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A distribuição desproporcional de lucros em sociedades médicas

11/08/2025

Guilherme Chambarelli

O sócio Guilherme Chambarelli publicou o artigo “A distribuição desproporcional de lucros em sociedades médicas” no Portal Medicina S/A. Confira o artigo na íntegra abaixo:


Imagine um consultório médico estruturado como uma sociedade limitada, onde quatro médicos dividem, em partes iguais, a titularidade do capital social. Em teoria, cada um detém 25% das quotas e, por isso, teria direito a 25% dos lucros ao final do exercício. Mas e se, na prática, dois desses profissionais atenderam o dobro de pacientes, geraram mais receitas e assumiram responsabilidades operacionais que extrapolam o ordinário? Seria justo que o lucro fosse dividido de forma igualitária?

Esse cenário é comum em sociedades médicas, nas quais o volume de atendimento, a especialidade, a captação de pacientes e a dedicação de cada sócio variam significativamente. Nesse contexto, surge uma solução jurídica legítima e eficiente: a distribuição desproporcional de lucros. O artigo 1.007 do Código Civil permite expressamente essa possibilidade, desde que esteja prevista no contrato social.

Produtividade como critério de repartição

Na prática, muitos médicos recorrem a esse mecanismo para que a repartição dos resultados da sociedade reflita o esforço e a produtividade de cada sócio. Trata-se de um critério negocial válido, que pode ser fundamental para preservar o senso de justiça e evitar conflitos internos.

Contudo, é justamente nesse ponto que a atenção deve ser redobrada. Distribuições desproporcionais de lucros, especialmente em sociedades familiares ou entre pessoas com laços estreitos, vêm sendo interpretadas pelas autoridades fiscais e pelo Poder Judiciário com rigor crescente. O receio é que se use essa ferramenta como um disfarce para doações, escapando da incidência do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação).

O precedente do TJ-SP e o risco da desconsideração

Em fevereiro de 2025, a 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a exigência de ITCMD sobre lucros desproporcionalmente distribuídos entre pais e filhos sócios de uma empresa familiar, na qual os filhos receberam 90% dos lucros, apesar de deterem apenas 2% do capital social. A Corte entendeu que não havia justificativa negocial clara, tratando-se, na verdade, de um ato de liberalidade – ou seja, uma doação.

A decisão deixou um recado claro: a simples previsão contratual para distribuição desproporcional não é suficiente. É indispensável que exista uma motivação negocial plausível, documentada e compatível com a realidade da sociedade.

Como proteger sua sociedade médica

Para evitar a requalificação da operação como doação e o consequente risco de autuação fiscal, algumas medidas são fundamentais:

  1. Previsão contratual expressa: o contrato social deve permitir a distribuição desproporcional de lucros e definir que critérios – como produtividade, metas, captação de pacientes – poderão ser utilizados.
  2. Deliberação documentada: a decisão de distribuição desproporcional deve ser aprovada em reunião de sócios, com ata detalhando os fundamentos da medida.
  3. Critérios objetivos: a produtividade precisa ser mensurada de forma transparente, com indicadores acordados previamente entre os sócios.
  4. Acordo de sócios: esse instrumento pode prever regras detalhadas sobre como será avaliada a performance individual e como isso influenciará a participação nos lucros.

Justiça na medida de cada um

A distribuição desproporcional, quando bem estruturada, não só é legal como também pode ser essencial para o equilíbrio e a longevidade das sociedades médicas. Trata-se de reconhecer, com justiça, o mérito individual de cada profissional, sem abrir mão da segurança jurídica.

Entretanto, é preciso cautela: na ausência de propósito negocial, o Fisco pode entender que há liberalidade e exigir ITCMD. Mais do que nunca, a regra de ouro é: formalize, documente e justifique.

No fim, a equidade dentro de uma sociedade médica não se faz apenas com igualdade na titularidade das quotas, mas com sensibilidade à realidade do trabalho realizado por cada sócio – e isso, o direito bem aplicado pode (e deve) permitir.

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