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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou recente entendimento de grande relevância para o Direito Societário: a retirada de valores do caixa da sociedade em desacordo com o contrato social e em contrariedade às deliberações formais dos sócios caracteriza falta grave, apta a justificar a exclusão judicial do sócio responsável.

Na origem, tratava-se de sociedade do setor moveleiro em que um dos sócios realizou antecipação de lucros sem autorização dos demais, violando disposição expressa do contrato social que exigia aprovação de sócios titulares de 90% do capital para qualquer deliberação sobre distribuição de lucros.

O juízo de primeiro grau entendeu não haver gravidade suficiente para exclusão, mas a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), que reconheceu a falta grave e determinou a exclusão do sócio.

A controvérsia chegou ao STJ, que manteve a decisão do TJ/SP.

A fundamentação do STJ

Segundo o relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a conduta praticada configurou violação direta à integridade patrimonial da sociedade, em afronta ao contrato social e à lei.

O voto ressaltou três pontos principais:

  1. Legitimidade da sociedade para propor a ação de dissolução parcial com exclusão de sócio, nos termos do art. 600, V, do CPC, afastando dúvidas sobre a necessidade de litisconsórcio com os demais sócios;

  2. A força vinculante das deliberações tomadas em reunião, previstas no art. 1.072, § 5º, do Código Civil, que obrigam todos os sócios, inclusive ausentes ou dissidentes;

  3. A retirada unilateral de valores, em desrespeito ao contrato social e à deliberação coletiva, caracteriza descumprimento dos deveres de sócio e prática de ato de inegável gravidade.

Com base nesses fundamentos, o STJ concluiu que a conduta se enquadra no conceito de falta grave e manteve a exclusão.

A noção de falta grave e seus contornos

Embora a falta grave seja um conceito jurídico indeterminado, a jurisprudência vem delimitando seus contornos em situações objetivas. O precedente reforça que o desrespeito às regras contratuais de deliberação, especialmente quando envolve o patrimônio social, não pode ser relativizado como mera divergência de gestão.

Trata-se de conduta que fragiliza a governança, compromete a confiança entre os sócios e ameaça a própria continuidade da empresa.

Implicações práticas para sociedades limitadas

Esse julgamento traz importantes reflexos para a prática societária:

  • Reforça a centralidade do contrato social como instrumento regulador das relações entre sócios;

  • Confere maior segurança à deliberação coletiva, que vincula todos os sócios, mesmo os dissidentes;

  • Reitera que a exclusão de sócio não pode ser banalizada, mas é cabível quando há violação expressa da lei ou do contrato com impacto concreto na sociedade.

Conclusão

O entendimento do STJ reafirma que a exclusão de sócio é medida extrema, porém legítima quando se verifica conduta que compromete a integridade da empresa. A retirada indevida de valores do caixa social, ao violar o contrato e a deliberação dos sócios, extrapola divergências internas e configura falta grave.

A mensagem é clara: o contrato social deve ser respeitado, e sua violação deliberada legitima a adoção de medidas de proteção à sociedade.


Chambarelli Advogados atua de forma estratégica em Direito Societário e Empresarial, assessorando empresas e sócios na elaboração de contratos sociais, prevenção de litígios e condução de processos de exclusão. Nosso compromisso é proteger a integridade patrimonial e assegurar a continuidade das empresas com segurança jurídica.

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No âmbito do Direito Societário, a exclusão de sócio por justa causa é medida de caráter excepcional, que só pode ser admitida quando há descumprimento relevante da lei ou do contrato social, com reflexos concretos sobre a continuidade da empresa.

Por muitos anos, contudo, a jurisprudência brasileira sustentou que a simples perda da affectio societatis — expressão que traduz a intenção de permanecer associado — bastaria para justificar a exclusão. Essa visão subjetiva acabou por permitir exclusões amparadas apenas em desavenças pessoais, sem exigência de demonstração de prejuízo efetivo à sociedade.

O STJ, ainda nos anos 1990, chegou a afirmar que bastaria a “desavença entre os sócios” para configurar justa causa de exclusão. Essa perspectiva, embora historicamente relevante, gerava insegurança jurídica, ao abrir espaço para abusos da maioria em detrimento dos minoritários.

A evolução doutrinária e jurisprudencial

A doutrina contemporânea tem questionado fortemente o uso da affectio societatis como critério autônomo. Autores como Marcelo Vieira Von Adamek e Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França defendem que a sociedade não se constitui sobre a permanência de afinidades pessoais, mas sobre a busca do fim comum previsto no contrato.

Nesse mesmo sentido, Alfredo de Assis Gonçalves Neto sustenta que, se a affectio fosse elemento essencial, os sócios majoritários poderiam excluir minoritários a qualquer momento, o que representaria afronta direta à estabilidade contratual e aos direitos de participação.

A jurisprudência mais recente vem acompanhando esse movimento. O Enunciado nº 67 da I Jornada de Direito Civil do CJF consolidou que a perda da affectio societatis não configura motivo para exclusão de sócio, mas pode fundamentar a dissolução parcial da sociedade, caso inviabilize a continuidade do vínculo contratual.

