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Na rotina de investidores e contribuintes que operam no mercado financeiro ou realizam alienações patrimoniais relevantes, uma dúvida recorrente pode gerar implicações fiscais significativas: qual a diferença entre ganho de capital e ganho líquido em operações com ativos financeiros? Mais do que uma questão semântica, a resposta define o enquadramento legal da operação e a alíquota aplicável do Imposto de Renda.

Embora ambos os conceitos envolvam resultado positivo em alienações, o ganho de capital está relacionado à venda de bens e direitos de qualquer natureza, fora do ambiente de bolsa, como imóveis, participações societárias, cotas de fundos fechados e até criptomoedas. Já os ganhos líquidos referem-se especificamente aos resultados de operações realizadas no mercado financeiro organizado, como as bolsas de valores, de mercadorias e de futuros.

A principal diferença entre eles está na forma de apuração e na alíquota:

  • O ganho de capital é tributado de forma progressiva, com alíquotas que variam de 15% a 22,5%, conforme o valor do ganho apurado no mês, conforme o art. 21 da Lei nº 8.981/1995.

  • O ganho líquido, por outro lado, é tributado a uma alíquota fixa de 15%, ou de 20% no caso de operações day trade, como determina o art. 2º da Lei nº 11.033/2004.

Essa distinção foi recentemente reafirmada pela Receita Federal por meio da Solução de Consulta COSIT nº 127/2024, que esclareceu que os dois tipos de ganhos decorrem de fatos geradores distintos e, por isso, não se confundem nem se sobrepõem.

Segundo o entendimento da Receita, operações em bolsa, mesmo que ultrapassem R$ 5 milhões em lucros mensais, continuam sujeitas à alíquota fixa de 15% (ou 20% no caso de day trade) — sem escalonamento progressivo. Já a alienação de bens fora do mercado financeiro segue a tabela progressiva aplicável ao ganho de capital.

Outro ponto importante abordado é o conceito legal de day trade, previsto no art. 8º, §1º, I, “a”, da Lei nº 9.959/2000: operação iniciada e encerrada no mesmo dia, com o mesmo ativo e intermediada pela mesma instituição. Esse tipo de operação possui tratamento específico e é sempre tributado à alíquota superior de 20%.

Implicações práticas

Para quem investe de forma diversificada, a distinção pode representar diferença relevante na carga tributária. Um investidor que, por exemplo, realize no mesmo mês:

  • a venda de um imóvel com lucro de R$ 7 milhões, e

  • a venda de ações em bolsa com lucro de R$ 7 milhões,

será tributado de forma distinta em cada operação, ainda que os valores envolvidos sejam idênticos.

O primeiro resultado será tributado de forma escalonada, chegando a 17,5% de IR, enquanto o segundo estará sujeito a alíquota fixa de 15%, independentemente do valor. Se for day trade, a alíquota sobe para 20%.

Conclusão

A diferença entre ganho de capital e ganho líquido em bolsa não é apenas técnica: é decisiva para o planejamento tributário. A Receita Federal tem reiterado esse entendimento, deixando claro que cada hipótese possui regras próprias e alíquotas distintas — e a escolha equivocada pode gerar autuações, multas e prejuízos.

Saber onde se está operando, qual o tipo de ativo envolvido e como enquadrar cada resultado é essencial. Em tempos de alta fiscalização e digitalização dos cruzamentos fiscais, a ignorância da distinção pode custar caro — mas o conhecimento certo gera economia e segurança jurídica.

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A Solução de Consulta COSIT nº 99.011, publicada em 9 de maio de 2024, aprofunda e reafirma um entendimento da Receita Federal que tem gerado controvérsia entre contribuintes, instituições acadêmicas e empresas brasileiras: a caracterização dos pagamentos feitos ao exterior para aquisição ou renovação de licenças de software como royalties sujeitos à retenção de Imposto de Renda na Fonte (IRRF), ainda que destinados ao uso exclusivo do usuário final e independentemente do grau de customização do programa.

A controvérsia: royalties ou não?

A dúvida do consulente — um professor universitário — gira em torno de uma operação corriqueira: a compra de uma licença de software para fins acadêmicos, sem intenção de revenda ou comercialização. Em seu argumento, ele sustenta que, não havendo exploração comercial nem transferência de tecnologia, não haveria também fato gerador de IRRF sob a rubrica de royalties. O software, sendo utilizado exclusivamente para fins próprios, não configuraria remuneração de direitos autorais nos moldes exigidos pela Lei nº 4.506/1964.

