foi assim — mas agora passou a ser. A Solução de Consulta nº 4026, publicada em julho de 2025, oferece a interpretação mais recente e sistematizada da Receita Federal sobre o alcance da Lei nº 14.967/2024, que modificou profundamente o enquadramento tributário de prestadores de serviços relacionados à segurança privada, especialmente aqueles voltados ao monitoramento de sistemas eletrônicos.

Este artigo examina os fundamentos jurídicos, os critérios de incidência e as consequências práticas do novo regime, com base na interpretação consolidada da Receita Federal e da legislação de regência.


Antes da Lei nº 14.967/2024: critério técnico-operacional e vínculo com vigilantes

Até a revogação da Lei nº 7.102/1983, somente empresas especializadas em segurança privada, ou seja, aquelas que atuavam com vigilantes registrados no Departamento de Polícia Federal e com autorização do Ministério da Justiça, estavam obrigadas a recolher PIS e Cofins no regime cumulativo, nos termos do art. 8º da Lei nº 10.637/2002 e do art. 10 da Lei nº 10.833/2003.

Ou seja, a submissão ao regime cumulativo dependia de dois requisitos principais:

  1. Autorização específica para atuar como empresa de segurança privada;

  2. Atuação direta de vigilantes capacitados, conforme requisitos legais (registro no DPF, curso de formação, vínculo empregatício etc.).

Por consequência, empresas que apenas prestavam serviços de monitoramento remoto de alarmes, rastreamento veicular ou operação de sistemas eletrônicos, sem presença de vigilantes, não eram enquadradas como empresas especializadas e podiam adotar o regime não cumulativo, desde que fossem optantes do lucro real.


O que mudou com a Lei nº 14.967/2024?

A Lei nº 14.967, de 9 de setembro de 2024, alterou os incisos I dos artigos 8º e 10 das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, ampliando significativamente o escopo das atividades sujeitas ao regime cumulativo.

Passaram a ser incluídas de forma expressa:

“as empresas que prestam serviços de monitoramento de sistemas eletrônicos de segurança e rastreamento de numerário, bens ou valores”.

Com isso, a exigência de registro junto à Polícia Federal e a presença de vigilantes deixou de ser critério delimitador. O que importa agora é a natureza do serviço prestado, independentemente do modelo operacional.


A interpretação da Receita Federal: foco na materialidade do serviço

A Solução de Consulta nº 4026/2025 ratifica essa virada interpretativa: mesmo sem autorização legal como empresa especializada, e mesmo que a atividade seja desenvolvida por meios eletrônicos ou algoritmos de rastreamento, a mera prestação do serviço de monitoramento eletrônico de bens, valores ou pessoas suficientemente caracteriza o enquadramento no regime cumulativo.

O fundamento é claro: o direito tributário se orienta pela substância econômica da atividade, e não por sua forma jurídica. Portanto, mesmo empresas que até então não se viam como parte do setor de segurança privada, mas que operam nesse novo rol legal, passam a ser tratadas como contribuintes do regime cumulativo.


Quais empresas estão afetadas?

Estão alcançadas pela nova redação legal e pela interpretação da Receita:

  • Empresas que prestam serviços de monitoramento eletrônico remoto (como centrais de alarme, câmeras e sensores);

  • Prestadoras de rastreabilidade de numerário, bens ou valores, inclusive aquelas que operam com telemetria veicular e dispositivos georreferenciados;

  • Companhias que atuam em sistemas integrados de segurança sem atuação de vigilantes armados.

Importante: a Receita não exige autorização formal nem registro na Polícia Federal para a caracterização do regime cumulativo. A realização do serviço é suficiente para atrair a incidência.


Efeitos práticos: aumento de carga tributária e necessidade de reenquadramento

A mudança de regime implica impacto direto sobre a carga tributária:

  • O regime cumulativo possui alíquotas de 0,65% (PIS) e 3% (Cofins), sem direito a créditos;

  • Já o regime não cumulativo, com alíquotas de 1,65% (PIS) e 7,6% (Cofins), permite a apuração de créditos sobre insumos e despesas.

Empresas que operavam com margens baixas e baseadas em economia de escala, muitas vezes com grande volume de equipamentos, software e tecnologia contratada de terceiros, podem perder eficiência fiscal com a vedação dos créditos.


O que fazer? Recomendações jurídicas e estratégicas

  1. Revisão contratual e societária: verificar se a atividade-fim descrita no contrato social corresponde às hipóteses da Lei nº 14.967/2024.

  2. Avaliação de regime tributário: empresas no lucro real devem considerar a viabilidade de migrar para o lucro presumido, caso o novo enquadramento inviabilize a apuração de créditos e eleve o custo efetivo.

  3. Retrospectiva tributária: a Receita admite que a nova interpretação só tem efeitos para fatos geradores ocorridos após a sua publicação, o que resguarda a segurança jurídica para o passado — mas requer ajuste imediato da conduta para o futuro.

  4. Atualização cadastral: rever o CNAE, a Classificação Fiscal de Serviços (LC 116/2003) e os documentos fiscais, sob pena de autuações e glosas de crédito por inconsistência entre atividade exercida e regime tributário.


Conclusão

A linha que separava tecnologia e segurança foi redesenhada pela legislação de 2024. O que antes dependia da atuação de vigilantes e da autorização formal passou a depender exclusivamente do tipo de serviço prestado.

Monitorar remotamente é, agora, tributar cumulativamente. E, para quem atua no setor, o tempo de ajuste é agora.

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Durante décadas, o departamento jurídico foi tratado como o setor que “trava negócios”. Um obstáculo inevitável entre a negociação e a assinatura do contrato. Esse estigma, alimentado por estruturas jurídicas reativas e burocráticas, criou uma cultura em que o jurídico entra tarde, já sob pressão comercial e com pouco espaço para propor soluções.

