
No universo do Direito Tributário, poucos temas revelam com tamanha nitidez a tensão entre forma e substância quanto à tributação de serviços de saúde como o debate sobre o enquadramento de determinadas atividades médicas no conceito de “serviços hospitalares” para fins de aplicação do lucro presumido.
O Acórdão nº 9101-003.321 da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do CARF representa um marco decisivo nesse debate, ao reafirmar, com base em precedente do STJ (REsp 1.116.399/BA), que o conceito de serviços hospitalares deve ser interpretado de maneira objetiva – ou seja, a partir da natureza da atividade prestada, e não da estrutura física ou do tipo societário da prestadora.
A controvérsia, neste caso, orbitava em torno da possibilidade de uma empresa que presta serviços de diagnóstico por imagem — como ressonância magnética, tomografia e outros exames de apoio ao diagnóstico — ser tributada com base no coeficiente de 8% do lucro presumido, reservado, segundo a redação da Lei nº 9.249/95, à atividade de “serviços hospitalares”.
Durante anos, o Fisco defendeu uma leitura restritiva da norma, exigindo estrutura física de internação e características típicas de hospitais para que o benefício fiscal fosse reconhecido. Tal interpretação, baseada em critérios subjetivos, parecia desconsiderar a teleologia da norma e sua inspiração extrafiscal: fomentar serviços que impactam diretamente a saúde pública.
Foi necessário que o Superior Tribunal de Justiça, no já célebre julgamento do REsp 1.116.399, revisitasse o tema e propusesse uma mudança de paradigma. Em sua decisão, o STJ estabeleceu que, para fins do benefício fiscal, o relevante é a natureza assistencial da atividade, e não sua roupagem societária ou infraestrutural. A jurisprudência passou a reconhecer que serviços voltados à promoção da saúde – ainda que prestados fora de hospitais ou sem capacidade de internação – também podem ser considerados hospitalares para fins tributários.
No caso concreto analisado pelo CARF, a empresa autuada operava exclusivamente com serviços médicos por imagem. Ainda assim, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional recorreu com o argumento de que tais atividades não estariam abarcadas pela decisão do STJ. A CSRF, no entanto, firmou posição coerente com o entendimento judicial já consolidado: desde que o serviço esteja ligado à promoção da saúde e demande aparato técnico e humano qualificado — típico de estruturas hospitalares — deve ser reconhecida a aplicação do coeficiente de 8%.
Essa decisão reafirma um importante princípio da tributação: não se deve punir a eficiência. Ignorar o avanço das clínicas especializadas e sua relevância no atendimento à população seria, na prática, impor um ônus fiscal indevido àqueles que contribuem com inovação e capilaridade ao sistema de saúde.
Na prática, o julgado representa não apenas um alívio tributário para milhares de empresas do setor de diagnóstico, mas também uma diretriz interpretativa essencial para o futuro. Ele nos ensina que o Direito Tributário, embora técnico, deve se manter alinhado com as transformações da sociedade e com os valores constitucionais que o informam.
No fim, quando se trata de tributar a saúde, a forma não pode se sobrepor à função. A prevalência do critério objetivo, como reconhecido pelo STJ e reafirmado pelo CARF, é um passo relevante para a construção de um sistema tributário mais justo, previsível e coerente com a realidade do século XXI.
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