A Receita, no entanto, discorda. Reforçando a interpretação já manifestada na Solução de Consulta COSIT nº 75/2023, o Fisco entende que todo licenciamento de software — mesmo aquele concedido ao usuário final — configura exploração de direito autoral e, portanto, se qualifica como royalty para fins de IRRF.

A base normativa do entendimento

A Receita constrói seu raciocínio a partir da seguinte cadeia normativa:

  • O software é protegido pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998, art. 7º, XII), como obra do espírito.

  • Seu uso no Brasil exige contrato de licença (Lei nº 9.609/1998, art. 9º).

  • O pagamento por esse licenciamento corresponde à remuneração pela exploração de direitos autorais — o que se enquadra no conceito legal de “royalties” (Lei nº 4.506/1964, art. 22, alínea “d”), com alíquota de 15% de IRRF (ou 25%, se o beneficiário estiver em país com tributação favorecida).

A Receita ainda esclarece que a retenção realizada pela instituição financeira no percentual de 17,647% decorre da sistemática de “gross-up”, prevista no art. 786 do RIR/2018 — ou seja, quando o valor contratado é líquido de IR, o valor bruto precisa ser recalculado, majorando a base de cálculo para que o imposto seja retido por fora, sem afetar o valor final recebido pelo licenciante.

O precedente divergente: uma solução superada?

O consulente também invoca uma solução de consulta da 6ª Região Fiscal (SRRF06/Disit nº 6.014/2018), que afastava o IRRF sobre remessas destinadas à aquisição de software de prateleira para uso próprio. No entanto, a COSIT rejeita a aplicabilidade desse precedente, alegando que:

  1. A referida solução se baseava em interpretação a contrario sensu da Solução de Divergência nº 18/2017, que tratava exclusivamente de licença de comercialização, e não de uso final;

  2. A SD nº 18/2017 foi superada pela SC COSIT nº 75/2023, de conteúdo vinculante;

  3. O entendimento consolidado é de que toda licença de software, inclusive de prateleira e sem personalização, caracteriza royalties — exceto quando o autor do software for o próprio recebedor da remuneração (situação que não envolve remessa internacional).

A exceção: tratados para evitar a bitributação

A COSIT ressalva, no entanto, que o entendimento pode ser afastado caso exista acordo de bitributação entre o Brasil e o país de domicílio do beneficiário. Nesse caso, prevalecem as cláusulas do tratado internacional, que podem prever alíquota reduzida, exclusão de incidência ou regra distinta para remunerações de licenciamento. A análise, portanto, deve ser caso a caso, e a simples leitura da legislação interna pode não ser suficiente para determinar o ônus tributário final.

Implicações práticas: a regra é reter

Na ausência de tratado internacional, o pagamento feito por pessoa física ou jurídica brasileira a residente ou domiciliado no exterior, pela licença de uso de software (mesmo padrão, de prateleira ou em nuvem), será:

  • Tributado à alíquota de 15% de IRRF (ou 25%, em caso de país com tributação favorecida);

  • Sujeito ao reajuste de rendimento bruto (gross-up), majorando o custo final da operação;

  • Classificado como royalty, com base em interpretação extensiva da legislação autoral e fiscal.

Esse entendimento representa um alerta importante para pesquisadores, universidades, startups e profissionais que adquirem softwares no exterior para uso próprio. A simples natureza “não comercial” do uso não é suficiente para afastar a incidência tributária. O risco fiscal reside tanto na não retenção quanto na ausência de comprovação da operação para fins de dedutibilidade e compliance cambial.

Conclusão: a Receita impõe uma leitura maximalista da noção de royalty

O Brasil adota uma das interpretações mais amplas do conceito de royalties no contexto internacional, incluindo até mesmo licenças de software padronizado para uso pessoal ou institucional. O resultado prático é o encarecimento das soluções tecnológicas importadas e o aumento do risco tributário para quem presume, erroneamente, que a ausência de exploração econômica direta do software excluiria a incidência de IRRF.

Mais do que nunca, torna-se essencial realizar análise fiscal preventiva em cada contratação internacional de tecnologia. Na dúvida, a Receita presume royalty. E onde há royalty, há IRRF.

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A produção de vídeos no Brasil para exibição em redes sociais estrangeiras tem gerado importantes questionamentos tributários, especialmente quando os conteúdos são consumidos exclusivamente por usuários residentes no exterior e remunerados em moeda estrangeira. Diante da crescente internacionalização da economia digital, é cada vez mais relevante compreender quando se configura, efetivamente, uma exportação de serviços para fins tributários.