A justa causa como requisito objetivo

O Código Civil de 2002 reforçou esse entendimento ao estabelecer, nos arts. 1.030 e 1.085, que a exclusão de sócio deve estar ancorada em atos concretos de inegável gravidade, tais como:

  • desvio de recursos ou utilização indevida do patrimônio social;

  • concorrência desleal com a sociedade;

  • obstrução deliberada da gestão;

  • descumprimento reiterado de cláusulas contratuais essenciais.

Em julgamento mais recente (REsp 2.142.834/SP), o STJ reafirmou essa lógica ao considerar que retiradas indevidas de valores do caixa da empresa configuram falta grave, apta a justificar a exclusão. Não se trata, portanto, de divergências subjetivas, mas de condutas objetivas que comprometem a integridade patrimonial da sociedade.

Riscos de abuso e necessidade de segurança jurídica

Permitir a exclusão com base apenas na alegada perda da affectio societatis abre espaço para práticas oportunistas, como a tentativa da maioria de eliminar minoritários por conveniência. Esse risco afronta a lógica de proteção da minoria e compromete a segurança jurídica do ambiente empresarial.

O caminho mais adequado, como tem reconhecido a jurisprudência recente, é considerar a affectio societatis como uma consequência natural do cumprimento ou descumprimento das obrigações contratuais, e não como causa autônoma de exclusão.

Assim, quando há inadimplemento contratual ou violação de deveres de sócio, a quebra da affectio será consequência inevitável — mas nunca fundamento exclusivo.

Conclusão

A exclusão de sócio deve ser fundamentada em critérios objetivos, vinculados à violação de obrigações legais ou contratuais de gravidade suficiente para comprometer a atividade empresarial. A mera perda da affectio societatis, por sua natureza subjetiva, não pode servir como motivo autônomo, sob pena de fragilizar a proteção dos sócios minoritários e estimular arbitrariedades.

O Direito Societário brasileiro tem caminhado para privilegiar a estabilidade das relações empresariais, a preservação da empresa e a segurança jurídica, reservando a exclusão de sócio apenas para hipóteses comprovadas de falta grave ou justa causa objetiva.


Chambarelli Advogados é especializado em Direito Societário e Empresarial, com atuação em reestruturação de sociedades, resolução de conflitos entre sócios e elaboração de contratos sociais que garantem clareza e estabilidade. Nosso compromisso é assegurar a continuidade das empresas e proteger tanto o patrimônio quanto os direitos de sócios majoritários e minoritários.

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Nas sociedades limitadas, os conflitos entre sócios são inevitáveis. Muitas vezes, esses embates impulsionam inovação e ajustes estratégicos. Contudo, em situações em que as divergências ultrapassam a esfera da mera diferença de opinião e atingem a integridade patrimonial da sociedade ou comprometem a continuidade do negócio, a exclusão de sócio deixa de ser uma opção e passa a ser uma necessidade.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiterado que a exclusão de sócio não se destina a solucionar desentendimentos pessoais, mas sim a resguardar a própria empresa diante de condutas de inegável gravidade. A jurisprudência destaca que a medida só se legitima quando comprovada a violação de deveres contratuais ou legais relevantes, como desvio de recursos, concorrência desleal ou obstrução deliberada da gestão.

O limite entre divergência e falta grave

A simples quebra da affectio societatis — a perda da confiança entre os sócios — não é suficiente para justificar a exclusão. Conforme o REsp 2.142.834/SP, o STJ reconheceu que retiradas não autorizadas de valores do caixa da sociedade configuram falta grave, pois representam violação direta às cláusulas contratuais e à integridade do patrimônio social.

Assim, o limite é claro: divergências sobre o rumo da empresa fazem parte da vida societária; mas condutas que descumprem o contrato, ferem a lei e geram impacto concreto no negócio são aptas a justificar a exclusão.

Fundamentos legais e requisitos formais

A legislação distingue duas hipóteses:

  • Exclusão judicial (art. 1.030 do CC): pode ser requerida pela maioria dos sócios, mediante demonstração de falta grave no cumprimento das obrigações.

  • Exclusão extrajudicial (art. 1.085 do CC): depende de cláusula expressa no contrato social, deliberação da maioria absoluta do capital e convocação de reunião ou assembleia específica, com direito de defesa assegurado ao sócio acusado.

O STJ, entretanto, tem ampliado a interpretação desses requisitos. Em precedentes recentes, admitiu que documentos societários celebrados entre os sócios — mesmo não registrados — podem ter força vinculante suficiente para legitimar exclusões extrajudiciais, desde que observados os princípios da boa-fé e da autonomia privada.

A exclusão como medida excepcional

A exclusão de sócio deve ser compreendida como um remédio amargo, mas necessário em casos de comprovada gravidade. Trata-se de preservar a sociedade contra práticas que inviabilizem seu funcionamento, mantendo a reputação e a solidez patrimonial da empresa.

