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Tributação de lucros, dividendos e planejamento societário na era pós-reforma

12/11/2025

Guilherme Chambarelli

A aprovação do Projeto de Lei nº 1.087/2025 pelo Senado em 5 de novembro de 2025 encerra um ciclo de quase três décadas de isenção sobre dividendos e inaugura um regime que reposiciona o papel da tributação da renda no Brasil. O texto aguarda apenas sanção presidencial para entrar em vigor em 1º de janeiro de 2026 e, embora prometa maior progressividade e alinhamento internacional, produz incertezas significativas para estruturas empresariais, holdings, empresas familiares e investidores estrangeiros.

O novo arcabouço altera simultaneamente a tributação da renda das pessoas físicas, o tratamento dos lucros distribuídos e a lógica do planejamento societário. Nenhuma organização que distribui resultados, direta ou indiretamente, permanecerá imune aos efeitos dessa mudança.

1. O novo desenho da tributação da pessoa física: mais progressividade, mais complexidade

O PL eleva as faixas de isenção e alívio tributário para contribuintes de baixa e média renda. Em contrapartida, institui a chamada Minimum Tax, que impõe uma tributação mínima de 10 por cento sobre indivíduos com rendimentos elevados.

A apuração do Minimum Tax envolve consolidação de rendimentos, ganhos e deduções em um modelo que aproxima o Brasil de experiências internacionais, mas impõe elevada sofisticação técnica ao contribuinte. Na prática, cria uma janela de planejamento tributário completamente nova, especialmente porque créditos decorrentes da tributação na pessoa jurídica podem reduzir ou mesmo eliminar o impacto da tributação adicional.

O resultado é um regime simultaneamente mais progressivo e mais oneroso do ponto de vista operacional, cuja compreensão exige integração entre a contabilidade societária, o planejamento fiscal e a governança.

2. A tributação dos dividendos: um retorno com novos contornos

Após vigorar desde 1996 a regra de isenção generalizada, os dividendos pagos a pessoas físicas residentes no Brasil estarão sujeitos ao Imposto Retido na Fonte (IRRF) de 10 por cento quando superarem os limites legais. O regime também alcança dividendos pagos a não residentes, reforçando a tendência internacional de evitar estruturas artificiais de diferimento.

A inovação mais relevante consiste na criação do Tax Credit Relief, mecanismo que devolve parte do imposto retido caso a soma da tributação corporativa e do IRRF exceda a alíquota nominal aplicável. O objetivo declarado é evitar efeitos confiscatórios e manter a competitividade do investimento estrangeiro no país.

Embora promissor, o modelo ainda depende de regulamentação e levanta questões essenciais sobre apuração de taxas efetivas, retificação de declarações, efeitos de prejuízos fiscais, consolidação de grupos econômicos e o papel dos ativos e passivos fiscais diferidos.

A ausência dessas definições impede, por ora, a construção de estratégias de mitigação de carga tributária em nível societário, ao mesmo tempo em que insere as empresas em um ambiente ineditamente litigioso.

3. Dividendos de não residentes e o fim da neutralidade internacional

A sujeição dos dividendos destinados a não residentes ao IRRF de 10% representa uma ruptura com o modelo brasileiro das últimas décadas e desafia estruturas que se baseavam na isenção como elemento de atração de capital internacional.

A inexistência, até o momento, de regras claras para restituição do crédito excedente e a necessidade de peticionamento específico perante a Receita Federal cria um ambiente de incerteza regulatória. Há riscos relevantes de demora, controvérsia e assimetria entre investidores residentes e estrangeiros.

Do ponto de vista macroeconômico, a omissão do PL quanto à interação com tratados internacionais contra a dupla tributação tende a gerar disputas sobre créditos compensáveis no exterior, sobretudo em jurisdições de alta tributação.

4. Retained profits: o ponto mais sensível do novo regime

A transição prevista no PL determina que lucros apurados até 31 de dezembro de 2025 poderão ser distribuídos com isenção desde que a deliberação societária ocorra até a mesma data e que o pagamento observe os prazos previstos nos atos societários.

Essa redação, embora bem-intencionada, colide frontalmente com a Lei das Sociedades por Ações, que exige pagamento no prazo de 60 dias, salvo deliberação em contrário, além de demandar coerência entre a deliberação e a disponibilidade financeira da sociedade. Para sociedades limitadas, a lacuna é ainda maior.

O dispositivo cria incentivos a deliberações artificiais, acelerações de distribuição e potenciais litígios. Também abre espaço para discussão constitucional, já que pode caracterizar violação ao princípio da irretroatividade tributária se, na prática, impedir ou restringir a distribuição de lucros gerados em exercícios anteriores.

Empresas que não dispõem de liquidez imediata para distribuir lucros acumulados podem enfrentar a difícil escolha entre:
i. distribuir artificialmente sem caixa,
ii. financiar a distribuição com endividamento, ou
iii. suportar tributação retroativa sobre resultados pretéritos.

O impacto financeiro e jurídico dessa escolha transforma 2025 em um ano crítico para reorganizações societárias.

5. Os efeitos indiretos: incentivos, reorganizações, M&A e governança

O novo regime tende a redesenhar o comportamento empresarial em vários níveis:

• empresas com incentivos fiscais, regimes favorecidos ou baixa carga efetiva terão menor capacidade de gerar Tax Credit Relief a seus acionistas
• operações de M&A precisarão revisar cláusulas de locked box, earn-out e distribuição pré-closing
• reorganizações societárias devem incorporar modelagens que mitiguem impactos da consolidação de renda e ganhos
• estruturas familiares e holdings patrimoniais precisarão reavaliar a conveniência de distribuição versus retenção
• estruturas internacionais exigirão análise integrada com tratados e regras locais de crédito de imposto

Além disso, o sistema aproxima o Brasil de regimes de corporate tax integrados, embora sem abandonar completamente a lógica tradicional do IRPJ/CSLL. Essa coexistência traz complexidade e risco, mas também oportunidade de planejamento sofisticado para grupos econômicos.

6. O que as empresas devem fazer agora

Com a entrada em vigor prevista para 1º de janeiro de 2026, a janela de planejamento é curta. As empresas devem:

  1. revisar a contabilidade societária e a posição de lucros acumulados

  2. avaliar a possibilidade e conveniência econômica de deliberação de dividendos até dezembro de 2025

  3. simular o impacto do Minimum Tax sobre seus sócios

  4. mapear cadeias societárias internacionais e efeitos sobre WHT e tratados

  5. revisar acordos de sócios, políticas de dividendos e cláusulas de distribuição

  6. modelar reorganizações societárias que reduzam exposição futura

  7. compreender efeitos sobre incentivos fiscais e regimes especiais

  8. identificar passivos potenciais decorrentes da regra de retained profits

2025 se torna, assim, um ano de reorganização profunda. O PL 1.087/2025 não apenas tributa dividendos; ele redefine a lógica de planejamento e governança empresarial no Brasil.

Conclusão: o novo regime não é apenas tributário; é estratégico

A reforma inaugura um sistema integrado, progressivo e mais complexo, que exigirá maturidade contábil, precisão jurídica e capacidade de reorganização ágil. Para empresas familiares, grupos econômicos, startups e investidores estrangeiros, o desafio é transformar incerteza normativa em estratégia empresarial.

O Brasil entra, finalmente, na era da tributação de dividendos. A pergunta que se impõe não é apenas quanto se pagará, mas como se organizar para que a tributação não inviabilize decisões econômicas legítimas.

O planejamento societário deixa de ser opcional e passa a ser elemento de sobrevivência.

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