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Entenda como estruturar negócios entre Brasil e Delaware com segurança jurídica, evitando caracterização de simulação, abuso de forma e descaracterização da pessoa jurídica. Guia técnico e atual do Chambarelli Advogados.


A expansão internacional de empresas brasileiras — sobretudo startups e grupos que buscam escala global — consolidou Delaware como uma das jurisdições mais utilizadas para constituição de holdings, sociedades de tecnologia, vehicles de investimento e estruturas de governança. A eficiência regulatória, a previsibilidade judicial, o sistema flexible purpose das LLCs e a neutralidade fiscal para rendas estrangeiras tornaram o estado norte-americano um centro gravitacional para negócios internacionais. No entanto, a ausência de tributação sobre receitas externas não elimina a necessidade de segurança jurídica no Brasil. Pelo contrário: reforça a exigência de substância econômica e coerência operacional para evitar a imputação de simulação, abuso de forma ou interposição fraudulenta pela Receita Federal.

A tese da simulação circula com frequência no contencioso tributário. Quando o contribuinte utiliza uma entidade estrangeira sem substância, sem propósito negocial ou sem autonomia decisória, abre espaço para que a fiscalização desconsidere a estrutura e tribute os sócios como se a renda houvesse sido auferida diretamente pela pessoa física residente no Brasil. O que caracteriza essa fragilidade não é a sede em Delaware, mas a ausência de elementos materiais mínimos que validem a existência da companhia como agente econômico real. É nesse ponto que a arquitetura jurídica assume centralidade.

O primeiro pilar é a substância econômica, conceito cada vez mais presente em decisões do CARF e em manifestações recentes da Coordenação-Geral de Tributação. A holding em Delaware deve possuir elementos verificáveis: endereço real, agente registrado, estrutura mínima de governança, documentos corporativos consistentes, operating agreement funcional e, preferencialmente, contas bancárias, registros operacionais e contratos que demonstrem a efetiva condução dos negócios. A mera “company in a box”, criada por prestadores automatizados, não atende ao nível de exigência atual da fiscalização brasileira.

O segundo pilar é o propósito negocial, exigido de maneira mais rigorosa desde o advento da Lei Complementar nº 104/2001, que introduziu o parágrafo único do art. 116 do CTN, autorizando a desconsideração de atos quando utilizados para dissimular a ocorrência do fato gerador. A estrutura Brasil–Delaware deve possuir justificativa empresarial racional — seja captação de capital estrangeiro, facilitação de contratos internacionais, proteção regulatória, organização de produtos de tecnologia, separação de ativos intangíveis ou racionalização societária em múltiplas jurisdições. O propósito precisa ser anterior ao benefício fiscal, jamais o inverso.

O terceiro pilar é a coerência operacional. A operação não pode se limitar a uma transferência artificial de receitas para o exterior. A companhia nos Estados Unidos deve participar dos negócios, assumir riscos, deter ativos, tomar decisões e exercer funções compatíveis com sua existência jurídica. Essas características caracterizam o chamado functional approach, tradicional em direito tributário internacional, e hoje indispensável para afastar alegações de interposição irregular. A ausência desses elementos facilita a requalificação da estrutura, com a consequente tributação dos rendimentos no Brasil como se fossem percebidos diretamente pela pessoa física.

A jurisprudência administrativa recente tem sido clara ao analisar estruturas offshore: não há ilegalidade na constituição de subsidiárias no exterior. O que se combate é o uso apenas formal da pessoa jurídica como instrumento para deslocar artificialmente a renda. Quando a LLC é dotada de substância, possui controles próprios, contratos, operações reais e demonstra autonomia em relação aos sócios brasileiros, a estrutura é plenamente válida. Aliás, a própria integração entre Delaware e sistemas de registro internacionais reforça a legitimidade dessas companhias quando organizadas com técnica e governança.

Outro aspecto relevante é a alinhamento contábil entre Brasil e exterior. A empresa brasileira que mantém subsidiária em Delaware deve consolidar adequadamente participações, registrar investimentos, observar as regras de equivalência patrimonial e acompanhar os reflexos fiscais de acordo com o regime tributário aplicável. A contabilidade é o elemento que traduz a realidade dos atos jurídicos; inconsistências, omissões ou duplicações podem gerar a impressão de falta de substância ou de artificialidade nas transações.