Nesse contexto, a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) reforça a ideia de intervenção mínima do Judiciário, privilegiando a autonomia dos sócios na organização de suas relações internas.

Todavia, o uso inadequado desse instrumento, seja como forma de retaliação ou de apropriação oportunista da sociedade, pode gerar graves distorções. Daí a importância de contratos sociais bem estruturados, que definam com clareza hipóteses de exclusão, procedimentos formais e garantias de defesa.

Conclusão

A exclusão de sócio, quando realizada dentro dos parâmetros legais e respaldada em provas concretas, é medida legítima de proteção empresarial. Ela não se confunde com a eliminação de divergências naturais entre sócios, mas com a necessidade de neutralizar condutas que coloquem em risco a sobrevivência da empresa.

A lição central da jurisprudência recente é que a falta grave precisa ser objetiva e comprovada, e que a previsibilidade contratual é o melhor antídoto contra disputas societárias.


Chambarelli Advogados é especializado em Direito Societário e Empresarial, oferecendo assessoria estratégica na estruturação de contratos sociais, prevenção de litígios e condução de processos de exclusão de sócios. Nosso compromisso é garantir segurança jurídica, preservar o patrimônio e assegurar a continuidade dos negócios de nossos clientes.

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Em julgamento realizado em fevereiro de 2025, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça analisou uma controvérsia sensível no âmbito do Direito Societário: a possibilidade de exclusão extrajudicial de sócio em sociedade limitada, mesmo na ausência de previsão expressa no contrato social.

O sócio excluído buscava a nulidade do ato, sustentando que o art. 1.085 do Código Civil exige cláusula contratual específica para que a exclusão extrajudicial possa ser realizada. A Corte, contudo, manteve a validade da medida, reconhecendo como suficiente a existência de um documento assinado por todos os sócios, denominado “estatuto”, que previa expressamente a possibilidade de exclusão.

A fundamentação da decisão

O relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que o documento, embora não registrado na Junta Comercial, foi celebrado com a participação de todos os sócios e observou o quórum necessário para alteração de cláusulas essenciais do contrato social, nos termos do art. 997 do Código Civil.

Na prática, o “estatuto” funcionou como um aditamento ao contrato social, produzindo efeitos imediatos entre os signatários. O fato de não ter sido levado a registro não afastou sua eficácia inter partes, especialmente diante da assinatura do próprio sócio posteriormente excluído.

Segundo o voto condutor, o instrumento era suficiente para estabelecer:

  • a natureza e o objeto da sociedade;

  • os deveres e obrigações dos sócios;

  • a participação nos lucros;

  • e, de forma expressa, a possibilidade de exclusão extrajudicial por justa causa.

A decisão foi unânime entre os ministros da 3ª Turma.

Implicações práticas para sociedades limitadas

O precedente reforça a compreensão de que, embora a exclusão extrajudicial dependa, em regra, de previsão no contrato social, documentos societários firmados por todos os sócios podem suprir essa exigência, desde que cumpram os requisitos formais de validade e observem o quórum deliberativo.

Isso amplia a segurança jurídica de acordos privados celebrados entre os sócios e reconhece a força obrigatória dos instrumentos societários, ainda que não registrados. A ausência de registro não descaracteriza os efeitos do documento entre as partes, mas pode gerar riscos perante terceiros.

Do ponto de vista empresarial, o julgado evidencia a importância de formalizar pactos societários claros e abrangentes, seja no contrato social, em aditamentos ou em acordos de sócios. Tais instrumentos reduzem a judicialização de conflitos e preservam a continuidade da empresa diante de condutas de sócios que violem deveres fundamentais.

Conclusão

O STJ deu um passo relevante ao admitir a exclusão extrajudicial de sócio sem previsão no contrato social, desde que exista documento firmado por todos os sócios que contemple essa possibilidade. A decisão reafirma a importância da autonomia privada no âmbito societário, sem afastar a necessidade de observar os princípios da boa-fé, lealdade e preservação da empresa.


Chambarelli Advogados é referência em Direito Societário e Empresarial, atuando na elaboração e revisão de contratos sociais, acordos de sócios e estruturas de governança que reduzem riscos e conferem segurança jurídica às empresas. Nosso compromisso é oferecer soluções estratégicas para prevenir conflitos e assegurar a continuidade dos negócios.

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Os conflitos societários frequentemente colocam em risco a continuidade das empresas e, em muitos casos, a solução passa pela modificação do quadro societário. Uma das medidas mais drásticas é a exclusão de sócio, que pode ser realizada de forma judicial ou, em determinadas situações, pela via extrajudicial, desde que observados os requisitos legais.

O art. 1.085 do Código Civil dispõe que a exclusão extrajudicial pode ser deliberada pela maioria dos sócios, quando houver previsão expressa no contrato social, desde que comprovada a prática de ato de inegável gravidade que coloque em risco a continuidade da empresa. A deliberação deve ser tomada em reunião ou assembleia convocada especificamente para esse fim, assegurando ao sócio acusado o direito de defesa.