Mas esse modelo está superado.

Na economia de velocidade e alta complexidade regulatória, o jurídico é — ou deveria ser — um pilar da estratégia comercial. Um sistema de inteligência que acelera vendas, protege receita, estrutura escalabilidade e viabiliza negócios que, sem engenharia jurídica, seriam inviáveis. Não se trata de redigir contratos — trata-se de permitir que a empresa venda mais, melhor e com menos risco.


1. Jurídico estratégico é alavanca de receita, não centro de custo

O primeiro erro conceitual é confundir jurídico com compliance negativo. O segundo, é supor que o jurídico atua apenas para evitar litígios.

Em empresas de performance, o jurídico atua diretamente no modelo de monetização, nas cláusulas comerciais críticas, nos mecanismos de proteção de margem e na viabilização de grandes contratos, onde as negociações envolvem riscos regulatórios, repartição de responsabilidade e impacto fiscal.

Travar o negócio é o resultado de um jurídico mal estruturado. O jurídico que participa da estratégia desde o início antecipa os riscos, modela as proteções e traduz o interesse comercial em segurança jurídica.


2. Onde o jurídico impacta diretamente a estratégia comercial

a) Modelagem contratual comercial

Em contratos com clientes estratégicos, o jurídico define a margem de segurança operacional: cláusulas de reajuste, limitação de responsabilidade, vigência, exclusividade, penalidades, SLA, foro e arbitragem. Uma cláusula mal escrita pode transformar lucro em litígio.

Além disso, contratos complexos com grandes clientes exigem interpretação técnica de riscos fiscais, trabalhistas, concorrenciais e setoriais — algo que apenas o jurídico pode oferecer com precisão.

b) Padronização e escalabilidade

Empresas com ciclo de vendas repetitivo (franquias, SaaS, distribuidoras, startups, marketplaces) não podem operar com contrato artesanal. O jurídico é responsável por estruturar um sistema contratual escalável, modular, parametrizável conforme o tipo de cliente e produto, o que acelera fechamento e reduz custos operacionais.

c) Mitigação de risco comercial

Cláusulas mal redigidas geram inadimplência, inadimplemento, perdas fiscais e contencioso. O jurídico estratégico trabalha com matriz de riscos comerciais, antecipa falhas e estrutura garantias (fiança, seguro, garantias reais, retenções).

Além disso, o jurídico protege o time comercial: contratos bem construídos evitam conflitos entre vendedor e cliente e sustentam políticas comerciais agressivas com segurança jurídica.

d) Alinhamento entre comercial e compliance

O jurídico garante que práticas comerciais estejam alinhadas a legislações como LGPD, CDC, concorrência, ANPD, ANVISA, Bacen, CVM, SUSEP, entre outras, conforme o setor. Sem esse cuidado, a empresa pode vender — e depois ter que devolver.


3. Jurídico comercial como parceiro do negócio

É preciso institucionalizar o jurídico como parte da estratégia de go-to-market. Isso significa:

  • Inserir o jurídico nas discussões de modelo de negócio e precificação;

  • Definir com o comercial os níveis de risco aceitável para diferentes perfis de contrato;

  • Estruturar políticas de negociação contratual parametrizadas;

  • Criar acordos comerciais tipo “fast-track”, para contratos de baixo risco com fechamento ágil;

  • Conduzir due diligence prévia para grandes clientes ou fornecedores estratégicos;

  • Traduzir a estratégia comercial em linguagem contratual clara, aplicável e executável.


4. Casos reais: onde o jurídico muda o jogo comercial

  • Startups em captação: contratos de SaaS com cláusulas ambíguas sobre cancelamento ou propriedade intelectual travam o investimento. Jurídico forte = rodada fechada.

  • Rede de franquias: ausência de cláusula de performance e limitação territorial adequada resulta em franqueados inativos e disputas judiciais. Jurídico bem estruturado = expansão com controle.

  • Indústria exportadora: contrato internacional sem compliance cambial, cláusula arbitral ou cobertura fiscal implica multa e bloqueio de receita. Jurídico atuante = crescimento externo com blindagem.


Conclusão: jurídico é estrutura, não obstáculo

A estratégia comercial não é um plano de marketing. É um modelo econômico-legal de como a empresa cria, captura e protege valor no mercado. E isso exige engenharia jurídica de alto nível.

Jurídico e comercial não são opostos — são complementares. Quando atuam juntos desde o início, transformam a negociação em uma operação segura, previsível e lucrativa. E isso, no fim do dia, é o que move os negócios.


Sobre nós

O Chambarelli Advogados é especialista em estratégia para negócios, com atuação focada na estruturação de contratos comerciais, modelos de expansão e mitigação jurídica de riscos. Trabalhamos junto ao time comercial para que a empresa cresça com segurança, velocidade e rentabilidade.

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No atual cenário de alta competição, margens comprimidas e múltiplas frentes regulatórias, grandes empresas e startups em tração acelerada enfrentam um desafio silencioso: crescer sem desorganizar o próprio negócio. Muitos CEOs e CFOs ainda tratam o jurídico como um centro de custo ou um mecanismo reativo. Essa visão está ultrapassada. O jurídico estratégico — organizado sob uma lógica de arquitetura jurídica robusta — é o que permite escalar com segurança e proteger a rentabilidade operacional.

Neste artigo, explicamos por que arquitetura jurídica é alavanca de crescimento. E como decisões jurídicas tomadas no início do processo — na estrutura societária, contratual, tributária e regulatória — influenciam diretamente o EBITDA, a atração de investimento e a viabilidade da expansão.