Do ponto de vista jurídico-tributário, a resposta a essa indagação não é meramente formal. A Constituição Federal, em seu artigo 149, §2º, inciso I, estabelece a imunidade das receitas decorrentes de exportações em relação à incidência de contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico. No entanto, essa imunidade depende da correta caracterização do serviço como efetivamente exportado.

No caso de prestadoras brasileiras que criam vídeos com recursos próprios, em território nacional, mas cujo destino exclusivo são plataformas digitais acessadas por estrangeiros, a lógica constitucional da imunidade se impõe. O serviço é concebido, produzido e finalizado no Brasil, mas a sua fruição, a demanda que o justifica, reside fora do país. Trata-se de uma prestação que se volta ao mercado externo, em favor de tomadores que não possuem domicílio fiscal no território nacional.

Essa interpretação, já consolidada pelo Parecer Normativo COSIT nº 1/2018, adota uma abordagem substancialista. Não se exige o deslocamento físico do prestador, tampouco a transposição de bens tangíveis. Basta que os elementos essenciais da relação de consumo do serviço estejam localizados no exterior, com a atuação do tomador como agente demandante da atividade.

Importa pouco, nesse contexto, se a plataforma digital intermediária possui ou não sede no Brasil. O que define a natureza da operação é a localização do tomador final e a destinação do serviço. Se os vídeos são encomendados ou acessados exclusivamente por residentes no exterior, e a remuneração ocorre mediante ingresso de divisas ou manutenção autorizada de valores em contas no exterior, a exportação de fato se configura.

A implicação prática dessa qualificação é a exclusão das receitas correspondentes da base de cálculo de diversas contribuições, como PIS, Cofins e ISS. Ademais, no regime do Simples Nacional, essas receitas devem ser segregadas das operações no mercado interno, conforme previsto no artigo 25 da Resolução CGSN nº 140/2018, o que afeta diretamente a apuração dos tributos unificados devidos.

A prestação de serviços digitais transcende as fronteiras físicas e desafia a aplicação de normas tributárias tradicionalmente estruturadas em torno da territorialidade. O reconhecimento jurídico da exportação nesses casos representa uma adaptação necessária às dinâmicas da economia contemporânea. Negar esse enquadramento implicaria tributar uma receita que, por definição constitucional, deveria ser incentivada e protegida.

Ao produzir vídeos com fins estritamente externos, a empresa brasileira não apenas gera divisas, mas atua como agente de inserção econômica internacional. O sistema tributário, ao reconhecer essa condição, não promove um favor fiscal, mas apenas concretiza o comando da Constituição de estimular as exportações e evitar distorções que penalizem o empreendedor que projeta sua atividade para além do mercado interno.

A interpretação correta da natureza da prestação é, portanto, elemento central para a segurança jurídica das empresas da nova economia. E, neste cenário, a coerência entre a Constituição, os pareceres normativos e os atos infralegais representa um avanço importante rumo à harmonização entre norma e realidade econômica.

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A Solução de Consulta Cosit nº 72, publicada em abril de 2025, traz nova camada de densidade interpretativa ao debate sobre a compatibilidade entre o regime de lucro presumido e a existência de vínculos societários e operacionais entre empresas do mesmo grupo econômico. No centro da questão está um ponto de tensão recorrente: até que ponto a autonomia formal das pessoas jurídicas prevalece sobre os elementos materiais que indicam identidade substancial entre empresas?

A consulente, cuja totalidade das quotas foi adquirida por uma sociedade optante do lucro real e que exerce exatamente as mesmas atividades, questiona se pode manter-se no regime do lucro presumido. A resposta da Receita é, como de praxe, condicional: pode, desde que haja efetiva independência operacional, administrativa e patrimonial. Caso contrário, as empresas serão tratadas como uma só – com implicações diretas na centralização da apuração do IRPJ e na obrigatoriedade de adoção do mesmo regime tributário.

A dicotomia entre forma e substância

O ponto central da análise é a distinção entre duas figuras: o grupo econômico legítimo e o grupo econômico irregular. O primeiro decorre da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976, especialmente seus Capítulos XX e XXI), admitindo múltiplas pessoas jurídicas com relações societárias entre si, mas que preservam independência funcional. O segundo, por outro lado, caracteriza-se pela existência de uma só estrutura econômica que, sob o manto de diversas pessoas jurídicas, atua de forma integrada, com confusão patrimonial, identidade de direção e operação e, frequentemente, finalidade de planejamento tributário abusivo.