Nessa mesma linha, a fiscalização brasileira tem ampliado sua atenção sobre estruturas internacionalizadas para fins de interposição fraudulenta de pessoas. As análises consideram fluxos de pagamentos, beneficiários finais, contratos de propriedade intelectual e alocação de receitas provenientes de serviços digitais. Em todas essas hipóteses, a presença de substância econômica real e documentação robusta é o fator decisivo para afastar alegações de que a LLC seria mera fachada.

Por fim, cabe destacar que Delaware não é, por si só, um risco. O risco reside no uso inadequado, incompleto ou fictício da estrutura. Milhares de empresas brasileiras operam com segurança nessa jurisdição, captam investimentos, firmam contratos internacionais e organizam cadeias de suprimentos globais. O que diferencia estruturas seguras das frágeis é a consistência jurídica, a narrativa documental e a aderência entre forma e realidade.

A atuação do Chambarelli Advogados tem demonstrado que uma arquitetura jurídica internacional bem construída é capaz de reduzir riscos fiscais no Brasil, ampliar a eficiência operacional e oferecer previsibilidade para expansão global. O desafio não é constituir uma companhia em Delaware — isso qualquer agente faz em minutos. O desafio é transformá-la em uma entidade economicamente válida, coerente com o propósito do grupo e blindada contra interpretações fiscais que possam caracterizar a operação como simulatória.

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Entenda como estruturas societárias com holdings podem reduzir a tributação sobre dividendos, evitar retenção de IRRF e ampliar a eficiência patrimonial e sucessória da empresa. Análise jurídica completa pela equipe do Chambarelli Advogados.


Nos últimos anos, a discussão sobre a tributação de dividendos ganhou centralidade no debate empresarial brasileiro. A recorrente ameaça de retomada da tributação — somada ao avanço de propostas legislativas que buscam redefinir o conceito de distribuição de resultados — produziu um ambiente de incerteza para empresários, investidores e grupos familiares. Nesse cenário, a constituição de holdings deixou de ser um mecanismo restrito à organização patrimonial para se tornar uma ferramenta robusta de planejamento tributário preventivo, especialmente diante da sistemática de retenção do IRRF exclusiva para pessoas físicas.

A legislação brasileira, hoje, assegura que a distribuição de lucros para pessoas jurídicas não sofre retenção de IRRF. A retenção na fonte alcança apenas pessoas físicas, conforme o próprio regime jurídico do Imposto de Renda. Esse ponto — frequentemente negligenciado — permite que o contribuinte reorganize sua estrutura societária de modo a proteger o fluxo financeiro dos dividendos, mantendo o reinvestimento dentro do próprio grupo econômico e adiando (ou eliminando) a incidência tributária sobre a pessoa física.

É nesse contexto que emerge a figura da holding como elemento estruturante do planejamento. Quando a empresa operacional é integralmente detida por uma holding, a distribuição de lucros é direcionada à pessoa jurídica controladora sem incidência de IRRF, sem resíduo tributário e sem impacto imediato na pessoa física dos sócios. O resultado financeiro deixa de ser direcionado para o consumo pessoal e passa a integrar o ecossistema societário do grupo.

Mais do que evitar a retenção, essa arquitetura permite capitalizar a própria holding, transformando os dividendos em recursos disponíveis para expansão do grupo, aquisição de participações societárias, compra de imóveis para locação ou exploração econômica, financiamento de operações internas, aquisição de bens estratégicos e reorganizações patrimoniais. Não há vedação legal para que a holding realize investimentos ou opere de forma multifinalitária, desde que respeitados seus objetivos sociais e a substância econômica das operações — ponto continuamente reforçado pela jurisprudência administrativa e judicial.

Por isso, a discussão sobre “holding patrimonial”, “holding de participação” ou “holding mista” perde relevância quando analisamos a premissa fundamental: o sistema tributário não tributa dividendos entre pessoas jurídicas, e esse fluxo pode ser utilizado para construir valor dentro do próprio grupo econômico. A estrutura confere racionalidade à tomada de decisão e reduz a exposição tributária da pessoa física, que passa a decidir quando, como e se deseja internalizar os recursos como rendimento próprio.