Assim, a medida exige o cumprimento de requisitos formais (previsão contratual, convocação específica, notificação do sócio e aprovação pela maioria) e de requisitos materiais (ato grave e risco à sobrevivência da sociedade).

A noção de falta grave

O conceito de falta grave é aberto e demanda análise concreta pelo julgador. A doutrina e a jurisprudência têm reiterado que não basta o simples rompimento da affectio societatis — a perda do vínculo de confiança entre os sócios — para justificar a exclusão. É necessário demonstrar que a conduta comprometeu a integridade patrimonial da sociedade ou violou deveres fundamentais do contrato social.

O STJ, no julgamento do REsp 1.129.222/PR, relatoria da Ministra Nancy Andrighi, consolidou o entendimento de que a quebra da affectio societatis não configura, por si só, falta grave. Mais recentemente, no REsp 2.142.834/SP, a Corte reafirmou que apenas atos que violem diretamente o patrimônio ou os deveres de sócio podem justificar a medida, como a retirada de valores do caixa da sociedade em contrariedade às deliberações.

O posicionamento do TJ/SP

O TJ/SP tem adotado postura igualmente criteriosa. As Câmaras Reservadas de Direito Empresarial têm reconhecido como falta grave condutas como:

  • desvio de recursos sociais para fins pessoais;

  • atos de gestão incompatíveis com a condição de sócio;

  • práticas que inviabilizam a atividade empresarial;

  • operações financeiras em benefício próprio e em prejuízo da sociedade.

Em contrapartida, meros desentendimentos sobre a condução dos negócios ou divergências de opinião não têm sido considerados suficientes para embasar a exclusão extrajudicial.

Essa postura evidencia que a prova robusta é requisito indispensável para validar a medida. Quando não demonstrada a gravidade do ato, o Judiciário tem anulado deliberações de exclusão, reforçando o caráter excepcional e restritivo do art. 1.085 do Código Civil.

Considerações práticas

A análise da jurisprudência revela algumas diretrizes práticas para a aplicação da exclusão extrajudicial:

  1. Formalidade: a cláusula de exclusão deve constar expressamente do contrato social, e a reunião precisa ser convocada de forma específica.

  2. Direito de defesa: o sócio deve ser cientificado previamente para apresentar suas razões.

  3. Gravidade do ato: apenas condutas ilícitas ou lesivas à sociedade justificam a medida. Divergências de gestão ou opiniões divergentes não se enquadram.

  4. Risco à continuidade: é necessário comprovar que a conduta comprometeu ou ameaça comprometer a própria sobrevivência da empresa.

Conclusão

A exclusão extrajudicial de sócio, embora prevista em lei, é medida extrema, condicionada a rígidos requisitos formais e materiais. Tanto o STJ quanto o TJ/SP têm reforçado a necessidade de que o ato praticado seja grave, lesivo e comprovado, sob pena de nulidade da deliberação.

A mensagem que se extrai da jurisprudência é clara: o instrumento deve ser utilizado apenas em situações excepcionais, sempre em observância à preservação da empresa e à proteção da coletividade de sócios.


Chambarelli Advogados possui atuação especializada em Direito Societário, com experiência na prevenção e resolução de conflitos entre sócios, elaboração de contratos sociais e condução de processos de exclusão judicial e extrajudicial. Nosso compromisso é garantir segurança jurídica, continuidade empresarial e a proteção dos interesses de nossos clientes.

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A exclusão judicial de sócio em sociedade limitada, prevista no art. 1.030 do Código Civil, exige a comprovação de falta grave no cumprimento de suas obrigações ou a ocorrência de incapacidade superveniente. O dispositivo legal é aplicado em hipóteses em que o comportamento de um sócio compromete a integridade patrimonial, a regularidade da gestão ou a própria continuidade da sociedade.

A jurisprudência tem reforçado que a simples quebra da affectio societatis — isto é, a perda do vínculo subjetivo de confiança entre sócios — não é suficiente para justificar a medida. É necessária a demonstração objetiva de atos lesivos à sociedade, acompanhada de prova robusta.

A análise do TJ/SP

Levantamento recente da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) revela que os julgadores exigem cada vez mais a comprovação de condutas específicas e seus respectivos impactos na empresa. Entre os padrões identificados, destacam-se:

  • Apropriação de recursos sociais: retiradas indevidas ou pagamento de despesas pessoais com recursos da sociedade foram reconhecidos como falta grave em todos os casos analisados;

  • Quebra do dever de lealdade: situações de conflito de interesses, concorrência com a própria sociedade, empréstimos em condições abusivas ou atos de gestão ilícitos foram considerados falta grave em grande parte dos julgados;

  • Quebra isolada da affectio societatis: desentendimentos entre sócios e agressões verbais não foram suficientes para justificar exclusão;

  • Ausência de prova consistente: em diversos casos, a insuficiência de documentos ou contradição de testemunhos levou à rejeição do pedido de exclusão.

Em termos quantitativos, aproximadamente 55% dos julgados analisados resultaram na exclusão do sócio, revelando um cenário de equilíbrio entre deferimentos e indeferimentos, condicionado à qualidade da prova produzida.