1. O que é arquitetura jurídica?

A arquitetura jurídica é a engenharia de base que sustenta juridicamente um negócio. Ela organiza as fundações legais que permitem escalar com solidez, evitar perdas por fragilidades contratuais e operar com eficiência tributária. Não se trata de litigar melhor. Trata-se de reduzir a necessidade de litígio.

Envolve uma atuação integrada nos seguintes eixos:

  • Estruturação societária inteligente

  • Planejamento tributário aderente ao modelo de negócio

  • Modelagem contratual escalável

  • Blindagem patrimonial

  • Governança corporativa funcional

  • Compliance regulatório preventivo

Empresas que escalam sem revisar sua arquitetura jurídica tendem a enfrentar travamentos contratuais, conflitos societários, glosas fiscais e passivos trabalhistas ocultos — todos eles comprometedores de margem e expansão.


2. Protegendo a margem: como o jurídico impacta diretamente o lucro operacional

a) Tributação mal estruturada reduz a margem sem que o gestor perceba

Negócios que operam com regimes fiscais ineficientes, deixam de aproveitar créditos, enfrentam glosas em despesas estratégicas e não diferenciam receitas tributáveis de não tributáveis. O CARF tem glosado aluguéis, royalties e despesas de rateio por falta de comprovação formal — perdas silenciosas, mas recorrentes.

Uma reestruturação societária ou contratual bem conduzida pode gerar uma recuperação de margem de até dois dígitos, especialmente em empresas com operação pulverizada, estrutura de franquia ou dependência de serviços especializados.

b) Contratos frágeis e modelos mal padronizados criam passivo oculto

Empresas com contratos mal redigidos, sem cláusulas de limitação de responsabilidade, sem política de reajuste ou com obrigações desbalanceadas, operam com risco jurídico embutido na precificação. Quando esse risco se materializa, destrói margem.

c) Custo de litígio e contingência trabalhista ou societária

Falta de clareza em acordos de sócios, ausência de cláusulas arbitrais em contratos relevantes, ou pejotização mal conduzida geram litígios que drenam caixa, consomem tempo da liderança e afetam valuation em processos de captação ou M&A.


3. Acelerando a expansão: juridicamente, o crescimento só é sustentável se for escalável

Para escalar com segurança, é preciso padronizar juridicamente a operação — contratos, estrutura fiscal, política de compliance e modelo de governança.

a) Modelagem contratual escalável

Empresas que crescem com contratos feitos caso a caso enfrentam travas operacionais, renegociações exaustivas e conflitos de interpretação. O ideal é criar um sistema contratual modular, parametrizado e ajustável conforme o porte do cliente ou fornecedor.

b) Estrutura fiscal e societária compatível com a expansão

Expandir para outros estados ou países exige antecipar questões de substituição tributária, inscrição estadual, regimes especiais de ICMS, variações de ISS e retenções federais. A ausência dessa engenharia torna a expansão cara, lenta e insegura.

Além disso, grupos que mantêm estruturas societárias frágeis (sem holdings, acordos de sócios ou estatutos atualizados) perdem controle ao crescer, gerando disputas internas e desorganização do cap table.

c) Governança jurídica como diferencial competitivo

Investidores institucionais não olham apenas o produto ou o market fit. Eles exigem estrutura jurídica sólida, compliance demonstrável e mitigação de riscos regulatórios. Uma empresa com governança jurídica funcional atrai investimento mais rápido e mais barato.


4. O papel do jurídico estratégico na preservação de valor e velocidade de execução

A inteligência jurídica precisa deixar de ser acessório e se tornar parte do core business. Empresas que tratam o jurídico como área meio operam com margem comprimida e crescimento ineficiente.

É preciso:

  • Reestruturar a holding e subsidiárias para eficiência fiscal e sucessória

  • Criar sistemas contratuais padronizados e com métricas de controle

  • Blindar ativos sensíveis por meio de cláusulas de limitação de responsabilidade e governança

  • Usar o jurídico como ponte com o investidor, com data room atualizado e compliance validado

  • Antecipar as implicações legais de novas linhas de negócio ou geografias


Conclusão: sem arquitetura, não há escala

Arquitetura jurídica não é luxo de grandes empresas — é condição de sobrevivência para qualquer negócio que deseja crescer com rentabilidade, segurança e legado. Proteger margem e acelerar expansão exige engenharia jurídica, não improviso. CEOs e CFOs que lideram com esse mindset transformam o jurídico de centro de custo em vetor de multiplicação de valor.


Sobre o escritório

O Chambarelli Advogados é referência nacional em estruturação jurídica estratégica, com atuação focada em empresas em crescimento, grupos familiares e organizações em processo de captação, expansão ou reorganização. Transformamos o jurídico em alicerce de rentabilidade e escala.

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Nos últimos anos, o termo “holding” ganhou popularidade entre empresários, famílias de alta renda e consultores financeiros como solução mágica para todos os problemas patrimoniais e societários. O discurso é sedutor: blindagem patrimonial, economia tributária e planejamento sucessório em um único pacote. No entanto, esse tipo de simplificação ignora um fato elementar no Direito Societário: a holding é uma ferramenta – e como toda ferramenta, pode tanto construir quanto destruir.

Neste artigo, demonstramos por que criar uma holding sem um plano jurídico-estratégico detalhado pode gerar mais riscos do que benefícios. E, sobretudo, o que CEOs, CFOs e empresários devem considerar tecnicamente antes de abrir uma holding, especialmente em estruturas com ativos significativos ou múltiplas operações empresariais.


1. O que é – de fato – uma holding?

A holding é uma sociedade constituída com o propósito de controlar outras empresas ou administrar um patrimônio específico, como bens imóveis, aplicações financeiras ou participações societárias. Seu papel é estrutural: centralizar a governança, racionalizar a sucessão e mitigar riscos por meio da separação entre propriedade e operação.