A Receita recorre ao Parecer Normativo COSIT nº 4/2018 para enfatizar que a mera identidade de objeto social, de quadro societário ou mesmo de marca não basta para descaracterizar a autonomia jurídica das empresas. É preciso algo mais – a prova de que, apesar das aparências, há um só centro de decisão e uma só unidade empresarial, ainda que formalmente repartida em múltiplos CNPJs.

Critérios de distinção e risco de enquadramento

A Solução de Consulta destaca, com precisão, os critérios que afastam a obrigatoriedade de unificação da apuração do IRPJ:

  • Autonomia administrativa: as decisões estratégicas são tomadas de forma independente;

  • Autonomia operacional: as atividades produtivas e comerciais não se confundem;

  • Autonomia patrimonial: não há comunhão informal de recursos, bens ou receitas;

  • Localização geográfica diversa e atuação sob marcas próprias.

Na hipótese em que esses elementos estiverem efetivamente presentes – e demonstráveis em eventual fiscalização – a empresa adquirida poderá permanecer no lucro presumido, independentemente do regime tributário da controladora. Aqui reside um ponto jurídico crucial: o regime tributário é próprio a cada pessoa jurídica e não se transmite por simples relação societária.

Contudo, se restar caracterizado que ambas operam como uma só empresa fática, mesmo com CNPJs distintos, incidirá o disposto na legislação do IRPJ que impõe apuração centralizada e adoção compulsória do lucro real – especialmente quando as atividades alcançam patamares de receita bruta acima do limite legal do art. 587 do RIR/2018 (R$ 78 milhões ao ano).

Planejamento lícito versus simulação

É legítimo estruturar um grupo empresarial com múltiplas pessoas jurídicas, desde que cada uma desempenhe função autônoma e real. No entanto, quando essa multiplicidade de CNPJs serve apenas como cortina formal para fragmentar artificialmente receitas, pulverizar lucros ou manipular bases de cálculo, o Fisco poderá, mediante fiscalização, desconsiderar as personalidades jurídicas envolvidas.

Nesse contexto, a Receita reforça que o que está em jogo não é a mera titularidade das quotas ou o compartilhamento de endereço – mas sim a substância da atuação empresarial conjunta, o liame de direção única, a comunhão informal de operações e o desvio das finalidades jurídicas dos institutos societários.

A jurisprudência do STJ citada na solução de consulta (EDcl no REsp 1.209.029/SP) respalda essa posição, ao admitir a responsabilização solidária por confusão patrimonial entre empresas do mesmo grupo que, embora juridicamente distintas, operam como se fossem uma só.

Conclusão: o formalismo não é escudo para simulação

A Solução de Consulta COSIT nº 72/2025 reafirma um dos vetores mais consistentes da jurisprudência administrativa e judicial contemporânea: o princípio da primazia da realidade. O contribuinte pode optar pelo regime do lucro presumido desde que preencha os requisitos legais e sua estrutura seja genuinamente segregada, mesmo que integrada a um grupo econômico. Mas não pode escudar-se na personalidade jurídica para praticar planejamento tributário abusivo, especialmente quando há identidade de comando e confusão operacional.

À luz desse entendimento, empresas que pretendem manter estruturas societárias paralelas com diferentes regimes de tributação devem garantir, com robustez documental e operacional, a efetiva independência entre suas unidades. O risco de requalificação, ainda que remoto em sede de consulta, permanece latente em eventual fiscalização – e, mais grave, pode repercutir em autuações por simulação, infração ao art. 123 do CTN e até distribuição disfarçada de lucros.

No fim das contas, a pergunta não é apenas “quem é o sócio?”, mas “quem realmente toma as decisões?”. E é essa resposta, prática e concreta, que determinará o enquadramento fiscal.

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A contratação de profissionais autônomos por meio de pessoa jurídica – prática conhecida como pejotização – é uma solução cada vez mais comum no mercado brasileiro, especialmente em setores que demandam alta especialização técnica e autonomia na execução dos serviços. No entanto, essa modalidade contratual deve ser adotada com cautela, diante dos riscos fiscais, trabalhistas e previdenciários que podem recair sobre o contratante caso seja identificada a ocorrência de simulação ou a presença dos elementos típicos da relação de emprego.

Neste artigo, analisamos os limites legais da pejotização, com base na recente jurisprudência do CARF e no julgamento da ADC nº 66 pelo STF, e destacamos os cuidados essenciais na elaboração do contrato de prestação de serviços por PJ.

O que é pejotização e por que ela exige atenção jurídica?

