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AFAC não capitalizado em cinco anos: entre a intenção societária e a requalificação tributária

24/10/2025

Guilherme Chambarelli

Os adiantamentos para futuro aumento de capital (AFAC) continuam a ocupar um espaço ambíguo na jurisprudência administrativa.
Mesmo após a superação formal do antigo Parecer Normativo CST nº 17/1984, que impunha prazo de 20 dias para capitalização, o CARF tem reafirmado que a ausência de documentação adequada e a demora excessiva na integralização do capital podem gerar a requalificação do AFAC como operação de mútuo — com consequente incidência de IOF.

O recente acórdão nº 3102-002.911, publicado em 2025, ilustra bem essa tensão.
O colegiado reconheceu que a simples inobservância de prazos normativos revogados não basta para caracterizar irregularidade, mas ressaltou que o comportamento fático e contábil do contribuinte é determinante para aferir a natureza jurídica da operação.

Em síntese, o CARF sinaliza que o que define o AFAC não é o nome que se lhe dá, mas a intenção que o sustenta.


Do prazo de 20 dias ao princípio da substância sobre a forma

Na decisão anterior (acórdão nº 3002-003.781), o Tribunal havia andado bem ao afastar a aplicação automática do prazo de 20 dias previsto no Parecer Normativo CST nº 17/1984, reconhecendo que o dispositivo estava revogado e anacrônico.
A lógica formalista daquele parecer — que condicionava a natureza do AFAC à capitalização quase imediata — havia se tornado incompatível com a realidade societária moderna, em que adiantamentos podem ter natureza de planejamento de capital de longo prazo.

Contudo, o acórdão nº 3102-002.911 demonstra que, embora o prazo não seja mais o elemento decisivo, o tempo continua sendo um indício relevante.
No caso analisado, a ausência de documento formal e a demora superior a cinco anos para a capitalização foram interpretadas como sinais inequívocos de que nunca houve intenção real de integralizar o capital.
Para o CARF, a falta de materialidade societária transformou o AFAC em empréstimo disfarçado, atraindo o IOF-crédito.


Forma e substância: a intenção como elemento central

A discussão transcende a contabilidade e alcança o campo da intenção negocial.
O AFAC, por definição, é um instrumento de aporte patrimonial, e não uma operação financeira.
A diferença é sutil, mas essencial:
no AFAC, o recurso é destinado a reforçar o capital da sociedade, sem expectativa de devolução;
no mútuo, há animus restituendi, isto é, intenção de restituição.

O CARF, ao adotar um critério substancial, tem enfatizado a necessidade de prova documental robusta da intenção de capitalizar.
A inexistência de contrato formal, de deliberação societária ou de registro contábil no patrimônio líquido abre espaço para a atuação da fiscalização, que pode interpretar o aporte como mútuo — sobretudo quando a capitalização é adiada indefinidamente.

O tempo, nesse contexto, deixa de ser mero detalhe e passa a ser elemento probatório da vontade.


Aspectos contábeis e boas práticas societárias

A decisão evidencia a importância de formalizar adequadamente o Termo de AFAC, documento que deve indicar:

  • o propósito do adiantamento;

  • a destinação dos recursos;

  • o motivo da não capitalização imediata; e

  • eventual prazo estimado para integralização.

Além disso, o correto lançamento contábil no patrimônio líquido da empresa recebedora é essencial.
Registrar o valor no passivo — como se fosse uma dívida — reforça a aparência de mútuo, minando a tese societária.
A classificação contábil deve refletir o caráter permanente do aporte, demonstrando que não há obrigação de devolução.

Outro ponto relevante é a correspondência entre o AFAC e o capital futuro efetivamente deliberado.
A ausência de evolução formal (assembleia, alteração contratual, ou justificativa plausível para o adiamento) pode ser interpretada como indício de artificialidade.


O equilíbrio entre planejamento societário e risco tributário

O debate sobre AFACs é emblemático da tensão entre liberdade societária e controle fiscal.
Por um lado, o ordenamento reconhece a autonomia dos sócios para decidir o momento e a forma de capitalizar seus aportes;
por outro, a Fazenda Nacional busca evitar que essa flexibilidade seja usada como instrumento de diferimento tributário ou simulação de operações de crédito.

O ponto de equilíbrio está na transparência documental e contábil.
Enquanto houver coerência entre a intenção declarada e a prática empresarial, o AFAC mantém sua natureza patrimonial.
Quando essa coerência se rompe — especialmente por inércia, ausência de prova ou longos lapsos de tempo —, o terreno se abre para a requalificação tributária.


Conclusão

O acórdão nº 3102-002.911 reforça uma mensagem clara: a essência prevalece sobre a forma.
A falta de formalização e a demora excessiva na capitalização transformam o AFAC de aporte societário em operação financeira, com todas as consequências tributárias decorrentes.

Mais do que prazos, o que se exige do contribuinte é coerência entre a intenção societária e o comportamento contábil.
E, num cenário de crescente fiscalização sobre reorganizações e fluxos de capital entre empresas do mesmo grupo, essa coerência é o verdadeiro escudo contra a tributação indevida.


Chambarelli Advogados

O Chambarelli Advogados assessora empresas em operações societárias e estruturadas, com foco em planejamento jurídico, contábil e fiscal de aportes, reorganizações e AFACs.
Com atuação integrada em governança e tributação, o escritório auxilia grupos empresariais a formalizar corretamente suas operações e mitigar riscos de requalificação pelo Fisco.

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