É importante destacar: holding não é sinônimo de economia tributária. E muito menos uma garantia absoluta de proteção patrimonial. Ao contrário do que se propaga em consultorias genéricas ou conteúdos de baixa qualidade, a eficácia de uma holding depende diretamente de sua finalidade jurídica clara e coerência com a operação real.


2. Os três principais usos legítimos da holding

Antes de abrir uma holding, é essencial que o empresário compreenda seus usos jurídicos legítimos, sob pena de configurar simulação ou abuso de forma.

a) Planejamento sucessório

A holding permite a antecipação da sucessão com maior controle, diluindo o risco de litígios familiares, disputas testamentárias ou necessidade de inventário judicial. O uso de cláusulas de usufruto, inalienabilidade e incomunicabilidade em quotas é técnica recorrente.

b) Governança societária

Em grupos empresariais, a holding centraliza o poder de voto, organiza conselhos, viabiliza acordos de sócios e reduz conflitos operacionais entre empresas controladas. A figura do “family office corporativo” também se sustenta nessa estrutura.

c) Proteção patrimonial

A separação entre pessoa física e jurídica mitiga o risco de execuções diretas sobre bens particulares. No entanto, é ineficaz contra dívidas anteriores à sua constituição ou em caso de confusão patrimonial e fraude contra credores (art. 50 do Código Civil).


3. Riscos jurídicos invisíveis ao criar uma holding sem estratégia

Criar uma holding “por criar” pode gerar efeitos colaterais jurídicos e fiscais de alta magnitude:

Descaracterização da autonomia patrimonial

O simples registro de imóveis na holding sem efetiva separação contábil e operacional pode caracterizar confusão patrimonial, facilitando a desconsideração da personalidade jurídica.

Tributação na transferência de bens

A integralização de bens imóveis como capital social está sujeita ao ITBI, salvo nas hipóteses do art. 156, §2º, I da CF, e art. 37 do CTN. A jurisprudência do STF e a LC 116/03 limitam essa isenção. O risco de autuação é real, sobretudo quando há exploração econômica dos imóveis pela holding.

Simulação para evasão fiscal

A Receita Federal e o CARF vêm restringindo os efeitos fiscais de holdings criadas exclusivamente com o objetivo de reduzir carga tributária de dividendos, aluguéis ou ganho de capital, especialmente sem substância operacional. O caso da SCI nº 7/2024 e o acórdão 1401-007.301 são ilustrativos.

Inviabilidade prática na sucessão

Muitas vezes, a holding é criada, mas o empresário continua centralizando decisões, impedindo a profissionalização da governança e transferindo aos herdeiros apenas uma “estrutura travada”, sem liberdade de gestão.


4. O que considerar antes de criar a sua holding

A decisão de estruturar uma holding deve ser precedida por um diagnóstico jurídico-tributário completo, que envolva:

Análise do patrimônio e da origem dos ativos

Evita-se o risco de confusão patrimonial, e verifica-se a viabilidade da integralização de bens, especialmente imóveis, sem comprometer o fluxo tributário.

Mapeamento dos objetivos familiares e empresariais

Cada holding deve ser pensada para resolver um problema específico: governança? sucessão? proteção de ativos? sem isso, a estrutura vira um “ente de papel”.

Projeção de fluxo de caixa e impacto fiscal

É comum que a holding gere mais carga tributária do que a estrutura original, principalmente se não houver receita ou se os bens integralizados forem onerados.

Definição clara da governança

Quem terá o poder de voto? Haverá conselho consultivo? Qual o quórum para deliberações estratégicas? Esses aspectos devem estar previstos em acordo de sócios e estatuto/contrato social.

Revisão de cláusulas protetivas

Aplicação de cláusulas de usufruto, inalienabilidade, reversão, penhorabilidade e outras restrições patrimoniais, para preservar os objetivos da família e da empresa.


Considerações finais: instrumento, não salvação

A holding não é um salvo-conduto jurídico, nem uma estratégia universal. Ao contrário: mal utilizada, ela aumenta a exposição ao fisco, compromete o patrimônio e impede a sucessão saudável. CEOs, CFOs, empresários e famílias precisam entender que uma estrutura societária eficaz nasce da análise técnica, personalizada e coordenada entre jurídico, contábil e gestão estratégica.

Criar uma holding sem planejamento é como instalar um paraquedas sem revisar as costuras. Pode funcionar — ou rasgar no momento mais crítico.


Sobre nós
O Chambarelli Advogados é referência nacional em estruturação patrimonial e societária, com atuação estratégica para grandes empresas e famílias de alta renda. Oferecemos análise integrada de riscos, elaboração de estruturas personalizadas e blindagem jurídica eficiente para garantir crescimento com segurança e sucessão com governança.

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A estabilidade institucional de grandes corporações não é comprometida apenas por crises externas ou desequilíbrios financeiros. Muito do colapso empresarial se origina de vetores silenciosos, fora dos radares tradicionais de controle: os chamados riscos jurídicos invisíveis. Trata-se de ameaças não contabilizadas, frequentemente negligenciadas por gestores e conselhos, que se acumulam no subterrâneo da governança empresarial e podem gerar impactos devastadores no caixa, na reputação e na própria continuidade do negócio.

Neste artigo, analisamos os principais pontos de atenção que CEOs e CFOs precisam compreender sobre esse risco oculto. Mais do que uma abordagem reativa, trata-se de uma postura estratégica de antecipação, controle e mitigação, com profunda ancoragem em compliance, governança jurídica e planejamento tributário de alto nível.