A pejotização consiste na contratação de serviços por meio de pessoas jurídicas interpostas, usualmente constituídas pelos próprios profissionais que prestam os serviços. A prática tem como principal motivação a redução de encargos tributários e trabalhistas, mas pode ser interpretada como fraude à legislação se utilizada para encobrir uma relação de emprego disfarçada.

Quando mal estruturada, a pejotização pode levar à desconsideração da personalidade jurídica da contratada, com a requalificação do vínculo e a consequente autuação do contratante por não recolhimento de tributos como IRRF, INSS e FGTS, além de condenações trabalhistas.

Jurisprudência atual: o que dizem o STF e o CARF?

No julgamento da ADC nº 66, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do art. 129 da Lei nº 11.196/2005, que autoriza, para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais (inclusive personalíssimos) por pessoas jurídicas regularmente constituídas. Contudo, o STF foi enfático: a norma não confere carta branca para dissimular relações de emprego, e a sua aplicação deve seguir o princípio da mínima interferência na liberdade econômica.

Seguindo esse entendimento, o CARF no Acórdão nº 1401-007.301 afastou autuação fiscal contra a Globo Comunicação, por entender que a fiscalização não comprovou, de forma robusta, a existência de subordinação nem a simulação contratual. O julgamento reforça que a simples contratação de pessoa jurídica para prestação de serviço intelectual por seu sócio não autoriza, por si só, a requalificação tributária ou trabalhista.

Cuidados essenciais no contrato de prestação de serviços por PJ

Para garantir segurança jurídica na contratação via pessoa jurídica, destacamos os principais cuidados que devem ser adotados no contrato de prestação de serviços PJ:

1. Autonomia e ausência de subordinação

Evite cláusulas que indiquem controle direto sobre a rotina do prestador. Estabeleça entregas e resultados, e não horário fixo, controle de jornada ou subordinação hierárquica.

2. Previsão clara do escopo dos serviços

O contrato deve descrever de forma detalhada os serviços contratados, destacando sua natureza intelectual, técnica ou artística, conforme aplicável, vinculando-se a atividades que não demandem subordinação.

3. Remuneração proporcional e sem natureza salarial

A remuneração deve estar vinculada a projetos, metas ou entregas, e jamais ser tratada como salário mensal. O contrato deve prever que todos os encargos fiscais e previdenciários são de responsabilidade da contratada.

4. Cláusula de não exclusividade e liberdade contratual

Sempre que possível, evite cláusulas de exclusividade. Caso seja necessário, justifique com base no interesse comercial da contratante, associando à contraprestação específica.

5. Cessão de direitos autorais ou de imagem (quando aplicável)

Nos casos em que há uso da imagem, voz ou obras intelectuais, formalize a cessão patrimonial desses direitos à pessoa jurídica contratada, em observância à Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98).

6. Ausência de habitualidade disfarçada

Evite pagamentos mensais fixos e renovações automáticas de contrato. Prefira contratos por projeto, prazo determinado ou com marcos objetivos.

Checklist jurídico: quando a pejotização é segura?

✔ A contratada é uma pessoa jurídica regularmente registrada, com CNPJ ativo e objeto social compatível com os serviços prestados
✔ Os sócios ou representantes da PJ possuem autonomia técnica e atuam sem subordinação
✔ A remuneração não é fixa ou periódica, e sim por projeto ou tarefa
✔ A contratante não impõe regras de conduta, jornada, controle de ponto ou ordens diretas
✔ A PJ contratada atua para outros clientes, ou possui estrutura compatível com atuação autônoma

Conclusão: planejamento contratual e estratégia jurídica são essenciais

A contratação por meio de pessoa jurídica pode ser válida e estratégica, desde que não desvirtue a realidade fática da relação estabelecida. A jurisprudência atual impõe um padrão mais rigoroso de fiscalização, exigindo provas robustas para desconstituir o contrato civil.

Por outro lado, o contratante que negligencia os cuidados contratuais e gerenciais corre sérios riscos de autuações fiscais, passivos trabalhistas e previdenciários. Nesse cenário, o suporte jurídico especializado é indispensável.

No Chambarelli Advogados, atuamos de forma preventiva e estratégica, estruturando contratos, modelos operacionais e defesas fiscais com base na jurisprudência mais atual e nos princípios da liberdade econômica e da segurança jurídica.

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A tributação das receitas obtidas pelas empresas que atuam no mercado imobiliário, especialmente aquelas optantes pelo regime de lucro presumido, frequentemente gera dúvidas acerca do enquadramento adequado entre receita operacional e ganho de capital. A Receita Federal esclareceu importantes nuances por meio da Solução de Consulta COSIT nº 221, de 24 de julho de 2024, especialmente sobre imóveis inicialmente classificados como imobilizado ou investimento e posteriormente alienados.