O entendimento já consolidado pela Receita Federal reforça que a isenção da distribuição é plenamente aplicável às pessoas jurídicas receptoras dos lucros, preservando a lógica de neutralidade intragrupo. Sendo assim, a constituição da holding não representa artificialidade, mas sim exercício legítimo de organização empresarial, amparado pelo princípio da liberdade de iniciativa e pela autonomia patrimonial das pessoas jurídicas.

Há, ainda, um segundo nível de eficiência: quando o patrimônio — especialmente bens imóveis — é alocado na holding, o grupo obtém ganhos colaterais, como separação entre risco operacional e patrimônio, simplificação da sucessão, centralização de decisões societárias e acesso facilitado a instrumentos de reorganização societária (cisões, incorporações, aportes, alienações de quotas, segregação de atividades etc.).

Por isso, é equivocado tratar holdings como mecanismo exclusivo de blindagem patrimonial ou de antecipação sucessória. Na prática contemporânea, elas se tornaram o núcleo de racionalidade tributária dos grupos empresariais, sobretudo em um país que ainda não equacionou regras estáveis sobre tributação de dividendos.

Para empresas que distribuem lucros regularmente, a constituição de uma holding permite que esses valores permaneçam no ambiente corporativo, sem a erosão decorrente da tributação na pessoa física. A medida, embora simples do ponto de vista formal, exige análise técnica específica: definição do tipo societário, redação do objeto social, estrutura de capital, política de distribuição de resultados, compliance contábil e parametrização das operações intragrupo.

A equipe do Chambarelli Advogados tem observado que a adoção da holding, quando integrada a uma arquitetura jurídica consistente, produz ganhos imediatos de eficiência fiscal, governança e segurança jurídica — e representa hoje uma das principais respostas estratégicas à incerteza legislativa sobre os dividendos.

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O Banco Central do Brasil (BCB) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicaram, em 28 de novembro de 2025, a Resolução Conjunta nº 16/2025, estabelecendo regras específicas para a prestação de serviços no modelo Banking as a Service (BaaS).

A equipe do Chambarelli Advogados analisou a norma e preparou um resumo objetivo dos pontos mais relevantes para instituições financeiras, fintechs e empresas que utilizam infraestrutura bancária integrada.


1. O que é o BaaS segundo a nova regulamentação

A norma define de maneira clara os participantes e o escopo da relação:

  • Instituição prestadora de BaaS: banco ou instituição de pagamento autorizada pelo BCB, responsável direta pelos serviços financeiros.

  • Entidade tomadora de BaaS: empresa que utiliza infraestrutura da prestadora para oferecer produtos financeiros aos seus próprios clientes.

  • Cliente: pessoa física ou jurídica que contrata tanto os serviços financeiros (com a prestadora) quanto os serviços ofertados pela tomadora.

A regulação também esclarece que modelos como correspondentes bancários, cloud, Open Finance e subcredenciadores não se enquadram como BaaS.


2. Quais serviços podem ser ofertados via BaaS

O contrato de BaaS pode abranger apenas serviços financeiros e de pagamento, como:

  • abertura, manutenção e encerramento de contas (à vista, poupança, pré-pagas e pós-pagas);

  • pagamentos vinculados a essas contas;

  • credenciamento para aceitação de instrumentos de pagamento;

  • operações de crédito (oferta, contratação, administração e cobrança).

Um ponto central: todas as contas devem ser abertas em nome do cliente na instituição prestadora, e não na tomadora.


3. Regras de contratação e governança

A instituição prestadora deve incorporar o BaaS às suas políticas de:

  • gestão de riscos,

  • controles internos,

  • segurança da informação,

  • governança corporativa.

Antes de contratar a tomadora, a instituição deve avaliar sua capacidade técnica, financeira e operacional, além de exigências relacionadas à proteção de dados, prevenção à lavagem de dinheiro e prevenção a fraudes.

Também ficam proibidos:

  • contratos que tentem “disfarçar” atividades típicas de correspondentes;

  • tomadoras com contratos ativos de BaaS para o mesmo tipo de conta com outra prestadora (salvo casos dentro do mesmo conglomerado);

  • uso, pela tomadora, de nomenclaturas que sugiram ser instituição autorizada pelo Banco Central.


4. Responsabilidades: PLD/FT, crédito e atendimento

A instituição prestadora continua sendo a principal responsável perante o regulador, especialmente em temas como:

  • identificação e qualificação de clientes;

  • análise de perfil de risco;

  • prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo;

  • prevenção a fraudes;

  • conformidade com as regras de crédito;

  • atendimento das demandas dos clientes finais dos serviços financeiros.

