November 16, 2022
Guilherme Chambarelli

Tributação da Economia Digital

A tributação da economia digital foi um dos assuntos mais importantes discutidos no Fórum Econômico Mundial de Davos. Como não poderia ser diferente, a comunidade jurídica também vem debatendo esse tema, que desperta diversas discussões de polêmicas.

Diversos países começam a buscar consenso sobre a forma de tributar, de forma justa e racional, esse crescente ramo da atividade econômica, que foge a todos os parâmetros até então adotados pelos tratados-modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no sentido de fixar o local da tributação.

A busca por um sistema justo de tributação e de repartição de receitas é um dos maiores desafios do momento.

O apoio de 137 países durante o Fórum de Davos, segundo informado pela OCDE, para a adoção de um plano que corrija essas distorções já dá mostra suficiente da relevância do tema, que certamente terá lugar destacado nas discussões sobre tributação internacional nos próximos anos.

A busca por um sistema justo e igualitário de tributação e de repartição de receitas que, ao mesmo tempo, não inviabilize a continuidade e o progresso da economia digital é, sem dúvida, um dos maiores desafios do momento e uma revolução na forma e nos conceitos clássicos de direito tributário internacional, forçando uma revisão integral dos paradigmas tradicionais sobre os quais foram erigidos os inúmeros tratados hoje existentes sobre a matéria.

Tributação sobre Serviços Digitais

A tributação da economia digital é um tema de profunda relevância para o cenário econômico mundial. Diversos países vêm enfrentando o desafio de encontrar um meio de tributar essas operações, considerando as suas complexidades e peculiaridades, sobretudo em virtude da facilidade de circulação de bens e riquezas em um ambiente com pouca – ou nenhuma – presença física.

Com efeito, países como Reino Unido, Itália e França instituíram um tributo sobre bens digitais, o chamado digital service tax (“DST”), cobrado sobre as receitas derivadas da prestação de determinados serviços digitais, em regra limitado a empresas com receitas globais anuais acima de determinado patamar.

Nesse cenário, o PL nº 2.358/2020 busca instituir a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a receita bruta de serviços digitais prestados pelas grandes empresas de tecnologia, que ora passamos a analisar.

O próprio texto de justificativa ao PL destacou que a proposta busca “seguir as orientações da OCDE para minimizar os possíveis efeitos deletérios dessa tributação, garantindo a compatibilidade com as regras internacionais e reduzindo os custos de conformidade e o desestímulo à inovação”, o que demonstra uma clara inspiração nesse modelo europeu.

Comentários

O texto de justificativa ao PL parte do pressuposto de que apenas grandes empresas de tecnologia que transferem os seus lucros para o exterior, mesmo realizando atividades no Brasil, serão afetadas pelo novo tributo, como se essas empresas já não fossem tributadas por aqui. Além disso, cita como exemplo diversos países europeus que instituíram um digital service tax, mencionando também o projeto BEPS, e afirma que o Brasil não poderia de fora desse movimento.

Todavia, não se pode comparar o contexto no qual se encontram os países europeus com o Brasil. Na Europa, os acordos para afastar a bitributação têm como principal pressuposto a tributação no destino e visam evitar retenções na fonte, por isso torna viável – e até mesmo necessário – um digital service tax. Por outro lado, o Brasil é conhecido pelo excesso de retenções na fonte na importação de serviços, assim, mesmo as empresas que não possuem presença física no Brasil já são tributadas.

Há também uma larga diferença em relação ao conceito de serviços adotados pelos países europeus e pelo Brasil. Ao passo que a Europa adotou um conceito negativo, ou seja, serviço é a operação com conteúdo econômico que não envolve mercadoria, o Brasil preferiu adotar um conceito positivo, que ora era consistente em uma obrigação de fazer, mas o STF já ensaia uma mudança de posicionamento.

Portanto, ao equiparar o Brasil com resto do mundo, o Projeto de Lei parte de premissas absolutamente equivocadas e que não se enquadram na realidade dos fatos. Ao contrário do afirmado na justificativa do PL, as práticas internacionais demonstram que a instituição da CIDE-Digital se demonstra incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro.

Ainda nesse sentido, o Brasil acabou adotando o tortuoso caminho da unilateralidade para a tributação da economia digital, ao passo que o mais adequado seria o multilateralismo e aguardar um tratamento uniforme e harmonioso entre os países, o que efetivamente permitiria observar todas as nuances da economia digital.

Não é demais lembrar os efeitos deletérios que a criação de mais um tributo pode gerar para a economia nacional, sobretudo se lembrarmos que essas operações já estão sujeitas, em regra, ao IRRF, CIDE-Royalties, PIS/COFINS, ISS ou ICMS e IOF. Isso sem mencionar tributos como Fust, Fistel, Funttel, Condecine, a depender do caso.

Há de ser levado em conta também os impactos que esse novo tributo pode gerar para a economia, como a elevação dos custos da operação e provável repasse do ônus ao consumidor final, bem como o desincentivo à inovação e ao crescimento dos negócios disruptivos.

Assim sendo, a proposta de um novo tributo tal como a CIDE-Digital deve ser precedida de debates na sociedade civil e os setores da economia interessados no projeto, de modo que seja produzido um estudo aprofundado sobre o tema, o que infelizmente não aconteceu.

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