De início, é imperioso destacar que, para empresas optantes pelo lucro presumido, as receitas oriundas da atividade imobiliária, especificamente da compra e venda de imóveis próprios, sujeitam-se aos percentuais presumidos de 8% para o Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e de 12% para a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Esta tributação permanece aplicável mesmo quando os imóveis vendidos tenham sido anteriormente objeto de locação a terceiros, desde que a locação também integre o objeto social da empresa e componha regularmente sua receita operacional.

Contudo, uma importante distinção se faz necessária. Quando os imóveis vendidos estão classificados no ativo não circulante, seja como imobilizado ou investimento, a receita obtida com a alienação deve ser tratada como ganho de capital, exceto se tais imóveis forem efetivamente destinados à atividade operacional habitual da empresa (por exemplo, imóveis adquiridos especificamente para revenda ou incorporados regularmente ao giro imobiliário). Nesse caso, o mero reclassificar contábil dos imóveis para o ativo circulante, com intenção declarada de venda, não altera a natureza da receita para operacional, devendo prevalecer a apuração como ganho de capital.

O fundamento desse entendimento reside na legislação contábil e tributária, sobretudo no artigo 25 da Lei nº 9.430/1996, que claramente distingue a receita operacional – sujeita à presunção – do ganho de capital – que é tributado integralmente sobre a diferença positiva entre o valor de alienação e o respectivo valor contábil dos bens.

Essa definição é corroborada pelos artigos 11 e 12 do Decreto-Lei nº 1.598/1977, que distinguem entre receitas oriundas das atividades principais ou acessórias (receitas operacionais) e aquelas decorrentes da alienação de bens classificados fora do giro operacional, configurando ganhos de capital. Complementarmente, a Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017 determina expressamente que a receita da venda de bens reclassificados do ativo não circulante para o ativo circulante deve preservar sua característica original de ganho de capital, salvo quando a operação integra claramente o ciclo operacional habitual da empresa.

Em termos práticos, isso significa que empresas cuja atividade imobiliária inclua regularmente a compra, locação e posterior venda de imóveis próprios devem manter criterioso registro contábil e contratual para assegurar que a receita seja corretamente classificada como operacional, sujeita à tributação mais favorável pelo lucro presumido.

Por outro lado, a venda eventual de imóveis que compõem o patrimônio permanente da empresa, como sedes ou propriedades originalmente destinadas exclusivamente à locação ou investimento patrimonial, gera, necessariamente, a apuração de ganho de capital, impactando diretamente a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Em síntese, a correta caracterização contábil e operacional das atividades imobiliárias torna-se essencial para a gestão tributária eficiente das empresas optantes pelo lucro presumido, evitando conflitos interpretativos com o Fisco e garantindo segurança jurídica nas operações imobiliárias.

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A alienação de imóveis é um tema recorrente na agenda tributária das pessoas físicas, sobretudo quando envolve operações complexas como permutas e transações imobiliárias com unidades a serem construídas. Embora seja comum a percepção de que permutas não configuram ganhos tributáveis, é fundamental compreender que a legislação traz nuances determinantes para a correta apuração do imposto sobre a renda (IRPF) incidente nessas operações.

Primeiramente, é necessário pontuar que, em regra, as permutas imobiliárias sujeitam-se à apuração do ganho de capital, com exceções claramente delimitadas pelo legislador. Nesse sentido, está expressamente excluída da tributação a permuta exclusivamente de unidades imobiliárias formalizada por meio de escritura pública, desde que não haja complementação em dinheiro (torna). Havendo o recebimento de torna, incide IRPF exclusivamente sobre o valor recebido em dinheiro.

Importante destacar que o Regulamento do Imposto de Renda (RIR/2018) equipara expressamente à permuta as operações quitadas de compra e venda de terreno quando acompanhadas de confissão de dívida e escritura pública de dação em pagamento de unidades imobiliárias, sejam elas construídas ou a construir. Essa equiparação, todavia, é restritiva e abrange exclusivamente terrenos, não podendo ser estendida a imóveis residenciais ou outros tipos de edificações já existentes. A limitação decorre diretamente do disposto no artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional, que veda interpretação ampliativa de normas que impliquem dispensa do pagamento de tributo.