1. O que é o risco jurídico invisível?

O risco jurídico invisível é aquele que, por sua natureza difusa, não aparece nos demonstrativos contábeis, tampouco nos relatórios padronizados de risco. São contingências ocultas que se formam em contratos mal redigidos, operações mal estruturadas, políticas fiscais agressivas sem lastro legal, ausência de protocolos internos, falhas na governança societária ou inércia em processos regulatórios.

Esse risco se manifesta, por exemplo, na:

  • assunção indireta de responsabilidades tributárias por terceiros, via cláusulas mal desenhadas em contratos de prestação de serviços;

  • pejotização disfarçada que gera passivo trabalhista retroativo;

  • ausência de averbação de contratos de royalties no INPI, tornando indedutíveis os pagamentos, como reiterado pelo CARF;

  • confusão patrimonial entre sócios e empresa, comprometendo blindagem patrimonial;

  • não conformidade com LGPD, com risco de multas milionárias;

  • sonegação involuntária, fruto de má interpretação da legislação tributária.

É justamente a sua invisibilidade técnica e contábil que torna esse risco letal.


2. Onde o risco jurídico se esconde?

A estrutura empresarial moderna é atravessada por uma cadeia de obrigações legais que vão muito além das demonstrações financeiras. Em nossas experiências em auditorias e reestruturações jurídicas, os principais focos de risco invisível para CEOs e CFOs em grandes empresas estão nos seguintes pontos:

a) Contratos mal dimensionados

Cláusulas genéricas, ausência de compliance contratual, repasses de responsabilidade sem amparo legal e omissão de regras fiscais (como retenção de tributos na fonte) são fontes recorrentes de passivo oculto. Exemplo: contratos de prestação de serviços sem cláusula de responsabilidade solidária ou ausência de cláusula arbitral em contratos de valor elevado.

b) Estruturas societárias desatualizadas

Muitas holdings operam sob estruturas ultrapassadas, com regimes tributários incompatíveis com a operação real, instrumentos de governança frágeis e estatutos que não refletem práticas modernas de compliance e ESG. Isso expõe o negócio a litígios entre sócios e responsabilizações pessoais.

c) Planejamentos tributários sem lastro

A busca por eficiência fiscal, quando não ancorada em soluções jurídicas robustas e precedentes consolidados, acaba por gerar contingências fiscais severas. O CARF tem glosado sistematicamente deduções com royalties, aluguéis e despesas de rateio por ausência de documentação formal ou economicidade comprovada.


3. O papel do CEO e do CFO na prevenção do risco jurídico invisível

O CEO e o CFO não podem delegar cegamente a gestão do risco jurídico ao departamento jurídico ou à contabilidade. A jurisprudência atual, sobretudo nos tribunais superiores e no CARF, sinaliza a tendência de responsabilização pessoal dos administradores, principalmente quando há omissão no dever de diligência.

a) Dever de diligência e culpa in vigilando

O dever de diligência, previsto no artigo 153 da Lei das S.A. e no artigo 1.011 do Código Civil, impõe ao gestor o dever de atuar com o cuidado e a atenção esperados de um administrador diligente. A omissão no mapeamento e controle de riscos jurídicos pode ser interpretada como culpa in vigilando, especialmente em casos de passivos que poderiam ser evitados com medidas de governança.

b) Compliance jurídico-tributário como pilar da governança

A ausência de um programa de compliance jurídico-tributário robusto fragiliza a tomada de decisão e expõe a empresa a autuações, multas e bloqueios judiciais. CEOs e CFOs devem exigir relatórios de exposição tributária, auditorias preventivas e revisão periódica da estrutura contratual e societária.


4. Estratégias de mitigação: o que deve ser feito agora

Para evitar que o risco jurídico invisível se materialize em prejuízo real, CEOs e CFOs devem adotar uma postura ativa, com ações práticas e integradas à governança corporativa.

1. Auditoria jurídica estratégica

Mais do que uma due diligence padrão, é necessário implementar auditorias jurídicas recorrentes, com foco em contratos, estrutura societária, aspectos regulatórios e fiscais. A ideia é transformar a análise jurídica em ferramenta de antecipação de riscos.

2. Revisão da matriz de responsabilidades

Mapear os contratos e identificar cláusulas que geram risco de solidariedade, responsabilidade ambiental, trabalhista ou tributária por terceiros. Essa matriz deve ser atualizada com base em precedentes judiciais recentes.

3. Blindagem patrimonial dos sócios e gestores

Atualizar a estrutura societária e patrimonial para isolar riscos da operação e proteger o patrimônio pessoal dos gestores, especialmente em setores de alto risco fiscal.

4. Compliance contínuo e não documental

Compliance não é política de gaveta. CEOs e CFOs devem transformar o jurídico em unidade estratégica de negócio, com monitoramento constante de alterações normativas e jurisprudenciais.


Considerações finais: o custo da inércia

A falsa sensação de segurança contábil não é suficiente para garantir a integridade jurídica de uma grande empresa. O risco jurídico invisível cobra seu preço de forma silenciosa: uma glosa inesperada, uma execução milionária, um bloqueio de bens do CEO, um litígio societário que paralisa o conselho, uma denúncia por fraude fiscal. A questão não é se o risco virá — é quando, e quão caro será o seu impacto.

O tempo do jurídico reativo acabou. CEOs e CFOs devem liderar uma cultura de inteligência jurídica, onde o risco é mapeado, monitorado e prevenido com o mesmo rigor dos controles financeiros.

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O advogado Guilherme Chambarelli assina artigo publicado no JOTA sobre a crescente atuação da Receita Federal na reclassificação jurídica de contratos no setor imobiliário.

No texto, intitulado “Permuta financeira ou venda com participação? A Receita Federal e a desmistificação contratual no mercado imobiliário”, ele analisa como o Fisco tem desconsiderado a forma contratual para alcançar a substância econômica real das operações.

