O portal JOTA publicou hoje, dia 05.02.2021, o artigo “Aspectos tributários do marketplace de produtos e serviços“, escrito pelo sócio Guilherme Chambarelli em coautoria com Gabriel de Sá Balbi Cervino.
Nos últimos anos, com o crescimento da digitalização da economia, experimentamos o desenvolvimento de algumas soluções inovadoras. Nesse contexto, os chamados marketplaces sugiram para aproximar os consumidores de vendedores ou prestadores de serviços, que podem adquirir o produto ou o serviço com um simples clique no celular.
Para se ter uma ideia, a Amazon bateu recorde de lucro no 3º trimestre de 2020, com um resultado positivo de US$ 6,3 bilhões, logo após o 2º semestre, que já havia sido o melhor de sua história. Aqui no Brasil, a Magazine Luiza ultrapassou o faturamento registrado em 2019 ainda no 3º trimestre de 2020, registrando mais um recorde no setor.
Não é só o consumo que vem provocando o crescimento dessas empresas. Os marketplaces também têm atraído os investidores. Em plena pandemia, a plataforma de serviços de beleza Singu recebeu um investimento da Natura, em valores que não puderam ser divulgados.
Ao lado desse crescimento exponencial, surgem alguns problemas do ponto de vista tributário. Essas empresas realizam a intermediação entre o consumidor final e o comerciante ou prestador de serviço, permitindo que o pagamento seja realizado inclusive na própria plataforma.
Como tais empresas se remuneram através de pagamentos feitos pelos vendedores de produtos ou serviços que atuam na plataforma, surge a controvérsia se a receita bruta submetida à tributação é somente o valor cobrado pelo serviço de intermediação realizado (conhecido como take rate) ou ao menos parte das receitas auferidas pela comercialização de produtos e serviços através do marketplace, isto é, apenas a parcela que lhe cabe a título de comissão.
Em dezembro de 2020, foi publicada pela Receita a Solução de Consulta nº 159/2020, que delimitou a receita bruta nos termos do art. 3º, § 1º da Lei Complementar nº 123/2006, que regula empresas inscritas no regime tributário do Simples Nacional.
Para tanto, a receita bruta corresponde somente ao preço do serviço prestado, o que exclui valores que circulam na contabilidade jurídica sem lhe pertencerem, além de outros conceitos, como vendas canceladas[4].
Segundo a Consulta, tais valores pertencem a terceiros, enquanto o produto da venda de bens e serviços pertence ao próprio contribuinte. Por esta razão, a entidade consulente, cuja atividade principal era a administração do caixa de terceiros, foi considerada contribuinte fiscal somente dos montantes que cobrava para executar seu serviço, que foram os únicos valores autorizados a ingressar em sua receita bruta.
Cabe lembrar, no entanto, que a aplicação da Solução de Consulta nº 159/2020 ao marketplace digital é nebulosa, pois embora a atividade de intermediação seja semelhante à da consulente, não necessariamente a titular da plataforma digital enquadra-se financeiramente no Simples Nacional.
Como estamos falando de um mercado que movimenta milhões de reais por aqui, muitos dos marketplaces não podem optar pelo Simples Nacional, o que provoca dúvidas sobre a aplicação da referida Solução de Consulta em relação aos demais regimes tributários.
Em resumo, a inclusão exclusiva do take rate como receita bruta permite a incidência dos impostos que a possuem como critério de apuração da base de cálculo, como o IRPJ e CSLL, e as contribuições de PIS e Cofins[5].
Já venda dos produtos de marketplace, por sua vez, é o fato gerador da tributação das empresas que nele atuam, que são as responsáveis pelas obrigações principais e acessórias, como a emissão de Nota Fiscal eletrônica.
Para evitar esse tipo de problemas com o Fisco, algumas plataformas de pagamento já permitem o split das receitas diretamente quando o consumidor faz o pagamento, sem que seja registrada qualquer ingresso de receita na empresa intermediadora (marketplace), como é o caso da Ebanx Pay e Iugu. Nesse caso, a insegurança jurídica acabou gerando uma nova dor que o próprio mercado cuidou de tratar.
Os desdobramentos da reforma tributária, se aprovada, podem vir a tornar mais complexa a tributação por marketplace. O Projeto de Lei nº 3.887/2020, proposto pelo governo federal, unifica PIS e Cofins através do novo tributo CBS, à alíquota de 12%, recolhida subsidiariamente por plataformas digitais caso a pessoa jurídica vendedora não emitir sua nota fiscal.
Se por um lado o novo imposto simplifica a carga tributária para o contribuinte, ao eliminar controvérsias envolvendo o conceito de insumos, etc., também pode inviabilizar o comércio por meio digital, pois o conceito de plataforma digital trazido pelo PL nº 3.887/2020 é amplo e abrange todas as operações realizáveis em marketplace.
A tributação subsidiária torna o intermediário responsável por uma atividade fora de seu controle, que é a emissão de NF-es. Por fim, a CBS será um tributo plenamente cumulativo, mas como não foi o intermediário que adquiriu os produtos vendidos, não haveria direito ao crédito. Por mais que plataformas de marketplace aufiram bilhões anualmente, a tributação das mesmas não pode vir a prejudicá-las.