A tomadora pode executar atividades auxiliares, mas não assume responsabilidades regulatórias.


5. Transparência obrigatória ao usuário final

A Resolução determina que o cliente deve conseguir identificar, com clareza:

  • qual instituição financeira presta o serviço;

  • qual empresa está oferecendo a solução (a tomadora).

Essa identificação deve constar em aplicativos, sites, contratos, documentos e cartões. A tomadora também deve informar que não é instituição autorizada pelo Banco Central, quando aplicável.


6. Monitoramento e controles

As instituições que operam BaaS devem implementar mecanismos de:

  • auditoria periódica,

  • métricas e indicadores de desempenho,

  • monitoramento da qualidade de atendimento,

  • avaliação de reclamações,

  • supervisão de sistemas integrados.

A norma permite ao Banco Central impor restrições, suspender ou determinar o encerramento do contrato caso identifique riscos relevantes ao Sistema Financeiro Nacional.


7. Prazos de adequação

A resolução já está em vigor, mas contratos atualmente operacionais que se enquadrem como BaaS devem ser ajustados até 31 de dezembro de 2026.


8. O que as empresas devem fazer agora

Segundo o Chambarelli Advogados, as instituições e empresas que atuam com BaaS devem, desde já:

  • revisar contratos para adequação ao novo marco regulatório;

  • ajustar fluxos financeiros e estruturas tecnológicas para garantir transparência e compatibilidade com a norma;

  • revisar políticas internas de risco, segurança e compliance;

  • adaptar canais de comunicação e interfaces com o cliente;

  • reorganizar governança e responsabilidades operacionais.


Conclusão

A regulamentação do Banking as a Service representa um marco fundamental para o ecossistema financeiro brasileiro. Com regras claras, responsabilidades definidas e foco na proteção ao consumidor, o Banco Central fortalece a segurança jurídica e prepara o terreno para uma nova etapa de crescimento e profissionalização do BaaS no país.

O Chambarelli Advogados está acompanhando de perto a implementação da norma e está à disposição para apoiar instituições financeiras, fintechs e empresas de tecnologia na adequação a este novo cenário regulatório.

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O Banco Central do Brasil (BCB), em conjunto com o Conselho Monetário Nacional (CMN), estabeleceu, por meio da Resolução Conjunta nº 16/2025, um marco regulatório específico para o Banking as a Service (BaaS). A norma consolida o modelo em que instituições financeiras e de pagamento disponibilizam infraestrutura regulada para que empresas não financeiras ofereçam serviços de conta, pagamento, crédito e adquirência diretamente aos seus clientes.

A regulamentação surge com um duplo objetivo: mitigar riscos ao consumidor e às instituições envolvidas, e conferir segurança jurídica e padronização a um segmento que vinha se expandindo rapidamente. Ao mesmo tempo, preserva a competitividade, a inovação e o acesso a serviços financeiros integrados em plataformas digitais.


1. O que é BaaS na visão do regulador

A norma define de forma precisa os papéis envolvidos no modelo:

  • Instituição prestadora de serviços de BaaS: instituição financeira, instituição de pagamento ou outra entidade autorizada a funcionar pelo Banco Central, responsável pela efetiva prestação dos serviços financeiros e de pagamento.

  • Entidade tomadora de serviços de BaaS: a empresa que, integrada tecnologicamente à instituição prestadora, oferece esses serviços aos seus clientes finais.

  • Cliente: pessoa física ou jurídica que mantém relação simultânea com a tomadora (pelos serviços não financeiros) e com a instituição prestadora (pelos serviços bancários e de pagamento).

A resolução também esclarece expressamente o que não é BaaS — como atividades de correspondentes, serviços de computação em nuvem, arranjos de pagamento e parcerias do Open Finance.


2. Quais serviços podem ser prestados via BaaS

Os contratos de BaaS devem abranger exclusivamente serviços financeiros e de pagamento, tais como:

  • abertura, manutenção e encerramento de contas (à vista, poupança, pré-pagas e pós-pagas);

  • serviços de pagamento vinculados a essas contas;

  • credenciamento para aceitação de instrumentos de pagamento;

  • operações de crédito;

  • serviços adicionais que venham a ser regulamentados futuramente.

