O Projeto de Lei nº 1.087/2025 marca o movimento mais relevante de reestruturação da tributação da renda das pessoas físicas e dos dividendos desde a reforma dos anos 1990. O texto altera as Leis nº 9.250/1995 e nº 9.249/1995, com efeitos a partir de 1º de janeiro de 2026, e propõe uma engenharia fiscal que busca conciliar justiça distributiva, simplificação progressiva e equilíbrio federativo.
O debate, entretanto, não é meramente contábil: é estrutural. Reconfigura o desenho do IRPF e reintegra os dividendos à lógica da tributação direta — até então um dos maiores vazios da matriz fiscal brasileira.
A primeira camada da proposta é a redução do imposto de renda da pessoa física. A partir de 2026, o contribuinte com rendimentos mensais de até R$ 5.000,00 será integralmente isento. Entre R$ 5.000,01 e R$ 7.350,00, haverá uma redução linear e decrescente, até o esgotamento do benefício.
Acima desse limite, a tributação segue o modelo tradicional, sem reduções. O mesmo redutor se aplicará ao décimo terceiro salário, reforçando a coerência da tabela mensal.
No ajuste anual, o benefício se estende: isenção total até R$ 60.000,00 por ano e redução progressiva até R$ 88.200,00. A lógica é eliminar o degrau fiscal que penaliza a classe média e alinhar a tributação efetiva à capacidade contributiva real.
O núcleo disruptivo do PL está na reintrodução da tributação sobre dividendos. Desde 1996, os lucros distribuídos pelas pessoas jurídicas estavam isentos — uma exceção global que distorceu a relação entre capital e trabalho.
O novo modelo institui retenção na fonte de 10% sobre os lucros e dividendos acima de R$ 50.000,00 mensais pagos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física.
A base de cálculo é bruta: não admite deduções. Havendo múltiplos pagamentos no mês, o imposto deve ser recalculado considerando o total recebido.
A transição é protegida: dividendos referentes a lucros apurados até 2025, cuja distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro de 2025, continuam isentos, desde que pagos conforme o cronograma deliberado.
O mesmo regime de retenção de 10% se aplica a remessas de dividendos ao exterior, excetuando governos estrangeiros com reciprocidade, fundos soberanos e entidades previdenciárias internacionais.
O projeto cria, ainda, um regime de tributação mínima anual para pessoas físicas com rendimentos superiores a R$ 600.000,00 por ano.
A base é ampla: considera rendimentos tributáveis, exclusivos e isentos, com exclusões restritas — como poupança, LCI, LCA, fundos imobiliários e Fiagro com mais de 100 cotistas, indenizações e rendimentos de debêntures incentivadas.
A alíquota mínima é progressiva entre 0% e 10% para rendas entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão, e 10% fixa acima desse patamar. O valor pago poderá ser compensado com o IRPF já recolhido, retido ou pago de forma definitiva.
A sistemática representa uma tentativa de evitar a erosão da base tributária pelo fracionamento artificial de rendimentos ou pela concentração de receitas em fontes isentas.
O texto inova ao criar um mecanismo de redutor automático quando a carga total (empresa + pessoa física) ultrapassar o teto das alíquotas nominais combinadas.
O limite é de 34% para empresas em geral, 40% para seguradoras e instituições financeiras não bancárias e 45% para bancos.
Na prática, o contribuinte poderá reduzir o imposto devido na pessoa física quando demonstrar que a soma das alíquotas efetivas do IRPJ e da CSLL, somadas à tributação mínima sobre dividendos, supera o teto legal.
O cálculo parte das demonstrações financeiras da pessoa jurídica, podendo ser feito com base consolidada ou, no caso de empresas fora do lucro real, por meio de um cálculo simplificado do lucro contábil, limitado a despesas específicas (folha, aluguel, juros e depreciação).
Trata-se de um antídoto técnico contra o risco de bitributação econômica, preservando a coerência entre as esferas jurídica e contábil da renda.
Para dividendos pagos a beneficiários no exterior, o projeto assegura um crédito tributário compensável, quando a soma do IRPJ + CSLL + IRRF de 10% exceder os tetos de 34%, 40% ou 45%.
O crédito será pleiteado pelo beneficiário em até 360 dias após o encerramento do exercício e regulamentado pelo Executivo. A medida busca preservar a atratividade do país para investidores estrangeiros, sem romper a paridade tributária com o investidor nacional.
A redução do IRPF — que impacta diretamente as receitas da União — será compensada pelo aumento da arrecadação decorrente da tributação de dividendos e da tributação mínima sobre altas rendas.
Esse incremento se refletirá nos Fundos de Participação dos Estados e Municípios, e, caso o aumento não seja suficiente, a União assumirá a compensação trimestralmente.
Além disso, o excedente arrecadado servirá como fonte de compensação para a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), conforme os mecanismos da Reforma Tributária.
A nova sistemática exigirá um redesenho do compliance tributário empresarial.
Empresas precisarão:
controlar o somatório mensal de dividendos pagos a cada CPF;
recalcular a retenção de 10% quando houver múltiplos pagamentos;
manter demonstrações financeiras consistentes com as normas contábeis;
e declarar corretamente as informações à Receita Federal, que poderá pré-preencher os dados do contribuinte pessoa física com base nesses registros.
Para grupos empresariais e holdings familiares, a atenção deve se voltar à governança societária e contábil, especialmente quanto ao alinhamento entre lucros apurados, distribuição deliberada e documentos comprobatórios.
O PL dos Dividendos é ambicioso. Corrige um desequilíbrio histórico — a não tributação da renda do capital —, mas o faz com um arcabouço de alta complexidade técnica.
A promessa é de equidade: quem ganha menos paga menos, quem ganha mais paga mais, inclusive sobre dividendos.
O risco é de congestionamento operacional, caso empresas e contribuintes não estejam preparados para a sobreposição entre a tributação mínima, o redutor e as novas obrigações acessórias.
A proposta recoloca o Brasil no eixo das economias que tributam o rendimento de forma abrangente, mas com o desafio de garantir segurança jurídica e neutralidade econômica.
Mais do que um ajuste de alíquotas, trata-se de uma reforma de princípios: submeter o capital à mesma lógica da renda, reequilibrar o pacto federativo e aproximar o sistema tributário da realidade contemporânea.
O impacto será profundo — e exigirá das empresas e investidores arquitetura jurídica, contábil e estratégica.
No ambiente de 2026, o compliance fiscal deixará de ser apenas uma obrigação: será uma vantagem competitiva.
Chambarelli Advogados acompanha de forma integrada as discussões do PL dos Dividendos e seus desdobramentos sobre pessoas físicas, holdings, sociedades empresárias e estruturas patrimoniais.
Nosso time de Arquitetura Jurídica™ oferece análises estratégicas para adequação tributária e planejamento de distribuição de lucros sob o novo regime.
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