
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), no Acórdão nº 1201-007.213, de 24 de julho de 2025, enfrentou importante controvérsia sobre a dedutibilidade de despesas financeiras no setor imobiliário, especificamente no contexto da utilização do chamado “caixa único” pelas incorporadoras para financiar empreendimentos por meio de Sociedades de Propósito Específico (SPEs).
A decisão afasta a visão reducionista da fiscalização, que havia equiparado os aportes da controladora às SPEs a contratos de mútuo, restringindo a dedutibilidade de parte dos juros pagos a terceiros. Por maioria, o colegiado reconheceu que essa interpretação desconsiderava as peculiaridades do setor da construção civil e a própria natureza da atividade empresarial.
Na autuação analisada, a Receita Federal entendeu que os aportes realizados pela incorporadora às SPEs equivaleriam a mútuos intercompany, hipótese em que os juros pagos a terceiros pela controladora não poderiam ser integralmente deduzidos para fins de apuração do IRPJ e da CSLL.
O fisco sustentava que a utilização de sistema de “caixa único” geraria descaracterização da despesa financeira, uma vez que o recurso levantado pela holding teria sido repassado a outras sociedades, sem correspondência direta com sua própria atividade operacional.
O voto condutor, acompanhado pela maioria, destacou que a centralização de tesouraria por meio de conta corrente mercantil não pode ser automaticamente confundida com um contrato de mútuo. A controladora, no caso concreto, possuía obrigação contratual de financiar os empreendimentos, razão pela qual os juros pagos em empréstimos bancários e debêntures constituem despesas necessárias, usuais e normais, diretamente vinculadas à sua atividade.
Outro ponto relevante foi a análise das peculiaridades do setor imobiliário:
Cada empreendimento é usualmente estruturado em uma SPE autônoma, permitindo a segregação de riscos financeiros, trabalhistas e jurídicos.
O modelo viabiliza a entrada de sócios e investidores específicos para cada projeto, facilitando a captação de recursos e a gestão dos riscos.
O voto lembrou ainda a introdução do patrimônio de afetação pela Lei nº 10.931/2004, consolidada apenas a partir de 2013, pouco antes dos fatos analisados, reforçando a lógica da segregação patrimonial e da autonomia dos empreendimentos.
Dessa forma, os aportes feitos pela controladora às SPEs foram reconhecidos como instrumentos de viabilização dos próprios empreendimentos, e não como operações de mútuo destinadas a afastar a dedutibilidade de juros.
O acórdão tem forte impacto no setor da construção civil e no mercado imobiliário em geral, pois:
Reforça a legitimidade da estruturação de empreendimentos via SPEs, modelo consolidado e reconhecido como prática usual e eficiente.
Refuta a glosa automática de despesas financeiras, evitando que operações típicas do setor sejam indevidamente requalificadas como mútuos.
Consolida a compreensão de que a dedutibilidade de despesas financeiras deve considerar a natureza da atividade e o contexto empresarial, e não apenas uma leitura formalista da movimentação de recursos.
A decisão representa um avanço na interpretação tributária aplicada ao setor imobiliário, alinhando o direito tributário às práticas negociais legítimas e indispensáveis ao desenvolvimento do mercado.
O precedente do CARF reafirma que o direito tributário deve dialogar com a realidade econômica do setor regulado. A tentativa de requalificar aportes em SPEs como mútuos ignora a função empresarial e a estrutura jurídica própria do mercado imobiliário. O reconhecimento da dedutibilidade dos juros pagos pela incorporadora traz segurança jurídica e preserva a racionalidade econômica das operações.
O Chambarelli Advogados acompanha de perto as discussões no âmbito do CARF e atua de forma estratégica no contencioso administrativo e judicial, oferecendo assessoria especializada para empresas do setor imobiliário que buscam segurança na dedução de despesas financeiras e na estruturação de seus empreendimentos.
16/11/2022
Guilherme Chambarelli
29/06/2025
Guilherme Chambarelli
08/07/2025
Guilherme Chambarelli