Neste ponto, merece atenção a operação frequente no mercado imobiliário em que o proprietário de imóvel residencial celebra contrato de venda quitado, combinado com a confissão de dívida e escritura pública de promessa de dação em pagamento de unidades imobiliárias a serem construídas. Essa operação, embora similar àquelas que envolvem terrenos, não goza da equiparação à permuta, devendo o ganho de capital ser integralmente tributado como alienação onerosa.

Outro aspecto relevante reside no momento da tributação dessas operações. Em regra, para pessoas físicas, prevalece o regime de caixa, no qual o IRPF incidente sobre ganhos de capital decorrentes da alienação de imóveis pagos em unidades imobiliárias construídas ou a construir somente é exigível por ocasião do efetivo recebimento dessas unidades, ou seja, após a conclusão das obras e a entrega das chaves ao adquirente. Nesses casos, o imposto deve ser recolhido até o último dia útil do mês subsequente ao recebimento efetivo de cada unidade.

Finalmente, não menos relevante é a aplicação dos fatores de redução previstos no artigo 40 da Lei nº 11.196/2005. Esses fatores visam mitigar os efeitos da valorização nominal dos imóveis decorrentes da inflação, reduzindo a base tributável dos ganhos de capital. Vale ressaltar que tais fatores aplicam-se a todas as operações de alienação imobiliária realizadas por pessoas físicas residentes no país, inclusive nas situações em que o preço é recebido por meio de dação em pagamento de unidades imobiliárias a serem construídas.

Em síntese, diante da complexidade das operações imobiliárias, sobretudo envolvendo permutas e dação em pagamento, é crucial a atenção rigorosa aos critérios definidos na legislação tributária e regulatória. A precisão na qualificação jurídica da operação e no momento do reconhecimento dos ganhos de capital é essencial para evitar contingências fiscais e garantir a conformidade tributária do contribuinte pessoa física.

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A rescisão contratual entre empresas frequentemente dá ensejo ao pagamento de indenizações destinadas a compensar perdas decorrentes da interrupção abrupta de relações comerciais. Neste contexto, destacam-se duas categorias centrais de indenização: lucros cessantes e danos patrimoniais. A distinção entre elas determina, de forma decisiva, sua tributação em relação ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e às contribuições ao PIS/Pasep e Cofins.

A primeira categoria, os lucros cessantes, caracteriza-se por indenizações voltadas à compensação dos ganhos futuros que presumivelmente seriam obtidos caso o contrato não tivesse sido interrompido. Sob esse prisma, não há dúvida quanto ao acréscimo patrimonial implícito a tais valores, ainda que decorrentes de um evento lesivo. Juridicamente, portanto, é coerente que tais indenizações sejam tratadas como acréscimos patrimoniais sujeitos ao IRPJ e à CSLL, nos termos dos artigos 43 do Código Tributário Nacional (CTN) e 53 da Lei nº 9.430/1996. A jurisprudência consolidada, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), já sedimentou entendimento de que valores recebidos a título de lucros cessantes devem ser tributados por refletirem exatamente o incremento patrimonial esperado.

Por outro lado, as indenizações por danos patrimoniais, destinadas especificamente à reparação de perdas efetivas e comprováveis, como diminuições diretas do patrimônio, não se sujeitam à tributação pelo IRPJ e pela CSLL, desde que limitadas ao exato valor da perda patrimonial sofrida. Esta modalidade reparatória, por definição, não configura acréscimo patrimonial, mas mera recomposição do patrimônio ao status quo anterior ao dano.

Entretanto, importante ressalva se impõe: valores recebidos como indenização por danos patrimoniais que excedam o montante efetivamente perdido devem ser tratados como acréscimos patrimoniais e, portanto, tributáveis. Da mesma forma, valores anteriormente deduzidos como despesa e posteriormente recuperados, sob qualquer forma ou título, não gozam da não incidência, devendo integrar obrigatoriamente a base tributável do IRPJ e da CSLL.

Em relação às contribuições ao PIS/Pasep e Cofins no regime não cumulativo, a discussão ganha nova dimensão. Essas contribuições incidem sobre a totalidade das receitas auferidas pela empresa, conceito ampliado que alcança inclusive as indenizações recebidas, independentemente de serem classificadas como lucros cessantes ou danos patrimoniais. Nessa perspectiva, não há diferenciação baseada na natureza da indenização: ambos os tipos de indenização compõem, indistintamente, a base de cálculo do PIS e da Cofins, conforme previsão expressa das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003.