Pontos críticos estabelecidos pelo Banco Central:

  • as contas devem ser, obrigatoriamente, de titularidade do cliente na instituição prestadora;

  • transações de pagamento devem ter como origem ou destino essas mesmas contas;

  • operações de crédito devem ter o cliente como devedor direto da instituição prestadora.

Essas diretrizes encerram práticas que se baseavam em estruturas informais, como contas consolidadas em nome de terceiros ou fluxos financeiros que não explicitavam o titular real.


3. Regras de contratação: governança, riscos e vedações

A Resolução exige que o BaaS seja incorporado às políticas de gerenciamento de riscos, governança e controles internos das instituições autorizadas, com aprovação formal de seus órgãos de administração.

Alguns destaques relevantes:

Due diligence da tomadora

A instituição prestadora deve avaliar, antes da contratação e de forma contínua, se a tomadora possui:

  • capacidade técnica e financeira;

  • controles de segurança e proteção de dados;

  • processos compatíveis com PLD/FT e prevenção a fraudes;

  • aderência às certificações e auditorias exigidas;

  • estrutura adequada para cumprir obrigações contratuais.

Vedações específicas

A norma proíbe, entre outros pontos:

  • o uso do BaaS como substituto irregular do modelo de correspondente bancário;

  • a contratação de tomadora que já possua contrato ativo com outra prestadora para o mesmo tipo de conta, salvo em casos de pertencimento ao mesmo conglomerado;

  • o uso, pela tomadora, de nomes ou expressões que induzam o consumidor a crer tratar-se de instituição autorizada pelo Banco Central, exceto quando isso for verdade.

Essas restrições reforçam a intenção do regulador de estabelecer fronteiras claras entre atividades tecnológicas e atividades tipicamente financeiras.


4. Responsabilidades regulatórias: PLD/FT, crédito e atendimento ao cliente

A instituição prestadora de serviços de BaaS continua sendo a responsável direta perante o Banco Central pelo cumprimento das normas aplicáveis, incluindo:

  • identificação e qualificação de clientes;

  • análise de perfil de risco;

  • prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo;

  • prevenção e monitoramento de fraudes;

  • cumprimento das regras relativas às operações de crédito;

  • atendimento ao cliente final no âmbito dos serviços financeiros.

A tomadora pode executar tarefas acessórias, mas não substitui a instituição regulada. A responsabilidade regulatória permanece integralmente com a prestadora.

Além disso, a instituição deve designar um diretor responsável por assegurar o cumprimento da regulamentação específica do BaaS.


5. Transparência: fim da “instituição invisível”

A resolução estabelece regras rígidas de transparência ao cliente:

  • a instituição prestadora deve estar claramente identificada nos aplicativos, interfaces, contratos, instrumentos de pagamento e documentos;

  • a tomadora deve informar, de forma inequívoca, que não é instituição autorizada pelo Banco Central (quando aplicável);

  • o relacionamento entre prestadora e tomadora não pode dificultar a portabilidade de operações de crédito nem o encerramento da relação pelo cliente.

O Banco Central reforça a obrigação de que o cliente saiba exatamente qual instituição financeira está por trás dos serviços utilizados, corrigindo práticas de mercado que deixavam o prestador financeiro “oculto”.


6. Acompanhamento e controles: auditorias, indicadores e qualidade do serviço

A norma exige mecanismos permanentes de monitoramento e controle, incluindo:

  • processos e trilhas de auditoria;

  • métricas e indicadores de desempenho;

  • controle de qualidade do atendimento ao cliente;

  • análise de reclamações e níveis de serviço de sistemas integrados;

  • auditorias periódicas, no mínimo anuais.

A instituição prestadora pode suspender ou encerrar o contrato caso a tomadora descumpra padrões de qualidade ou gere riscos ao sistema financeiro.


7. Prazos de adequação

A Resolução entrou em vigor imediatamente, mas as instituições e empresas que já operam modelos compatíveis com BaaS terão até 31 de dezembro de 2026 para adequar contratos e procedimentos.


8. Impactos práticos: o que bancos, fintechs e empresas não financeiras precisam fazer agora

A regulamentação tem efeitos diretos sobre estratégias de produto, jurídico, tecnologia e compliance. Entre as medidas urgentes:

  • Revisão de contratos: delimitação clara de escopo, responsabilidades, segurança da informação, obrigações de transparência e regras de auditoria.

