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Distribuição desproporcional de lucros: riscos fiscais e a necessidade de formalização societária

01/09/2025

Guilherme Chambarelli

O CARF tem reiterado que a distribuição desproporcional de lucros nas sociedades limitadas exige previsão contratual, documentação e escrituração consistente. Entenda os precedentes e os cuidados necessários para evitar requalificação como pró-labore.

A distribuição desproporcional de lucros é instituto admitido pelo Código Civil (arts. 1.007 e 1.008), permitindo que sócios de sociedades limitadas deliberem percentuais diferentes da proporção de suas quotas. A prerrogativa, em tese, confere flexibilidade societária e adequação à realidade econômica do negócio.

Contudo, recentes julgados do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais têm reforçado que, se essa prática não for acompanhada de formalização e prova documental robusta, o fisco tende a requalificar os valores como remuneração por serviços, com exigência de IRPF, contribuições previdenciárias e multas.

O precedente do Acórdão nº 2101-003.144/2025

No acórdão nº 2101-003.144, julgado em 06/06/2025, o CARF analisou caso em que valores registrados como “lucros e dividendos isentos” foram requalificados como remuneração por serviços médicos.

Apesar da existência de previsão legal genérica no Código Civil, foram constatadas diversas fragilidades que enfraqueceram a defesa dos contribuintes:

  • inexistência de previsão contratual em parte do período autuado;

  • pagamentos feitos antes mesmo de o beneficiário assumir a condição de sócio;

  • desproporção acentuada frente à participação societária mínima;

  • vinculação direta dos pagamentos à produtividade individual;

  • repasses realizados inclusive a pessoas não sócias, físicas e jurídicas;

  • ausência de deliberação formal dos sócios;

  • escrituração contábil irregular.

Esse conjunto de inconsistências levou a turma julgadora a concluir que não havia distribuição legítima de lucros, mas sim dissimulação de pró-labore.

Uma linha de precedentes em consolidação

O julgamento dialoga com outros acórdãos recentes:

  • Acórdão nº 2202-011.272 (09/05/2025) – manteve a autuação pela ausência de previsão contratual, demonstrando que a cláusula é requisito mínimo.

  • Acórdão nº 2201-012.005 (04/02/2025) – cancelou a autuação porque havia prova robusta da regularidade do procedimento, evidenciando que documentação consistente pode afastar a tese da fiscalização.

  • Acórdão nº 1101-001.489 (12/12/2024) – já havia sinalizado que a mera previsão contratual não é suficiente sem a comprovação documental e a coerência entre forma e realidade operacional.

A convergência desses julgados mostra que o CARF busca uniformizar o entendimento: flexibilidade contratual não elimina o dever de formalização e prova documental.

Lições práticas para sociedades limitadas

A partir dessa linha jurisprudencial, três conclusões se impõem para sociedades que pretendem adotar a distribuição desproporcional de lucros como estratégia societária e fiscal:

  1. Previsão contratual expressa – a cláusula no contrato social é requisito indispensável e deve estar vigente durante todo o período em que os pagamentos ocorrerem.

  2. Documentação e deliberação formal – atas, assembleias ou reuniões de sócios precisam registrar de forma clara os critérios da desproporção e a decisão coletiva.

  3. Escrituração e coerência operacional – os lançamentos contábeis devem ser regulares e alinhados à realidade econômica da sociedade. Qualquer vínculo direto com produtividade individual fragiliza a tese de distribuição de lucros.

Conclusão

A distribuição desproporcional de lucros é instituto legítimo, mas que exige cuidados formais para evitar autuações. A jurisprudência do CARF demonstra que a ausência de robustez documental transforma a prática em um ponto sensível de risco fiscal.

Assim, mais do que incluir uma cláusula contratual, é essencial estruturar todo o processo decisório e contábil com consistência e transparência. A forma, aqui, não é mero detalhe: trata-se de elemento central de validade fiscal.

No Chambarelli Advogados, acompanhamos de perto a evolução desses precedentes e assessoramos empresas na construção de estruturas societárias seguras, governança sólida e práticas de distribuição de resultados que conciliem eficiência fiscal e conformidade regulatória.

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