O alinhamento com o STJ

O entendimento do TJ/SP dialoga com precedentes do Superior Tribunal de Justiça, como no REsp 2.142.834/SP, em que a Corte deixou claro que a mera quebra da affectio societatis não configura motivo suficiente para dissolução parcial ou exclusão de sócio. O STJ reforçou que a falta grave deve ser caracterizada por condutas objetivas de violação ao contrato social ou à lei, como retiradas não autorizadas de lucros ou desvio de patrimônio.

Esse alinhamento demonstra a tendência de restringir a exclusão de sócios a casos em que haja efetivo prejuízo à sociedade, resguardando o princípio da intervenção mínima do Judiciário nas relações empresariais, em consonância com a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019).

Diretrizes práticas para sócios e empresas

A jurisprudência recente traz algumas orientações práticas para sócios que pretendem manejar ações de exclusão:

  • Provas específicas são indispensáveis: alegações genéricas de desentendimento não prosperam;

  • É necessário demonstrar prejuízo à sociedade, e não apenas conflitos pessoais;

  • Atos de desvio de recursos ou gestão temerária precisam estar devidamente documentados;

  • A lealdade societária é elemento central: condutas que configuram concorrência desleal ou conflito de interesses tendem a ser reconhecidas como falta grave.

Conclusão

A jurisprudência do TJ/SP reforça que a exclusão de sócio por falta grave é medida excepcional, cabível apenas diante de condutas comprovadamente nocivas à sociedade. A proteção da empresa, enquanto ente econômico de relevância social, deve prevalecer sobre disputas meramente pessoais entre sócios.

O recado é claro: o ônus probatório recai sobre quem alega a falta grave, e somente a demonstração concreta de violação aos deveres societários e prejuízo efetivo poderá justificar a exclusão.


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A exclusão de sócio por falta grave representa uma das mais severas medidas aplicáveis nas sociedades empresárias, voltada à preservação da empresa quando há quebra de confiança ou práticas que comprometem a continuidade do negócio. A legislação brasileira prevê, no art. 1.030 do Código Civil, que essa medida é cabível diante de condutas que atentem contra a integridade patrimonial ou a finalidade da sociedade, tais como desvio de recursos, concorrência desleal ou violação dos deveres fixados no contrato social.

O precedente analisado pelo STJ

No Informativo nº 816, publicado em 18 de junho de 2024, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de grande impacto para a governança societária. No REsp nº 2.142.834-SP, a Corte reconheceu que a retirada não autorizada de lucros configura falta grave apta a ensejar a exclusão do sócio responsável.

Segundo o voto vencedor, a conduta rompeu a necessária observância ao contrato social e às deliberações dos sócios, previstas no art. 1.072, § 5º, do Código Civil, segundo o qual as decisões tomadas em assembleia vinculam todos os sócios, inclusive ausentes ou dissidentes.

Direito de defesa e regularidade procedimental

Ainda que configurada a falta grave, a legislação e a doutrina exigem que o procedimento de exclusão seja conduzido com transparência e garantias de defesa. Isso significa que:

  • deve haver convocação específica de reunião ou assembleia com pauta exclusiva sobre a exclusão;

  • o sócio acusado precisa ser notificado com antecedência para apresentar sua defesa, salvo renúncia expressa a esse direito.

Esse rito não é mera formalidade, mas uma exigência para conferir legitimidade à medida e resguardar os interesses da sociedade e dos demais sócios.

A função da exclusão de sócio

Na análise do STJ, ficou claro que a exclusão não tem caráter punitivo isolado, mas visa à proteção da saúde financeira da empresa, da boa-fé objetiva nas relações internas e da continuidade do empreendimento como unidade produtiva de relevância social.

Em reforço, a doutrina de Fábio Ulhoa Coelho destaca que a falta grave em sociedades limitadas pode ensejar exclusão, desde que prevista contratualmente, abarcando atos que coloquem em risco a existência da sociedade ou a integridade de seu patrimônio.

Impactos práticos para empresas e sócios

A decisão reforça alguns pontos essenciais para a gestão societária:

  • a distribuição de lucros deve ocorrer de forma transparente, apenas mediante aprovação em assembleia ou reunião regularmente convocada;

  • a observância às cláusulas contratuais é indispensável para evitar litígios;

  • a boa-fé e lealdade entre sócios são valores jurídicos com força vinculante, que transcendem a esfera moral e alcançam a esfera patrimonial.

Assim, a exclusão por falta grave cumpre dupla função: protege o patrimônio coletivo e assegura que a empresa possa prosseguir sem o risco de dissolução total diante de conflitos irreparáveis.

Conclusão

A jurisprudência do STJ reforça que a exclusão de sócio por falta grave é medida legítima e necessária, desde que observados o contraditório, a ampla defesa e a legalidade do procedimento. Mais do que uma sanção, trata-se de um instrumento de governança empresarial, essencial para proteger a integridade patrimonial da sociedade e a confiança entre os sócios.