  • Revisão de fluxos financeiros: eliminação de contas consolidadas e modelos que não designem corretamente o titular da conta.

  • Alinhamento técnico-regulatório: integração das áreas de compliance, jurídico e tecnologia para garantir aderência total à norma.

  • Ajustes de branding e comunicação: identificação explícita da instituição prestadora nos canais digitais.

  • Estruturação de governança e risco: implementação de mecanismos robustos de controle e monitoramento.


Conclusão

A regulamentação do Banking as a Service marca a consolidação de um modelo que já era essencial para a inovação financeira brasileira. Ao definir responsabilidades, disciplinar o escopo dos serviços, reforçar a transparência e impor padrões elevados de governança, o Banco Central cria as bases para uma segunda onda de crescimento do BaaS, mais sólida, segura e integrada.

Para bancos, fintechs e plataformas que oferecem — ou pretendem oferecer — serviços financeiros embutidos, o momento é de ajuste estratégico e técnico, garantindo aderência plena ao novo regime regulatório e aproveitando a oportunidade de desenvolvimento sustentável do setor.

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A discussão tributária envolvendo softwares — tanto os padronizados quanto os desenvolvidos sob demanda — passou por uma transformação profunda na última década. A partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal consolidou a compreensão de que todas as modalidades de software envolvem prestação de serviços, abriu-se um novo capítulo na interpretação das regras de retenção na fonte.

Esse redesenho conceitual impactou diretamente empresas de tecnologia, desenvolvedores independentes e setores que contratam soluções digitais, obrigando uma releitura dos contratos e redefinindo quando há — ou não — incidência de IRRF e de CSLL/PIS/COFINS.


1. O ponto de partida: a antiga distinção entre “software de prateleira” e “software por encomenda”

Por muitos anos, a distinção clássica entre software padronizado e software personalizado produziu tratamentos tributários totalmente distintos.
Esse entendimento levou tanto a conflitos interpretativos quanto a autuações, especialmente no tema das retenções na fonte, já que a caracterização da atividade influenciava o enquadramento como serviço, cessão de direitos ou venda de mercadoria.

Com o julgamento do STF que redefiniu o conceito de software como serviço para fins tributários, a fronteira entre essas categorias deixou de ter relevância prática para a incidência de ISS e para a compreensão jurídica do setor.


2. Após o STF: retenções passam a depender do conteúdo do contrato (e não do tipo de software)

A Receita Federal, diante da uniformização promovida pelo STF, revisitou sua posição para ajustar o tratamento das retenções de IRRF e das contribuições sociais.
A partir daí, o elemento-chave deixou de ser o tipo de software e passou a ser a existência ou não de serviços de programação envolvidos no contrato.

O raciocínio ficou mais claro:
se o contrato prevê desenvolvimento, adaptação ou programação, há prestação de serviços técnicos qualificada — e, portanto, há retenção de IRRF e de CSLL/PIS/COFINS.

Se não há programação, restando apenas o licenciamento ou direito de uso, o pagamento não sofre retenção de IRRF.


3. Suporte e manutenção: enquadramento específico e retenções diferenciadas

Outro ponto que historicamente gerou insegurança jurídica foi o tratamento dado aos serviços de suporte técnico e manutenção de software.

A Receita passou a dividir o problema em duas frentes:

a) IRRF

Suporte e manutenção não configuram, por si só, serviços técnicos ou profissionais elencados no RIR/2018.
Por isso, não estão sujeitos à retenção de IRRF.

b) CSLL, PIS e COFINS

Para fins das contribuições sociais, porém, a conclusão foi diferente:
suporte e manutenção são considerados serviços de manutenção, o que exige retenção das contribuições pela sistemática geral prevista na legislação.

Essa distinção reforça a necessidade de contratos bem estruturados, que separem claramente licenciamento, programação e manutenção — evitando retenções indevidas ou omissões sujeitas a autuações.


4. Treinamento: atividade típica de serviço profissional

No caso dos serviços de treinamento relacionados ao uso do software, a Receita Federal é direta:
trata-se de serviço profissional expressamente previsto em lei, o que atrai tanto a retenção de IRRF quanto de CSLL/PIS/COFINS.