A discussão é essencial para incorporadoras, investidores e operadores do Direito que atuam no segmento. Trata-se de uma reflexão sobre segurança jurídica, limites da interpretação fiscal e os impactos dessa tendência sobre o planejamento tributário do setor.


Nos bastidores da incorporação imobiliária, uma figura jurídica híbrida tem ganhado terreno com aparência de modernidade, mas conteúdo jurídico já enfrentado pelo ordenamento: trata-se da chamada permuta financeira. Ocorre quando o proprietário de um terreno o transfere a uma incorporadora e, em vez de receber unidades futuras, pactua o direito de perceber, de forma parcelada e proporcional, os resultados da venda das unidades construídas no local.

A construção segue seu curso, o empreendimento é comercializado, e o antigo dono do solo, agora sem fração física da obra, recebe percentuais mensais calculados sobre o faturamento da incorporadora.

Trata-se, como se vê, de uma operação com feições sofisticadas, mas que levanta importantes dúvidas quanto ao seu enquadramento jurídico-tributário. A principal delas: haveria, de fato, uma permuta — e, portanto, exclusão da apuração de ganho de capital — ou estaríamos diante de uma típica alienação onerosa, com pagamento diferido e valor indeterminado?

A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta COSIT 89/2025, respondeu com precisão que a natureza da operação não se submete à vontade das partes ou à nomenclatura que estas decidam adotar no contrato. O Direito Tributário, recorde-se, não se curva à semântica privada, mas sim à substância dos atos jurídicos praticados.

Da ficção contratual à realidade tributária

No caso examinado, o proprietário pessoa física cedeu terreno à incorporadora, a qual, após a instituição de patrimônio de afetação e adesão ao Regime Especial de Tributação (RET), passou a repassar valores ao alienante. Esses pagamentos eram calculados com base nas receitas de vendas das unidades do empreendimento. Ainda que as partes tenham denominado a operação de permuta financeira, não houve, em verdade, troca de imóveis — condição essencial à caracterização da permuta sob o ponto de vista tributário.

Nas palavras da Receita, “não se considera permuta a operação que envolva qualquer outro bem ou direito, que não seja bem imóvel, apurando-se o ganho de capital como dação em pagamento”. Em outras palavras, para fins fiscais, permuta é troca de imóvel por imóvel, seja este já existente ou a construir. Tudo o que destoe disso atrai o regime de alienação onerosa, com seus respectivos efeitos fiscais.

A regra é clara: há ganho de capital

A consequência prática é de elevada relevância para o contribuinte. A operação que, aos olhos leigos, poderia ser interpretada como permuta — e, portanto, isenta de tributação sobre ganho de capital — é, na verdade, uma venda com pagamento parcelado e preço incerto. O Imposto de Renda incide, assim, sobre o ganho auferido, apurado com base na diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição do imóvel.

E o que é valor de alienação em um contrato com preço flutuante, vinculado ao sucesso comercial do empreendimento? A Receita orienta que deve ser adotado, em um primeiro momento, o valor previsto contratualmente ou, na ausência, o valor de mercado. Caso os pagamentos efetivos superem esse parâmetro, a base de cálculo deverá ser ajustada, com tributação complementar.

O contribuinte, nesse caso, estará sujeito à tabela progressiva aplicável ao ganho de capital das pessoas físicas, que varia de 15% a 22,5%, a depender do montante auferido.

O RET não se comunica com o alienante

Outro equívoco recorrente, também afastado pela solução de consulta, é a crença de que o RET, regime que permite à incorporadora recolher tributos federais de forma unificada à alíquota de 4% sobre a receita mensal, teria algum reflexo tributário direto sobre o alienante do terreno. A resposta é negativa. O RET é benefício fiscal conferido exclusivamente ao incorporador, nos moldes da Lei  10.931/2004, que não se estende àquele que cede o imóvel sem assumir a posição de incorporador nos termos da Lei 4.591/1964.

A tentativa de justificar a incidência do RET sobre os repasses mensais como se o cedente fosse”parceiro do empreendimento não encontra respaldo legal. Não há solidariedade tributária nesse modelo, tampouco comunhão societária entre as partes. O repasse financeiro realizado ao antigo proprietário é, em essência, contraprestação pelo terreno — e como tal, atrai a incidência do imposto sobre ganho de capital, devida pelo próprio alienante.

Conclusão: a forma não altera a substância

O caso examinado pela Receita é emblemático. Expõe, com clareza, os riscos da adoção de rótulos contratuais que não encontram sustentação na estrutura fática da operação. A denominação permuta financeira pode ser útil à retórica comercial, mas é inócua frente à análise substancialista do Direito Tributário.

Para o contribuinte, o recado é claro: não basta nomear; é preciso compreender o que se está efetivamente realizando. Se não há recebimento de unidades imobiliárias em troca do terreno — mas apenas fluxo financeiro proporcional à venda futura das unidades — não há permuta. Há alienação. E, como tal, haverá tributação sobre o ganho de capital, com todas as obrigações acessórias que dela decorrem.

O planejamento jurídico e tributário de incorporações deve, portanto, ser construído sobre a realidade dos fatos, e não sobre ficções terminológicas. Afinal, o fisco — ao contrário das partes — não está obrigado a acreditar em ficções.

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A recente decisão proferida no Acórdão nº 1401-007.490, de 25 de junho de 2025, pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), representa mais um capítulo relevante no embate entre planejamento tributário lícito e o rigor formal exigido pela Receita Federal para fins de dedutibilidade de despesas. Em pauta, três temas centrais ao dia a dia de grupos empresariais: royalties pelo uso de marca, aluguéis de imóveis utilizados por terceiros e rateio de despesas entre empresas do mesmo conglomerado.

