O sócio Guilherme Chambarelli publicou o artigo "Os impactos da Reforma Tributária para as empresas de tecnologia" na coluna Regulação e Novas Tecnologias no Portal JOTA. Confira a íntegra do artigo:
Nos últimos anos, a Reforma Tributária tem sido um tema amplamente discutido em diversos setores da sociedade, desde o setor empresarial até o político. O objetivo é modernizar o Sistema Tributário Brasileiro, tornando-o mais justo, simples e eficiente. Enquanto isso, a tecnologia avança em uma velocidade impressionante, trazendo consigo novas formas de trabalho, negócios e interação social.
Com o surgimento de empresas de tecnologia, fica evidente que essas empresas, apesar de usarem de tecnologia de ponta, convivem com um sistema tributário antigo e ultrapassado, que muitas vezes não atende às suas necessidades específicas. A necessidade de modernização do sistema tributário torna-se ainda mais urgente diante do cenário atual, no qual a tecnologia tem um papel cada vez mais importante na economia.
Até o momento, apesar de partidos terem apresentado distintas propostas de Reforma Tributária durante os últimos governos, nenhuma delas teve aprovação definitiva. Em parte, isto se dá pois qualquer modificação dos tributos diretos e indiretos trará impactos diferentes sobre cada setor econômico afetado, o que logicamente influencia na avaliação de cada proposta, positiva ou negativa, pelos representantes destes mesmos setores no Congresso Nacional.
As propostas produzidas até o momento modificam em maior grau a tributação sobre o consumo, alterando as possibilidades de repasse de custos pela empresa contribuinte, distintas para cada setor de acordo com o tamanho da cadeia de insumos. Portanto, é possível que as receitas pela prestação de serviços de informática, sujeitas às contribuições de PIS e Cofins não cumulativos à alíquota de 3,65% , venham a sofrer aumento da carga tributária após a reforma.
Entre as possíveis Reformas, destacam-se as Propostas de Emenda à Constituição nº 45/2019 e 110/2019, que criam um Imposto não cumulativo sobre Bens e Serviços (IBS), organizado nos moldes do IVA internacional. Em maior ou menor grau, consolidam diversos tributos pré-existentes em um único, (IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS) que incidirá sobre uma base de cálculo formada por todos os possíveis bens e direitos, tangíveis e intangíveis, além de atividades de locação. Há no entanto muitas diferenças entre ambas, com a Proposta nº 110/2019 inserindo mais tributos no IBS, como IOF e CIDE-Combustíveis, extinguindo a CSLL, ampliando a base do IPVA para incluir aeronaves e embarcações, entre outras. Porém tais propostas, que recebem a maior atenção midiática entre as demais, não apresentam mudanças específicas, expressamente, para o setor de tecnologia.
Já o Projeto de Lei nº 3.887/2020, apresentado pelo Governo Federal ao Congresso, não altera a Constituição e possui disposições expressas para o setor de tecnologias. O projeto institui a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), não cumulativa e com alíquota única de 12%, sobre todos os bens e serviços, em operações internas ou importadas. A não cumulatividade será igual para todos os setores, e, portanto, eliminará a alíquota reduzida de PIS/Cofins que atualmente favorece empresas que desenvolvem e administram softwares.
A tecnologia é uma das áreas mais importantes e influentes do mundo moderno, tendo um papel fundamental em muitos setores que vão desde a agricultura até a aviação. A sociedade contemporânea depende fortemente da tecnologia para as atividades cotidianas, tornando-se quase impossível imaginar a vida sem ela. Devido a essa grande importância, a tributação da tecnologia é um assunto que merece atenção especial, pois um sistema tributário moderno é essencial para garantir que as empresas de tecnologia possam prosperar e inovar continuamente, trazendo benefícios para a sociedade como um todo.
Por isso, entendemos que não é eficiente uma Reforma Tributária que promove um tratamento idêntico para as tecnologias e outros produtos que não utilizam software, pois os primeiros necessitam de maiores investimentos em pesquisa científica para sua criação. Há um trabalho intelectual que vai muito além da simples combinação do uso de marcas para combinar diversos dispositivos, pois para competir no mercado internacional cada aparato tecnológico, que pode ser ou não tangível, necessita de constantes inovações. Logo, o Projeto de Lei nº 3.887/2020 deveria designar medidas compensatórias para estas empresas. Isto de fato ocorre?
Teoricamente, a majoração da alíquota deve ser compensada com benefícios fiscais, como o crédito tributário, a isenção de impostos, entre outros. Em alguns de seus dispositivos, o PL nº 3.887/2020 de fato isenta o pagamento de CBS em algumas ocasiões, como por exemplo a importação de máquinas e equipamentos, entre outros, realizada por cientistas e por instituições de pesquisa tecnológica, o que impacta diretamente no setor de informática (Art. 79 inciso II “f”). Mas, pela opinião de muitos especialistas, o Projeto não contempla benefícios fiscais, sobretudo créditos tributários, em volume suficiente para compensar a nova alíquota de 12% e as limitações naturais do setor. Desenvolvedores de software geralmente utilizam poucos insumos tangíveis, como maquinário, partes e peças, em comparação com as empresas do setor industrial mais robusto, o que torna necessário um maior número de créditos aproveitáveis. Isto não ocorre, pois embora o Projeto de Lei permita a apropriação de créditos da própria CBS para compensação, inclusive na importação de bens e serviços, (Art. 9º e 82) também a restringe para instituições financeiras, grupo que inclui diversas entidades, como sociedades de crédito, financiamento e investimento, que fortalecem financeiramente as instituições de pesquisa tecnológica (Art. 42).
Outro problema encontrado no texto do PL nº 3.887/2020 é o curto período de adaptação destinado ao contribuinte, de apenas seis meses, muito aquém das reais necessidades do setor. E por fim, o aumento do rol de tecnologias sujeitas à tributação, pois a CBS incluirá em sua base de cálculo, como serviços tributáveis, cessão e licenciamento, figuras frequentemente utilizadas para providenciar o direito de uso ao software. Atualmente, estas atividades não são serviços sujeitos ao PIS/Cofins interno e de Importação. Portanto, a possível reforma tributária poderá elevar uma alíquota de 0%, sobre serviços não tributados, para uma alíquota de 12%.
Concluímos após o fim desta análise que nenhuma das propostas apresentadas até o momento contempla de forma eficiente as empresas especializadas em serviços de tecnologia, que necessitam de tratamento fiscal privilegiado em relação a outras entidades para gerar a competitividade internacional que a economia brasileira necessitará obter nos próximos anos. É de preferível manter o status quo, ainda que com diversas críticas, a sustentar uma reforma tributária que não atende de fato às necessidades de um setor essencial para o desenvolvimento do país.