Essa estruturação normativa impõe às empresas uma clara obrigação de diligenciar e classificar adequadamente as indenizações recebidas, identificando precisamente o montante relativo aos lucros cessantes e aquele relativo aos danos patrimoniais, observando a extensão das efetivas perdas patrimoniais. A precisão nesse exercício não apenas assegura conformidade tributária, mas também previne futuras controvérsias com o Fisco.
Em síntese, o correto entendimento da natureza jurídica e econômica das indenizações é essencial para a adequada gestão tributária empresarial, garantindo o cumprimento das obrigações fiscais e evitando custos adicionais decorrentes de autuações e litígios.

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A Solução de Consulta COSIT nº 19, de 14 de março de 2024, trouxe importantes esclarecimentos sobre a tributação do Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) incidentes sobre atividades relacionadas a programas de computador.

Historicamente, a Receita Federal adotava um entendimento que diferenciava programas de computador padronizados ou “de prateleira” daqueles customizados ou desenvolvidos sob encomenda, atribuindo percentuais distintos para apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. No entanto, recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente nas ADIs nº 1.945 e nº 5.659, determinaram uma nova interpretação ao afastar a incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão de uso de software, passando a enquadrar essas operações exclusivamente como prestação de serviços.

Neste contexto, a Receita Federal revisou seu entendimento anterior, alinhando-se ao posicionamento do STF. Assim, independentemente de o software ser padronizado, customizado em pequena ou grande extensão, desenvolvido por encomenda ou acessado via internet, todas essas atividades passam a ser consideradas prestação de serviços para fins tributários.

Dessa forma, a base de cálculo para o IRPJ e a CSLL, segundo os artigos 15 e 20 da Lei nº 9.249/1995, respectivamente, passa a ser apurada pelo percentual de 32% sobre a receita bruta auferida nessas atividades.
A Solução de Consulta COSIT nº 19/2024 também esclareceu que atividades acessórias, como suporte técnico e hospedagem na internet de programas licenciados para uso, são consideradas atividades de prestação de serviços, igualmente sujeitas à tributação com percentual de presunção de 32%.

Para empresas que realizam múltiplas atividades, será aplicado o percentual correspondente a cada atividade, exigindo-se uma adequada segregação das receitas para correta tributação.

Este posicionamento garante maior segurança jurídica e uniformidade na tributação das empresas de tecnologia, promovendo um cenário mais previsível para contribuintes e investidores que atuam no desenvolvimento, licenciamento e cessão de software.

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A Solução de Consulta COSIT nº 47, de 21 de março de 2024, trouxe importantes esclarecimentos acerca do tratamento tributário das Sociedades Anônimas do Futebol (SAF), em especial no tocante às retenções previdenciárias previstas na Lei nº 8.212/91.

As SAF, introduzidas pela Lei nº 14.193/2021, representam uma inovação na estrutura organizacional e tributária das entidades dedicadas à prática profissional do futebol. Submetidas ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), estas sociedades realizam um recolhimento mensal consolidado em documento único de arrecadação, abrangendo tributos como IRPJ, PIS/Pasep, CSLL, Cofins, além de contribuições previdenciárias previstas no art. 22 da Lei nº 8.212/91.

No entanto, persistiam dúvidas acerca da obrigatoriedade das retenções de 5% previstas nos §§7º e 9º do art. 22 da Lei nº 8.212/91, originalmente direcionadas às associações desportivas que mantêm equipes de futebol profissional. O questionamento central dizia respeito à aplicabilidade dessas retenções às SAF, especialmente em casos de eventos esportivos e contratos de patrocínio, publicidade e licenciamento de marcas.

A COSIT esclareceu que as SAF não estão sujeitas a essas retenções, dada sua natureza jurídica específica e regime tributário próprio. A decisão fundamentou-se na clara distinção legal entre as SAF e as associações desportivas tradicionais, reafirmando que as SAF recolhem tributos exclusivamente na forma estabelecida pelo TEF, sem retenções adicionais.

Ainda, foi destacado que, em casos de retenções indevidas realizadas por promotores de eventos ou patrocinadores, tanto a SAF quanto a fonte pagadora possuem direito de pleitear a restituição do valor retido. A fonte pagadora, entretanto, somente pode solicitar a restituição se comprovar a devolução integral da quantia retida ao beneficiário.
Este entendimento harmoniza-se com a Solução de Consulta COSIT nº 22/2013, preservando a segurança jurídica e evitando duplas tributações ou recolhimentos indevidos.

Assim, a Receita Federal garante maior clareza e previsibilidade na tributação das SAF, fortalecendo a atratividade do modelo e proporcionando um ambiente jurídico mais seguro para investidores e entidades esportivas que optarem por essa nova estrutura organizacional.