A análise crítica desse julgado revela mais do que uma simples aplicação literal da norma: expõe a tensão entre substância econômica e formalismo documental, que impacta diretamente a estratégia de compliance fiscal e a segurança jurídica dos contribuintes.


1. Royalties e a exigência de averbação no INPI: o formalismo como barreira à dedutibilidade

Um dos pontos centrais da decisão diz respeito à vedação da dedução, para fins de IRPJ, de valores pagos a título de royalties pela utilização de marca, na hipótese em que o contrato correspondente não se encontra averbado junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Ainda que a marca estivesse devidamente registrada e o contrato de cessão fosse legítimo entre partes nacionais, o colegiado entendeu que a ausência da averbação inviabiliza a dedução, com base no art. 365, §3º do RIR/2018.

Esse posicionamento ignora o princípio da substância sobre a forma e a função econômica do pagamento, privilegiando um requisito de natureza meramente acessória como condição para a dedução. A decisão impõe um ônus ao contribuinte que vai além do razoável, transformando um contrato legítimo e registrado em despesa “não necessária” unicamente por ausência de registro administrativo, mesmo quando a relação jurídica e a contraprestação são incontroversas.


2. Aluguéis pagos por imóveis não utilizados diretamente: liberalidade ou estratégia de negócio?

Outro ponto controverso do acórdão refere-se à glosa de despesas com aluguéis de imóveis que, embora contratados em nome da contribuinte, eram utilizados por franqueados ou estavam, por vezes, vazios. O CARF entendeu que, na ausência de repasse contratual dos valores pagos ou da demonstração de vínculo direto com a atividade operacional da empresa, essas despesas configurariam liberalidade, e não gastos necessários à manutenção da fonte produtora.

O argumento, entretanto, desconsidera nuances do modelo de franquia. Como destacou a própria contribuinte, a estratégia de intermediação locatícia visava garantir a padronização visual da marca e a ocupação de pontos comerciais estratégicos, sendo os franqueados parceiros dependentes da estrutura fornecida pela franqueadora. Ao ignorar a lógica do modelo de negócio, a decisão termina por promover uma interpretação excessivamente literal da “necessidade” prevista no art. 47 da Lei nº 4.506/64 e no art. 13 da Lei nº 9.249/95, desconsiderando os efeitos econômicos e comerciais das despesas.


3. Rateio de despesas e o peso da ausência de formalização

O terceiro tema enfrentado pela decisão — e talvez o mais sensível para grupos empresariais — diz respeito à dedutibilidade de despesas rateadas entre empresas do mesmo grupo. Aqui, o CARF manteve a glosa de valores compartilhados sob o argumento de que não havia contrato prévio formalizando o rateio nem critério objetivo e proporcional comprovadamente utilizado.

A decisão alinha-se ao entendimento consolidado pela Solução de Divergência COSIT nº 23/2013, segundo a qual a dedutibilidade do cost sharing depende do cumprimento de requisitos como: previsão contratual expressa, critérios de rateio razoáveis e objetivos, vinculação direta à atividade de cada empresa envolvida, escrituração destacada e ausência de margem de lucro pela centralizadora.

O problema está na extrapolação desse entendimento para situações em que, embora ausente o contrato formal, existam indícios concretos de que os valores foram efetivamente pagos em benefício das empresas participantes, como ocorreu no caso concreto. O risco é que a falta de um único documento — ainda que possa ser suprida por provas materiais — se sobreponha à realidade econômica da operação.


4. Implicações práticas: o que o contribuinte deve (re)aprender com esse julgamento?

A decisão do CARF serve como alerta claro: sem formalização contratual, documentação robusta e escrituração precisa, não há espaço para dedutibilidade. Não basta que a despesa seja real e esteja relacionada à atividade empresarial — ela precisa ser juridicamente defensável dentro de uma lógica documental rigorosa. O princípio da verdade material, muitas vezes invocado em favor do contribuinte, perde força diante da valorização da forma sobre a substância.

Além disso, a divergência entre a interpretação do CARF e o entendimento vinculante da Receita Federal, como na SD COSIT 23/2013, gera um vácuo perigoso de insegurança jurídica. O contribuinte que segue as orientações da RFB pode se ver penalizado em instâncias superiores, sem direito à proteção prometida pelas normas interpretativas vigentes.


5. Considerações finais

Mais do que um simples precedente, o Acórdão nº 1401-007.490 reafirma que o planejamento tributário exige não apenas substância econômica e lógica empresarial, mas também uma arquitetura documental rigorosamente construída. Em um cenário de insegurança regulatória e disputas de interpretação, a blindagem da dedutibilidade exige contratos bem redigidos, critérios objetivos de rateio, registros formais perante os órgãos competentes e rastreabilidade plena dos pagamentos.

Na dúvida, vale sempre perguntar: o que hoje é tratado informalmente, seria defendível amanhã perante a Receita Federal? A resposta a essa pergunta é o que separa o planejamento eficaz da glosa inevitável.

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A interpretação do artigo 39 da Lei nº 11.196/2005 continua sendo palco de dúvidas recorrentes entre contribuintes que alienam imóvel residencial e pretendem aplicar os recursos na construção de nova residência. A Receita Federal, em manifestação recente, reafirma um entendimento que já vinha se consolidando: não há isenção de imposto de renda sobre o ganho de capital quando os valores da venda são destinados à construção de imóvel, ainda que residencial.

O presente artigo, à luz das mais recentes manifestações administrativas e do regramento vigente, examina os limites da norma isentiva e alerta para os riscos de autuações decorrentes de uma interpretação ampliativa indevida.


