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PLP 128/2025, lucro presumido e a confusão entre matemática e Direito: quando a técnica falha e a Constituição sente

19/12/2025

Guilherme Chambarelli

O PLP nº 128/2025 não passou despercebido. Pelo contrário. Em meio ao fechamento de balanços, deliberação de distribuição de lucros e reorganizações societárias de fim de ano, o projeto introduziu uma alteração silenciosa, porém estrutural, na lógica de diversos regimes tributários diferenciados. Entre eles, o lucro presumido.

A proposta não eleva alíquotas nominais de IRPJ e CSLL. O movimento é mais sutil — e justamente por isso mais problemático. O PLP altera a base de cálculo presumida, sob o discurso de revisão de benefícios fiscais, criando um aumento de carga tributária disfarçado de ajuste técnico.

O núcleo do problema: matemática mal resolvida e texto legislativo ambíguo

No caso específico do lucro presumido, o PLP prevê que, para empresas com receita bruta anual superior a R$ 5 milhões, os percentuais de presunção sofreriam um acréscimo de 10% sobre a parcela excedente.

Aqui surge a primeira e mais imediata controvérsia:
o que significa, juridicamente e matematicamente, “acréscimo de 10% nos percentuais de presunção”?

Existem duas leituras possíveis:

  • Leitura técnica (opção A): a margem é majorada em 10% do seu próprio valor.
    Exemplo: 8% passa a 8,8% (8% × 1,10).

  • Leitura literal extrema (opção B): a margem recebe um acréscimo absoluto de 10 pontos percentuais.
    Exemplo: 8% passa a 18% (8% + 10%).

A diferença não é marginal. É estrutural. A segunda leitura mais do que dobra a base presumida e rompe qualquer relação com a lógica histórica do lucro presumido.

Sob qualquer análise sistemática, econômica ou teleológica, a única interpretação coerente é a primeira. Todas as demais previsões do PLP 128 operam com ajustes proporcionais de 10% sobre a carga existente. Não há, em nenhum outro ponto do projeto, saltos abruptos de base que produzam efeitos confiscatórios indiretos.

O problema maior: o texto aprovado não é o texto votado

A discussão, no entanto, vai além da interpretação. Ela toca diretamente o processo legislativo.

Conforme registros oficiais da Câmara dos Deputados, o texto aprovado em plenário constava da chamada Subemenda Substitutiva Global, aprovada sem destaques ou emendas adicionais. Nesse texto, a redação indicava que “os percentuais de presunção ficam acrescidos em 10%”, expressão que, no contexto do projeto, prestigia a leitura proporcional.

Ocorre que, na redação final encaminhada ao Senado, o dispositivo foi alterado para prever “acréscimo de 10% (dez por cento) nos percentuais de presunção”.
A mudança é sutil na forma, mas profunda no conteúdo. Além de introduzir ambiguidade, não há registro de deliberação específica que autorize essa alteração redacional.

Se confirmada a divergência entre o texto efetivamente votado e o texto remetido à sanção, o problema deixa de ser hermenêutico e passa a ser constitucional.

Inconstitucionalidade formal: quando o vício está no caminho, não no destino

A Constituição não protege apenas o conteúdo da lei, mas também o procedimento legislativo. Alterações substanciais de redação sem votação regular violam o devido processo legislativo e comprometem a validade formal da norma.

Nesse ponto, pouco importa qual interpretação venha a prevalecer na aplicação prática. Mesmo que se adote corretamente a leitura proporcional (opção A), permanece o vício:
não se pode admitir que o texto sancionado não corresponda, com precisão, ao texto deliberado pelo Parlamento.

É uma falha grave. Não apenas pelo impacto tributário, mas porque fragiliza a previsibilidade, a segurança jurídica e a própria legitimidade do sistema normativo.

Lucro presumido não é benefício fiscal

Há ainda um problema conceitual de fundo. O PLP 128 opera sob a lógica de que o lucro presumido seria um benefício fiscal a ser progressivamente restringido. Essa premissa é discutível — e, para muitos, equivocada.

O lucro presumido é uma técnica legal de apuração da base tributável, criada para simplificar, reduzir litigiosidade e oferecer previsibilidade. Ele não se confunde com isenções, reduções de alíquota ou incentivos setoriais típicos.

Tratar regimes de apuração como “gasto tributário” abre um precedente perigoso: qualquer técnica simplificadora pode passar a ser vista como renúncia fiscal e, portanto, como espaço legítimo para aumento indireto de carga.

Uma bala de canhão normativa

O PLP 128 é amplo. Ele atinge diversos regimes classificados como tratamentos tributários diferenciados, muitos deles listados no Demonstrativo de Gastos Tributários. O impacto concreto ainda dependerá de regulamentação futura pela Receita Federal, o que adiciona mais uma camada de incerteza.

A experiência mostra que, quando a lei nasce ambígua e a regulamentação vem depois, o custo recai sobre o contribuinte, que passa a operar em um ambiente de risco jurídico permanente.

Conclusão

O PLP 128 não é apenas uma lei arrecadatória. Ele é um teste de coerência do sistema tributário e de respeito ao processo legislativo.

No caso do lucro presumido, a majoração da base — ainda que proporcional — já representa aumento relevante de carga. Mas o verdadeiro problema está em outro lugar:
na confusão entre técnica legislativa, matemática básica e categorias jurídicas fundamentais.

Quando o texto não é claro, quando o processo é opaco e quando regimes estruturais são tratados como favores fiscais, o resultado é previsível: insegurança, judicialização e perda de confiança.

E isso, em matéria tributária, custa caro.

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