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ITCMD e Dívidas do Espólio: TJSP reconhece direito à dedução do passivo na base de cálculo

30/06/2025

Guilherme Chambarelli

O Direito Tributário brasileiro, por vezes, desconsidera as realidades econômicas mais elementares. Felizmente, decisões judiciais como a recentemente proferida pela 10ª Câmara de Direito Público do TJSP (Remessa Necessária 1058925-70.2024.8.26.0053) reafirmam que tributar é, também, um ato de justiça.

A discussão gira em torno da base de cálculo do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), tributo estadual incidente sobre heranças e doações. A pergunta central é: seria legítimo exigir ITCMD sobre o valor bruto do espólio, desconsiderando as dívidas deixadas pelo falecido?

O Estado de São Paulo, amparado no artigo 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000, vinha sustentando que “não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio”. No entanto, essa norma estadual entra em rota de colisão com os fundamentos do Código Civil.

Nos artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil, encontramos balizas claras: a responsabilidade do herdeiro é limitada à herança recebida, e a herança, por sua vez, responde pelas dívidas do falecido. Em termos simples, a herança é o que sobra — não o que aparenta existir.

Imagine um copo meio cheio. O valor da herança líquida representa o conteúdo efetivamente partilhável; o restante é espuma — dívidas, encargos e despesas que não beneficiam o herdeiro. Exigir ITCMD sobre esse excedente é, na prática, tributar aquilo que jamais ingressará no patrimônio do sucessor.

Essa foi justamente a lógica acolhida pelo TJSP, ao afirmar que “a base de cálculo do ITCMD deve refletir o patrimônio efetivamente transmitido aos herdeiros”, ou seja, o valor líquido do espólio. A Corte foi além, considerando que o artigo 12 da lei estadual contraria princípios constitucionais, como o da capacidade contributiva, e deve ser interpretado em harmonia com o regime jurídico federal da sucessão, conforme orienta a LINDB.

Ao manter a sentença de primeiro grau e negar provimento ao recurso do Estado, o Tribunal sinaliza um avanço importante na construção de uma jurisprudência tributária mais coerente com os valores republicanos e com a dignidade das relações familiares em momentos delicados como o luto.

Para herdeiros, advogados e planejadores patrimoniais, a mensagem é clara: o ITCMD deve incidir apenas sobre a herança líquida. Cabe, agora, aos contribuintes que enfrentarem exigências abusivas do Fisco estadual buscar o reconhecimento judicial desse entendimento, com base em precedentes sólidos como este.

No universo jurídico, onde o rigor técnico não pode descolar-se da realidade humana, decisões como esta nos lembram que o bom senso — quando respaldado pela Constituição e pela legislação civil — é uma poderosa ferramenta de justiça fiscal.

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