
No intricado universo da tributação brasileira, onde cada percentual pode representar significativa diferença no resultado financeiro de uma empresa, a possibilidade de clínicas oftalmológicas se beneficiarem da chamada “equiparação hospitalar” merece atenção especial. Trata-se de uma estratégia legítima e reconhecida pela Receita Federal, capaz de reduzir a carga tributária incidente sobre os lucros presumidos dessas clínicas — desde que certos requisitos sejam cumpridos com rigor.
Para fins de apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) no regime de lucro presumido, a legislação brasileira estabelece alíquotas diferenciadas para a base de cálculo conforme a atividade econômica exercida. Serviços em geral, como consultas médicas, têm a base de presunção de 32%. Já os chamados serviços hospitalares podem aplicar um percentual significativamente menor: 8% para o IRPJ e 12% para a CSLL.
Essa redução encontra respaldo no art. 15 da Lei nº 9.249/1995 e é detalhada na Solução de Consulta COSIT nº 145/2018, vinculante no âmbito da Receita Federal. O cerne da questão, portanto, é saber se uma clínica oftalmológica pode ser considerada prestadora de “serviços hospitalares” — e a resposta, ao contrário do que muitos imaginam, pode ser positiva.
Segundo o entendimento da Receita Federal, clínicas que:
Oferecem estrutura ambulatorial com capacidade para realização de exames e cirurgias, com uso de equipamentos especializados;
Estão organizadas como sociedades empresárias, formalmente constituídas com fins lucrativos;
Atendem às normas da Anvisa, especialmente às disposições contidas na RDC nº 50/2002, em especial os grupos de atividades 1 a 4 (que incluem assistência médica ambulatorial com procedimentos cirúrgicos e exames complementares);
têm direito à aplicação do percentual reduzido de presunção, desde que comprovem essa estrutura de forma robusta.
As clínicas oftalmológicas muitas vezes vão além da consulta simples: realizam exames de imagem, intervenções com laser, pequenas cirurgias e procedimentos que requerem salas esterilizadas e estrutura técnica análoga à de hospitais de pequeno porte.
A Receita Federal já reconheceu, expressamente, que clínicas de oftalmologia estruturadas dessa forma se enquadram nos critérios da equiparação hospitalar, como reforçado na Solução de Consulta mencionada. Isso significa que a presunção de 8% (IRPJ) e 12% (CSLL) pode ser aplicada sobre a receita bruta, reduzindo sensivelmente a carga tributária.
O benefício fiscal exige cautela. O fisco é claro ao exigir comprovação técnica e documental da estrutura hospitalar. Isso inclui:
Registro sanitário e licenciamento conforme normas da Anvisa;
Contratação de corpo clínico e técnico habilitado;
Infraestrutura mínima exigida para procedimentos cirúrgicos e exames;
Documentação societária que comprove a natureza empresária da sociedade.
Em outras palavras, a adoção dessa estratégia exige uma due diligence interna, para garantir que todos os critérios estejam devidamente atendidos e documentados.
A equiparação hospitalar não é uma brecha, mas sim uma interpretação legítima do ordenamento tributário, que visa reconhecer a complexidade e o investimento envolvidos em determinados serviços médicos.
Para clínicas oftalmológicas que atendem aos critérios técnicos e legais, trata-se de uma oportunidade de planejamento tributário eficiente, capaz de gerar economia fiscal e ampliar a margem operacional.