O que diz a lei: aquisição x construção

O artigo 39 da Lei nº 11.196/2005 estabelece isenção do IRPF sobre o ganho de capital obtido na alienação de imóvel residencial, desde que, no prazo de 180 dias, o valor seja aplicado na aquisição de outro imóvel residencial situado no Brasil.

A norma é clara ao utilizar o termo “aquisição”. Ocorre que muitos contribuintes, ao venderem um imóvel, optam por construir outro do zero, acreditando que tal investimento também se enquadraria no conceito de aquisição, o que a Receita Federal rejeita sistematicamente.


O entendimento administrativo consolidado

A Receita já se posicionou de forma categórica em manifestações anteriores, reafirmadas recentemente: a aplicação do produto da venda na construção de imóvel não confere direito à isenção.

Tal entendimento se ancora não apenas na literalidade do caput do art. 39 da Lei nº 11.196/2005, como também na Instrução Normativa SRF nº 599/2005, que em seu §11 exclui da isenção, de forma expressa, as hipóteses de aquisição de terreno, pagamento de saldo devedor de imóvel já possuído e compra de vaga de garagem isoladamente. A construção, embora não nominalmente excluída, é tratada de forma equiparada às hipóteses acima, por não se confundir com a aquisição de bem pronto ou em construção adquirido de terceiros.

Mais do que uma leitura literal, trata-se de uma interpretação sistemática que visa preservar os contornos exatos da regra isentiva, que, por natureza, deve ser interpretada restritivamente. A construção autônoma, realizada diretamente pelo contribuinte, não se confunde com a aquisição de imóvel edificado, ainda que tenha destinação residencial.


Segurança jurídica e limites do planejamento fiscal

Do ponto de vista jurídico, é preciso distinguir a legítima elisão fiscal da tentativa de aplicar indevidamente benefícios tributários. A construção com recursos oriundos da venda de imóvel pode representar excelente estratégia patrimonial, mas não autoriza a aplicação da isenção prevista no art. 39 da Lei nº 11.196/2005.

A segurança jurídica demanda previsibilidade e aderência aos limites legais. Neste caso, o contribuinte que presume ter direito à isenção, ao aplicar os valores na construção de nova residência, incorre em risco de autuação, com exigência do IRPF, juros e multa.


O papel do planejamento preventivo

Cabe ao contribuinte — e, mais ainda, a seus consultores — realizar um diagnóstico prévio antes de qualquer movimentação patrimonial com potencial impacto fiscal. O correto enquadramento das operações é essencial para evitar surpresas tributárias.

Se o objetivo for aproveitar a isenção do ganho de capital, a única via legítima é a aquisição de imóvel residencial pronto ou em construção, desde que formalmente caracterizado como tal e com matrícula própria, respeitado o prazo de 180 dias.


Considerações finais

O ordenamento jurídico não reconhece isenção fiscal quando o produto da alienação de imóvel residencial é destinado à construção de nova moradia. Apesar da aparente semelhança econômica entre “construir” e “adquirir”, o fisco mantém o entendimento de que apenas a aquisição de imóvel residencial, nos moldes estritos da legislação, enseja o benefício.

Em tempos de intensa fiscalização e cruzamento de dados patrimoniais, a literalidade da norma não pode ser ignorada. A isenção fiscal, por ser exceção à regra da tributação, exige aderência estrita aos seus requisitos legais. E a construção, por mais legítima que seja como destino do capital, não figura entre eles.

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A sistemática não cumulativa das contribuições ao PIS e à COFINS, instituída pelas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, consagrou o direito ao aproveitamento de créditos vinculados à cadeia produtiva, com o propósito de evitar a tributação em cascata. Contudo, a delimitação do que se entende por “insumo” para fins de creditamento segue sendo um dos pontos mais controversos e instáveis da jurisprudência tributária brasileira.

A Receita Federal, por meio de diversas Soluções de Consulta e atos interpretativos, tem restringido de forma progressiva o conceito de insumo, opondo-se à interpretação mais ampla consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp 1.221.170/PR, submetido ao rito dos recursos repetitivos.

O entendimento do STJ: essencialidade ou relevância

No emblemático precedente, o STJ fixou a tese de que, para fins de creditamento de PIS/COFINS, insumo é o bem ou serviço essencial ou relevante para o desenvolvimento da atividade econômica da empresa, considerando-se o critério da indispensabilidade à produção ou à prestação do serviço.

Essa interpretação se opôs frontalmente à visão restritiva da Receita, que por muitos anos limitou o conceito de insumo aos gastos diretamente ligados à industrialização, como matéria-prima ou produtos intermediários.

A jurisprudência e o risco de autuação

Ainda que muitas decisões judiciais, inclusive em primeira e segunda instância, estejam alinhadas ao precedente do STJ, o descompasso entre a jurisprudência e a interpretação administrativa cria um ambiente de insegurança jurídica, onde o contribuinte que se apoia exclusivamente em decisões do Judiciário pode ser autuado, exigindo-se litígio prolongado até a reversão da glosa.

Assim, cabe às empresas documentar criteriosamente a essencialidade de seus insumos com base em laudos, contratos e pareceres técnicos, além de considerar a via judicial como caminho necessário para garantir o direito ao crédito.

Conclusão: o que fazer?

A adoção de uma política segura de creditamento de PIS/COFINS exige:

  • Diagnóstico detalhado dos insumos utilizados na operação;

  • Mapeamento de riscos fiscais à luz dos entendimentos da Receita e da jurisprudência;

  • Pareceres técnicos que demonstrem a essencialidade ou relevância de determinados gastos;

  • Avaliação da necessidade de judicialização preventiva para afastar glosas indevidas.

No cenário atual, o contencioso tributário é muitas vezes a única via eficaz para garantir a aplicação plena da sistemática não cumulativa e a efetividade do princípio da neutralidade tributária.