Chambarelli Advogados atua de forma especializada em Direito Societário e Empresarial, assessorando empresas e sócios na elaboração de contratos, prevenção de litígios e condução de disputas judiciais e arbitrais. Nosso compromisso é oferecer soluções jurídicas que assegurem não apenas a proteção dos interesses imediatos, mas também a continuidade e o crescimento sustentável das empresas.

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No Acórdão nº 1102-001.651, julgado em 25 de junho de 2025, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) enfrentou situação envolvendo a alienação de imóvel originalmente detido por empresa tributada pelo Lucro Real, posteriormente transferido a uma holding patrimonial do mesmo grupo, optante pelo Lucro Presumido, e que exercia atividade imobiliária.

Após a transferência, a holding revendeu o bem a terceiros. O Fisco desconsiderou a operação e exigiu da empresa originalmente proprietária o recolhimento de IRPJ e CSLL, entendendo que a interposição societária teve caráter simulatório.

A decisão foi tomada por maioria, reconhecendo que:

  • a escritura pública de venda do imóvel para a holding foi lavrada apenas após a celebração do contrato de revenda a terceiros;

  • o valor de revenda foi seis vezes superior ao preço registrado na operação interna do grupo;

  • parte dos recursos das vendas retornou para a empresa autuada, por meio de transferências bancárias, contabilizadas como empréstimos entre as sociedades.

Esses elementos foram considerados suficientes para caracterizar a irregularidade da interposição da holding.

A divergência e a função da holding patrimonial

Embora vencido, um dos conselheiros trouxe observações relevantes. Destacou que a holding em questão havia sido constituída para integralizar diversos imóveis, celebrara negócios com terceiros e permanecia em atividade, desempenhando função típica de holding patrimonial voltada à proteção de bens e ao processo sucessório.

Ou seja, a operação em si não invalidaria a própria estrutura da holding, mas revelaria falhas na forma e no momento em que as etapas foram realizadas.

Planejamento patrimonial e sucessório: licitude e limites

O precedente evidencia uma lição recorrente no contencioso tributário: a busca pela economia fiscal é legítima e encontra respaldo no Supremo Tribunal Federal, especialmente na ADI 2446, que consagrou a licitude do planejamento tributário. Contudo, para que seja respeitado, o contribuinte deve estruturar a operação antes da ocorrência do fato gerador.

No caso julgado, a holding patrimonial é plenamente válida como instrumento de:

  • proteção de patrimônio familiar;

  • organização sucessória;

  • centralização da gestão de ativos;

  • eventual ganho de eficiência tributária.

Todavia, a transferência dos imóveis deveria ter ocorrido de forma antecipada, de preferência a valor de mercado, evitando a caracterização de simulação. O descompasso temporal — escritura de venda lavrada após contrato de revenda a terceiros — fragilizou a operação.

Atenção à distribuição disfarçada de lucros (DDL)

Outro ponto sensível é o valor subavaliado da compra e venda. Transações abaixo do preço de mercado podem ensejar não apenas questionamentos sobre simulação, mas também autuações com base nas regras de distribuição disfarçada de lucros (DDL), previstas nos arts. 60 a 65 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002 e no art. 464 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/2018).

A jurisprudência administrativa vem reforçando que a divergência significativa entre valor declarado e valor de mercado é elemento relevante para a caracterização de abuso.

Considerações finais

O caso do Acórdão nº 1102-001.651 ilustra a necessidade de cautela no planejamento patrimonial e sucessório. Estruturas de holdings continuam sendo instrumentos válidos e estratégicos para famílias e grupos empresariais, mas devem ser implementadas com antecedência, aderência ao valor de mercado e observância estrita da legislação tributária.

No cenário atual, em que o CARF tem reforçado a análise substancial das operações, a linha que separa o planejamento lícito da simulação é cada vez mais fina.

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O sócio do Chambarelli Advogados, Guilherme Chambarelli, publicou no JOTA o artigo Entre o leão e o tigrinho: reforma tributária, imposto seletivo e jogos online.

No texto, ele aborda de forma crítica a criação do imposto seletivo sobre jogos online na reforma tributária, destacando como a medida pode afetar não apenas a arrecadação, mas também o equilíbrio entre regulação, proteção do consumidor e desenvolvimento econômico. O artigo discute o desafio de encontrar o ponto de equilíbrio entre a atuação fiscal do Estado e a dinâmica de um setor em franca expansão.

A análise reflete o compromisso do nosso escritório em acompanhar os movimentos legislativos e regulatórios que impactam setores estratégicos, oferecendo aos clientes uma leitura técnica e estratégica sobre os efeitos práticos da nova tributação.


Entre o leão e o tigrinho: reforma tributária, imposto seletivo e jogos online

Nesse jogo, quem quebra a banca é o jabuti, mas a conta fica para o contribuinte

Emenda Constitucional 132 de 2023 inaugurou no Sistema Tributário Brasileiro o chamado imposto seletivo, tributo que a retórica oficial descreve como mecanismo de indução comportamental, destinado a desestimular bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. A premissa parece intuitiva: quanto maior a carga, menor o consumo.