Ou seja, ainda que o treinamento esteja diretamente associado ao software contratado, ele possui natureza própria para fins de retenção, diferentemente do licenciamento ou do suporte.


5. O que empresas e profissionais devem fazer daqui para frente

O cenário atual exige três movimentos essenciais:

  1. Revisão dos contratos de software
    Diferenciar licenciamento, programação, manutenção e treinamento é indispensável para evitar enquadramentos equivocados.

  2. Ajuste dos fluxos de retenção
    Compreender quando cada tributo deve ou não ser retido impede tanto recolhimentos a maior quanto riscos de autuação.

  3. Alinhamento entre áreas jurídica, fiscal e comercial
    A forma como o contrato é escrito precisa ser compatível com a operação real da empresa — o que exige interação entre equipes internas e assessores externos.


Conclusão

O mercado de software vive uma fase de consolidação normativa, na qual velhas distinções perdem relevância e o foco passa a recair sobre a natureza concreta das atividades contratadas.
Para as empresas de tecnologia, isso significa mais segurança jurídica — desde que seus contratos reflitam com precisão o que é efetivamente prestado.

A atenção às regras de retenção não é apenas uma obrigação formal: é um passo estratégico para otimizar custos, mitigar contingências e fortalecer a governança tributária em um setor em constante evolução.

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O sócio Guilherme Chambarelli, advogado tributarista e cofundador do Chambarelli Advogados, publicou nesta semana um artigo na revista Medicina S/A, uma das principais referências de conteúdo estratégico para profissionais e gestores da área da saúde.

No texto, intitulado Clínicas: o que muda com o fim da isenção na distribuição de lucros, Guilherme analisa de forma objetiva e aprofundada as consequências da recente mudança legislativa que impõe tributação sobre os lucros distribuídos a médicos-sócios — um tema de enorme relevância para clínicas, consultórios e sociedades médicas em todo o país.


Durante anos, a distribuição de lucros foi a forma mais vantajosa de remunerar médicos que atuam como sócios de clínicas. O modelo era simples: a empresa pagava seus tributos e os lucros podiam ser repassados aos médicos sem qualquer tributação adicional. Esse mecanismo ajudou muitas clínicas a equilibrar custos, atrair profissionais e organizar a remuneração de forma eficiente.

Com a mudança recente na legislação, esse cenário se transforma de maneira relevante. A distribuição de lucros deixa de ser isenta e passa a ser tributada na pessoa física dos médicos, mesmo quando o profissional trabalha diretamente no objeto social e recebe parte do rendimento como pró-labore e parte como lucros. Isso altera a lógica financeira que sustentou o funcionamento de inúmeras clínicas pelo país.

O impacto é especialmente forte no setor médico porque boa parte das sociedades foi estruturada justamente com base nessa eficiência tributária. Em muitas clínicas, o pró-labore era mantido no mínimo necessário e o restante da remuneração era distribuído como lucro. Agora, se nada for ajustado, a carga tributária do médico tende a aumentar e a margem da clínica pode diminuir.

Diante desse novo cenário, muitos negócios precisarão repensar sua estrutura interna. Algumas clínicas terão de revisar o regime tributário adotado, reavaliar o contrato social e até ajustar a forma de remuneração entre os sócios. Modelos mistos — que combinem pró-labore, distribuição racional de lucros, participação em resultados e benefícios — devem se tornar mais comuns. Outras poderão adotar centros de resultado internos, organizando de forma mais precisa o que cada especialidade, sala ou profissional gera para o negócio, criando uma divisão mais justa e estratégica.

Também volta ao debate a possibilidade de sociedades uniprofissionais, mas apenas para casos específicos em que a prestação seja totalmente pessoal e técnica, sem características empresariais. É uma alternativa que pode funcionar para alguns, mas não serve para a maioria das clínicas que já operam como verdadeiros negócios de saúde.

Em termos práticos, a mudança exige que cada médico entenda algo simples: o modelo antigo, baseado fortemente na distribuição isenta, não se sustenta mais. Quem continuar operando do mesmo jeito terá perda financeira. Quem ajustar a estrutura terá mais previsibilidade e poderá até melhorar sua organização interna, reduzindo conflitos entre sócios, clarificando responsabilidades e tornando a gestão mais profissional.

