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Lucros acumulados e a base de cálculo do JCP

01/09/2025

Guilherme Chambarelli

O CARF consolidou entendimento favorável às sociedades limitadas sobre a inclusão de lucros acumulados na base de cálculo dos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Entenda os reflexos do precedente, os fundamentos normativos e como a decisão impacta a governança societária e a eficiência tributária.

A disputa em torno da dedutibilidade dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP) ganhou novo capítulo com o julgamento do Acórdão nº 1202-001.666 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). O precedente trouxe maior previsibilidade para sociedades limitadas, que historicamente enfrentavam resistência da fiscalização quanto à inclusão dos lucros acumulados na base de cálculo.

A origem da controvérsia normativa

O art. 9º da Lei nº 9.249/1995 sempre foi o dispositivo central na disciplina do JCP. Em sua redação original, a norma mencionava expressamente “lucros ou prejuízos acumulados” como integrantes da base de cálculo. Contudo, a Lei nº 12.973/2014, ao reformular o §8º, manteve apenas a expressão “prejuízos acumulados”.

A Receita Federal passou a interpretar que a supressão terminológica teria eliminado a possibilidade de os lucros acumulados servirem de lastro para a dedução. A partir daí, multiplicaram-se glosas fiscais, sob o argumento de que a exclusão legislativa havia restringido a dedutibilidade.

O contraste entre sociedades anônimas e limitadas

A discussão se sofisticou diante da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976). O art. 202, §6º, veda a permanência de saldo positivo em “lucros acumulados” ao final de cada exercício, impondo sua destinação a dividendos ou reservas.

Esse raciocínio, todavia, não se aplica às sociedades limitadas, cujo regime jurídico admite a manutenção de saldo em lucros acumulados, refletindo a realidade operacional e patrimonial da empresa. A tentativa de transposição automática de um regime societário a outro gerou distorções interpretativas.

A virada legislativa de 2023 e o caráter interpretativo

Com a edição da Lei nº 14.789/2023, o legislador restabeleceu a menção expressa a “lucros ou prejuízos acumulados”. Ao fazê-lo, deixou claro o caráter interpretativo da norma, sinalizando que nunca houve intenção de excluir os lucros acumulados da base do JCP.

O CARF, no julgamento do Acórdão nº 1202-001.666, acolheu essa leitura. A corte administrativa reconheceu que a alteração de 2014 foi apenas terminológica, buscando alinhar a legislação tributária à técnica redacional das companhias abertas, sem alterar substancialmente o conteúdo jurídico aplicável às sociedades limitadas.

Impactos para o planejamento tributário

O precedente tem repercussão direta no planejamento tributário das sociedades limitadas. Ao confirmar a legitimidade da inclusão dos lucros acumulados na base do JCP, abrem-se três frentes estratégicas:

  1. Dedutibilidade ampliada – os lucros acumulados passam a compor de forma inequívoca a base do JCP, aumentando a margem de dedução do IRPJ e da CSLL.

  2. Redução do risco fiscal – glosas baseadas na suposta exclusão perdem fundamento, dada a interpretação autêntica do legislador e o respaldo jurisprudencial do CARF.

  3. Segurança jurídica para governança – empresas podem alinhar a remuneração societária à eficiência tributária, desde que respeitados contratos sociais, deliberações formais e escrituração contábil idônea.

A centralidade da forma e da documentação

Mesmo com o precedente favorável, a experiência demonstra que a forma continua a ter peso determinante em matéria fiscal. Atas, balanços, ECF e registros contábeis devem refletir a realidade patrimonial de maneira íntegra. O risco de autuações não decorre mais do mérito jurídico, mas de falhas formais de registro e governança.

Conclusão

O julgamento do CARF marca um avanço na consolidação de um ambiente de maior previsibilidade para as sociedades limitadas. A reafirmação da legitimidade da conta de lucros acumulados na composição da base do JCP restabelece a coerência entre prática societária, planejamento tributário e segurança jurídica.

Para empresas em busca de estratégias de eficiência fiscal, o tema não deve ser tratado como detalhe contábil, mas como vetor central de governança e gestão de capital.

No Chambarelli Advogados, acompanhamos de perto a evolução da jurisprudência administrativa e judicial em matéria tributária, assessorando empresas na implementação de estruturas societárias e fiscais que conciliem governança corporativa, mitigação de riscos e eficiência econômica.

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