O sócio Guilherme Chambarelli é autor do artigo "Ilegal e inconstitucional restrição temporal no âmbito do Perse", publicado na Revista Consultor Jurídico (ConJur). Confira a íntegra do artigo abaixo:
Recentemente, a Receita Federal do Brasil publicou a IN nº 2.144/2022, que dispõe sobre a aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 4º da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, que instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).
Como já era esperado, a intepretação da Receita Federal acerca da aplicação do Perse foi bastante restritiva, o que gerou polêmicas e críticas na comunidade jurídica e no setor de eventos, bem como no de turismo.
Como adiantado, a Lei nº 14.148/2021 estabeleceu o denominado Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, consubstanciado em um conjunto de medidas com o objetivo de mitigar os impactos da Covid-19 no setor de eventos.
Dentre as medidas então estabelecidas, destaca-se a imposta pelo art. 4º, que estabeleceu alíquota zero para o PIS/Pasep, Cofins, CSLL e IRPJ, pelo prazo de 60 meses, contado do início da produção de efeitos da Lei.
O que se extrai da redação do mencionado do dispositivo é que o benefício da alíquota zero para tais tributos deveria observar os seguintes requisitos:
1) prazo de 60 meses a contar da produção de efeitos da lei; e
2) para as pessoas jurídicas mencionadas no artigo 2º da lei.
Por sua vez, da leitura do artigo 2º da Lei nº 14.148/2021, é possível concluir o seguinte:
1) empresas de evento são elegíveis aos benefícios trazidos pela lei; e
2) um ato do Ministério da Economia deve, tão somente, listar os códigos da Cnae que se enquadram na definição de "setor de eventos".
Ou seja, o que se conclui é que a legislação permitiu que o ato do Ministério da Economia dispusesse sobre os códigos da Cnae elegíveis ao benefício, e apenas isso. Em outras palavras, tal ato não poderia dispor sobre matéria diferente, sob pena de incorrer em ilegalidade.
Com o objetivo de cumprir o acima determinado, foi editada a Portaria ME nº 7.163, de 21/06/2021. Todavia, a Portaria impôs condições para enquadramento no Perse que não haviam sido estabelecidas na Lei nº 14.148/2021.
Em seu §1º, do artigo 1º, a Portaria ME nº 7.163/2021 estabeleceu que se consideram do setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive as entidades sem fins lucrativos, que já exerciam, na data de publicação da Lei n° 14.148/2021, as atividades econômicas listadas em seu Anexo I.
Ocorre que a limitação temporal, qual seja, de já exercer as atividades na data da publicação da Lei n° 14.148/2021 jamais foi uma condição imposta em lei. Vale lembrar que a Lei não permitiu que a Portaria do ME dispusesse sobre isso, eis que se limitou a afirmar que deveria apenas tratar dos códigos da Cnae.
Nesse mesmo sentido, a mais recente IN RFB nº 2.144/2022 também voltou a trazer limitação semelhante. De acordo com artigo 4º, II, "a", o benefício fiscal se restringe a empresas que já exerciam atividades econômicas constantes do Anexo I da Portaria ME nº 7.163 em 18 de março de 2022, data da publicação da derrubada do veto ao artigo 4º da Lei n° 14.148/2021.
Essa limitação temporal, no entanto, além de ilegal, vai de encontro com a própria lógica do benefício fiscal, considerando que a intenção do legislador ao criar o Perse foi beneficiar todo o setor de eventos, sem distinções temporais sobre a data de início das atividades da empresa.
Aliás, quisesse o legislador limitar a aplicação do benefício fiscal em razão de alguma data, tal data deveria ser o início da pandemia, ou seja, a data de decretação do estado de calamidade pública ou mesmo de emergência sanitária.
Por isso, não há qualquer razão que justifique o tratamento desigual entre empresas apenas por iniciarem suas atividades antes ou depois da publicação da Lei, tendo em vista que os efeitos da pandemia atingiram tanto as empresas "novas" quanto as que já existiam. A expressão "novo normal", tão falada ultimamente, sugere justamente uma mudança de comportamento da sociedade que será perene.
No caso do setor de eventos, o tal do "novo normal" exige o maior espaçamento entre o público, capacidade reduzida de pessoas e a adoção de uma série de cuidados higiênicos que antes eram ignorados. Isso tudo traz um aumento de custos para as empresas de eventos.
Desse modo, como as empresas que foram constituídas após 18 de março de 2022, que precisam tomar os mesmos cuidados que as demais empresas, irão sobreviver sabendo que seus concorrentes se encontram sem pagar diversos tributos federais por cinco anos?
Limitar a fruição da desoneração fiscal apenas para uma parcela do setor de eventos pode gerar um efeito ainda mais perverso que a própria crise instaurada pela pandemia, que é a concorrência desleal na qual um grupo terá benefícios que outro grupo não pode ter acesso.
Justamente para evitar distorções como a exposta é que o artigo 150, II, da Constituição Federal, trata da regra que veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios instituírem tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.
Logo, a restrição temporal imposta pela Portaria ME nº 7.163/2022 e confirmada pela IN RFB nº 2.144/2022 é manifestamente ilegal e inconstitucional, merecendo ser rechaçada pelo Poder Judiciário.