A tributação dos lucros não representa o fim das empresas médicas, mas sim o fim de um modelo que funcionou bem por muito tempo. A partir de agora, clínicas que desejam permanecer competitivas precisarão apostar em governança, eficiência e transparência. Médicos que são sócios terão de encarar sua clínica não apenas como um consultório ampliado, mas como um negócio que exige organização, estratégia e planejamento.

O futuro das clínicas médicas será menos sobre “como pagar menos imposto” e mais sobre “como estruturar melhor o negócio”. E, para muitos, isso pode ser uma excelente oportunidade de evolução.

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A discussão sobre a inclusão do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECP) na base de cálculo do PIS/Cofins ganhou um novo capítulo relevante — e com participação direta do Chambarelli Advogados. A decisão obtida por nossa equipe foi destaque no ConJur, maior portal jurídico do país, reforçando a relevância institucional do tema para o contencioso tributário nacional.

Em recente julgamento, o desembargador William Douglas Resinente dos Santos, do TRF da 2ª Região, reconheceu que o FECP é juridicamente um adicional inseparável do ICMS e, por isso, deve ser excluído da base das contribuições, nos termos do Tema 69 do STF, a conhecida “tese do século”.

A medida foi concedida em sede de tutela recursal a favor de uma grande atacadista do Rio de Janeiro, representada pela nossa equipe, afastando imediatamente uma exigência fiscal indevida que comprometia o fluxo de caixa da empresa. A decisão também reforça um ponto essencial: a Solução de Consulta Interna Cosit nº 61/2024, da Receita Federal, não possui força para alterar o entendimento consolidado pelo Supremo, nem vincula o Poder Judiciário.

O reconhecimento judicial de que o FECP não compõe a receita do contribuinte — e, portanto, não integra a base do PIS/Cofins — reafirma a importância de uma atuação técnica e estratégica na defesa tributária, sobretudo diante de tentativas administrativas de reabrir discussões já pacificadas pelo STF.


FECP é adicional do ICMS e deve ser excluído da base de Pis/Cofins

Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECP) é mero adicional da alíquota do ICMS, sendo juridicamente inseparável do imposto principal. Sua exclusão da base de cálculo do PIS/Cofins decorre, portanto, do Tema 69 do Supremo Tribunal Federal, a chamada “tese do século”, que fixou o entendimento de que o ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte e não constitui receita ou faturamento.

Com esse entendimento, o desembargador William Douglas Resinente dos Santos, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, suspendeu, em sede de tutela recursal, a inclusão do FECP na base do PIS/Cofins de uma atacadista de alimentos do Rio de Janeiro, que havia sido obrigada a incluir a contribuição no cálculo dos tributos.

O FECP é um mecanismo de arrecadação vinculado ao ICMS, criado para financiar políticas públicas de redução da pobreza e das desigualdades sociais. Ele é cobrado como um adicional de até 2% sobre a alíquota do ICMS em operações com produtos e serviços considerados supérfluos ou de maior impacto social, como bebidas, cigarros e bens de luxo.

A ação ajuizada pela atacadista foi inicialmente submetida à 35ª Vara Federal do Rio de Janeiro, mas o pedido de liminar foi rejeitado sem análise de mérito, com a justificativa de que a empresa não havia demonstrado a possibilidade de iminente dano de difícil ou impossível reparação.

A atacadista recorreu ao TRF-2 defendendo que a inclusão do FECP na base do Pis/Cofins contraria a jurisprudência consolidada e que a manutenção da exigência ilegal impunha o ônus de continuar recolhendo contribuições sobre base de cálculo indevida, o que impactava o fluxo de caixa da empresa.

O desembargador deu razão à empresa. Além de concordar que o entendimento da “tese do século” deve ser aplicado ao caso, o julgador citou precedentes para esclarecer que o tema não pode ser julgado à luz da Solução de Consulta Cosit 61/2024, da Receita Federal.

Essa normativa determinou que o valor do FECP não dever ser excluído das bases de cálculo do Pis/Cofins, mas tem validade apenas no âmbito da própria administração, sem efeito vinculante no Judiciário.

“O FECP não integra a base de cálculo das contribuições sociais, aplicando-se o mesmo entendimento exarado no RE 574.706 do STF”, concluiu.

O advogado Guilherme Chambarelli, do escritório Chambarelli Advogados, atuou em favor da atacadista.