Mas não se pode adotar raciocínios tão rasos sem refletir sobre os pressupostos que legitimam a medida. Afinal, quem define o que é prejudicial? Com base em que critérios? E mais: ainda que fosse possível apontar tais bens de forma objetiva, seria a tributação efetiva para reduzir o consumo? Se a resposta for positiva, seria essa redução socialmente e economicamente desejável em todos os casos? São perguntas que não podem ser ignoradas, mas que, curiosamente, o legislador constitucional preferiu deixar em aberto.

Nesse sentido, a trajetória do Sistema Tributário Brasileiro ensina que, sob o verniz de finalidades extrafiscais, quase sempre se esconde a motivação arrecadatória. A noção de “prejudicialidade”, alçada a critério de incidência, é ampla e porosa, permitindo que escolhas de conveniência política se travistam de técnica legislativa.

O discurso moralizante que sustenta a medida não é novo: cigarros, bebidas alcoólicas, combustíveis fósseis e veículos são alvos tradicionais dessa lógica. A novidade reside, contudo, na incorporação de setores como os concursos de prognósticos e os jogos online, universo que movimenta cifras bilionárias e, por isso mesmo, atrai a cobiça de um Estado que nunca se cansa de inventar justificativas nobres para tributar.

Com efeito, a Lei Complementar 214 de 2025 materializa a competência mencionada acima, estabelecendo o rol taxativo de produtos e serviços atingidos pelo imposto seletivo. O problema, como adiantado, é a maleabilidade da noção de prejudicialidade, conceito jurídico indeterminado que se presta a escolhas políticas travestidas de técnica.

O caso dos caminhões é sintomático: altamente poluentes, foram excluídos do escopo do tributo sob o argumento da dependência logística nacional. Não se trata de critério de saúde ou ambiental, mas de conveniência econômica. Essa seletividade à brasileira revela o risco de se ter um imposto errático, cuja incidência não se ancora em princípios consistentes, mas em arranjos políticos contingentes.

A crítica ganha contornos ainda mais evidentes quando se observa a inclusão dos concursos de prognósticos e fantasy sport (art. 409, § 1º, VII), conceito no qual se encontram os jogos on-line e das apostas virtuais, no espectro da tributação seletiva. Diferentemente do cigarro ou da bebida alcoólica, cujo consumo se dá pela aquisição de um produto de preço fixo e perceptível, as apostas funcionam em lógica distinta. Quando alguém compra um maço de cigarros, paga um valor, recebe o produto e, se o preço sobe, pode ser desestimulado a consumir.

Nos jogos, não há essa troca direta. O apostador deposita dinheiro em uma plataforma e, a partir daí, entra em uma espiral de apostas sucessivas, em que ganhos e perdas retroalimentam o consumo. Não há percepção clara de preço, tampouco barreira econômica imediata. A elasticidade da demanda, que justificaria a seletividade clássica, simplesmente não opera aqui.

Nesse sentido, a alegada função extrafiscal perde substância. A tributação de apostas on-line não reduz, por si, a adesão ao jogo. O vício comportamental não responde ao aumento da carga tributária da mesma forma que um consumidor responde ao encarecimento de um bem tangível. O que se tem, na prática, é um mecanismo de arrecadação, disfarçado sob a roupagem de proteção social.

Reconhecer que o jogo pode causar dependência e trazer graves efeitos a famílias é legítimo. Mas ignorar que esse mesmo setor gera empregos, patrocina atividades culturais e financia uma indústria em expansão também é seletivo. A questão não é ser contra a tributação dos jogos, mas reconhecer que a função de mero financiamento estatal não se confunde com a função extrafiscal que a Constituição atribuiu ao imposto seletivo.

Essa confusão conceitual não é novidade em nosso sistema. O uso recente do IOF como instrumento arrecadatório escancarou a tentação governamental de ressignificar tributos originalmente concebidos para finalidades específicas. O IOF, idealizado como imposto regulatório, transformou-se, em vários momentos, em válvula de ajuste fiscal de curtíssimo prazo, descolando-se de sua lógica original. O mesmo risco ronda o imposto seletivo: um tributo criado com a promessa de induzir condutas pode se converter em mais uma engrenagem arrecadatória, reforçando o caráter regressivo e a insegurança jurídica do sistema.

O problema, portanto, não é a tributação em si, mas o rótulo de extrafiscalidade que se lhe atribui. Se o objetivo é arrecadar, que se diga claramente e que se utilize instrumentos tributários adequados para tanto. O imposto seletivo, pelo seu desenho constitucional, deveria ter vocação regulatória. Usá-lo como simples fonte de receita é distorcer sua natureza e ampliar a já crônica insegurança jurídica do sistema.

A metáfora final sintetiza o quadro. O leão da Receita, sempre faminto por novas fontes de receita, encontrou no tigrinho das plataformas digitais um adversário sedutor, capaz de mobilizar multidões e cifras bilionárias. No meio desse embate, o jabuti da técnica legislativa avança lentamente, mas quebra a banca, carregando a marca de improvisos normativos que insistem em transformar instrumentos regulatórios em máquinas arrecadatórias. Em terra de jabuti, leão e tigrinho, a sorte parece estar lançada: enquanto os predadores disputam os holofotes, é o contribuinte quem continua pagando a conta.

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O sócio do Chambarelli Advogados, Guilherme Chambarelli, publicou no JOTA o artigo Comissão paga a marketplaces: a oportunidade perdida pela reforma tributária.

No texto, ele analisa criticamente como a reforma tributária deixou de enfrentar um ponto central da economia digital: a tributação das comissões cobradas pelos marketplaces. Trata-se de um tema que afeta diretamente empresas de diversos setores, impactando modelos de negócio, precificação e competitividade.

A reflexão apresentada reforça o compromisso do nosso escritório em estar à frente dos debates jurídicos e tributários mais relevantes do país, oferecendo aos nossos clientes não apenas segurança, mas também visão estratégica sobre os rumos da legislação e seus efeitos práticos.


Comissão paga a marketplaces: a oportunidade perdida pela reforma tributária

Como a Receita e a reforma deixaram escapar a chance de adaptar o Simples Nacional à economia digital

A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Disit/SRRF05 5007/2025, publicada em 13 de agosto, reafirmou a linha restritiva já consolidada na Cosit 143/2021: no Simples Nacional, as taxas de comissão pagas a marketplaces não podem ser deduzidas da base de cálculo da receita bruta.

A resposta administrativa, embora tecnicamente correta sob o prisma da legalidade estrita, expõe com clareza o descompasso entre a realidade do comércio digital e o regime jurídico que deveria incentivar o pequeno empreendedor.

O ponto não é a falta de coerência da Receita Federal — afinal, a LC 123/2006, art. 3º, § 1º, não abre espaço para exclusões além de vendas canceladas e descontos incondicionais. O ponto é outro: a Reforma Tributária desperdiçou a chance de repensar conceitos fundamentais para uma economia marcada pela intermediação digital.

Receita bruta no Simples Nacional: formalismo normativo

O regime simplificado sempre se estruturou em torno da ideia de facilidade arrecadatória: uma base ampla, sem deduções, contra uma alíquota única e progressiva. O texto legal é claro — receita bruta é o valor integral da operação, sem considerar despesas intermediárias, inclusive comissões.

Do ponto de vista dogmático, não há margem para interpretação elástica. A Solução 5007/2025 apenas ecoa o que já havia sido fixado na Cosit 143/2021 e reiterado pelo Comitê Gestor do Simples Nacional na Resolução 140/2018. A Receita cumpre seu papel: interpreta a lei tal como está.

O problema é que a lei não enxerga a realidade do e-commerce.

O conflito: economia digital e tributação sobre valor inexistente

Empresas que vendem via Mercado Livre, Amazon, Shopee ou plataformas equivalentes jamais recebem o valor bruto da venda. Entre 10% e 20% ficam retidos pela plataforma a título de comissão, repassando ao vendedor apenas o líquido.

O resultado é paradoxal: o contribuinte paga imposto sobre um valor que nunca ingressou em seu caixa. Trata-se de uma tributação sobre custo, disfarçada de simplicidade. O Simples Nacional, criado para aliviar, converte-se em fardo para aqueles que mais dependem de intermediação digital — artesãos, prestadores de serviço e pequenos varejistas.

Reforma tributária: a chance desperdiçada

A Emenda Constitucional 132/2023 prometia alinhar a tributação ao século 21. No entanto, ao migrar para um sistema dual de IBS e CBS, preservou a lógica da legalidade rígida sem enfrentar a essência do problema: a definição de receita na economia digital.

Mais grave: a própria transição para o novo modelo pode onerar ainda mais os optantes do Simples Nacional. Isso porque a limitação ao creditamento de IBS e CBS nas aquisições restringe a compensação de custos operacionais, mantendo intocado o problema das comissões e criando distorções concorrenciais frente a empresas de maior porte que operam no Lucro Real.

O resultado é uma espécie de dupla penalidade: primeiro, tributa-se o que não ingressa no caixa; depois, nega-se ao pequeno a mesma lógica de creditamento concedida aos grandes.

O que está em jogo: competitividade e coerência do sistema

O problema transcende a letra fria da lei. A manutenção desse modelo:

  • Pressiona margens em setores já fragilizados;
  • Distorce a neutralidade concorrencial, criando barreiras à digitalização das micro e pequenas empresas;
  • Contraria a racionalidade do Simples, que nasceu para estimular formalização e competitividade, mas hoje opera como obstáculo em cenários de alta intermediação.

A tributação deveria refletir fluxos econômicos reais. Ao ignorar as comissões, o sistema brasileiro continua tributando ficções contábeis, não riqueza efetiva.

Conclusão

A Reforma tributária perdeu a oportunidade de redefinir “receita” em consonância com a economia digital, perpetuando um modelo que onera quem menos pode absorver. Enquanto isso, o Simples Nacional continua a ser um regime que simplifica apenas a arrecadação estatal, e não a vida do pequeno empreendedor.