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Contratos empresariais sob nova ótica tributária e societária

12/11/2025

Guilherme Chambarelli

A consolidação de uma nova arquitetura tributária no Brasil exige que empresas revisitem seus contratos com atenção redobrada. A aprovação do PL 1.087/2025, a tributação de dividendos a partir de 2026, o avanço de regimes especiais, a intensificação da fiscalização digital, além da crescente interação entre direito societário e direito tributário, transformaram o contrato empresarial em um instrumento que deixou de ser apenas jurídico. Ele se converteu em um mecanismo de prevenção de riscos, de governança e de planejamento financeiro.

O ambiente pós-reforma tributária redefine a forma como sociedades limitadas, SAs, empresas familiares, startups e negócios de médio e grande porte estruturam contratos de prestação de serviços, contratos de parceria, acordos societários, contratos de M&A, locações, franquias, distribuição e modelos híbridos de remuneração. A mudança não se limita à tributação; ela afeta a lógica de alocação de riscos, deveres fiduciários, cláusulas de indenização, arranjos de pagamento e até a mecânica de auditoria e verificação de performance.

1. A nova sensibilidade tributária dos contratos empresariais

A reforma tributária de 2025 introduziu elementos que exigem uma leitura tributária integrada de todos os contratos celebrados por pessoas jurídicas. As empresas passam a lidar com três efeitos imediatos.

O primeiro é o impacto sobre a distribuição de lucros e a remuneração de sócios. Qualquer contrato que preveja distribuição de resultados, bonificações, earn-out, remuneração variável, cláusulas de performance ou pagamentos vinculados a métricas financeiras precisa ser reinterpretado à luz da tributação de dividendos e do Minimum Tax. A forma de distribuir, o prazo de deliberação e as condições de pagamento influenciam diretamente a carga tributária dos sócios, o que impõe maior precisão redacional.

O segundo efeito é a crescente necessidade de diferenciar, com lastro documental, o que constitui prestação de serviços, cessão de direitos, remuneração de capital, locação de bens móveis ou imóveis e distribuição de lucros. A Receita Federal intensificou a análise de substância econômica e tende a desconsiderar contratos formais que não reflitam a realidade operacional.

O terceiro efeito decorre da própria reorganização das empresas. Cláusulas que antes eram neutras passam a gerar impactos: cláusulas de antecipação, retenção, exoneração de responsabilidade, repactuação, ajuste de preço e indenizações por contingências tributárias assumem papel central.

2. O contrato como ferramenta de governança societária

A distinção entre atos societários e contratos empresariais tornou-se menos nítida. Na prática, contratos operacionais moldam a governança, e a governança molda a tributação. Acordos de sócios, contratos de quotistas, vesting, SAFE, mútuo conversível, contratos de participação e contratos de cessão de quotas precisam ser analisados sob três dimensões complementares.

A primeira é a capacidade do contrato de refletir regras internas de alocação de riscos tributários. A delimitação de quem suporta ônus fiscais, como se calculam créditos, quais são os gatilhos de indenização e como se apuram diferenças decorrentes de autuações passaram a ser disposições essenciais. Ignorar esse ponto é criar litígio futuro.

A segunda é a integração entre contract design e compliance societário. Contratos que apresentam mecanismos de distribuição automática de resultados, cláusulas de deadlock, abertura para entrada de novos sócios ou previsão de consolidação de renda devem ser compatíveis com a política de dividendos, o estatuto ou contrato social e a reorganização societária pós-reforma.

A terceira é o reforço dos deveres fiduciários. Cláusulas de disclosure, auditoria, aprovação de contas, acesso a informações e mecanismos de verificação assumem novas funções porque interferem diretamente na apuração da carga tributária final dos sócios.

3. Contratos operacionais: riscos invisíveis e impactos tributários diretos

Contratos que antes eram considerados meramente operacionais passaram a gerar efeitos tributários inimagináveis. Três grupos merecem atenção.

a) Locações, sublocações e compartilhamento de espaços

Arranjos híbridos, sublocações parciais e contratos de compartilhamento de estrutura podem gerar risco de caracterização de prestação de serviços quando não há segregação adequada de responsabilidades. A classificação tributária da receita e das despesas envolvidas impacta IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, ISS e até a mecânica de créditos e retenções.

b) Parcerias comerciais e contratos de comissionamento

Modelos de parceria entre empresas, clínicas, escritórios, varejo ou tecnologia podem ser qualificados como relação de prestação de serviços caso a paridade entre as partes não seja clara. Além disso, a receita é escrutinada para verificar se corresponde a remuneração pelo serviço ou partilha de resultados, o que influencia o tratamento no IR e no ISS.

c) Contratos de tecnologia, licenciamento, software e propriedade intelectual

Com a mudança de entendimento da Receita sobre o licenciamento de software, o enquadramento contratual pode alterar a carga do imposto de renda retido na fonte, do CIDE-Royalties, do ISS e do ICMS. A categorização entre software como serviço, licenciamento, cessão ou uso definitivo deve ser expressa, técnica e alinhada à realidade.

4. M&A e reorganizações: a era das cláusulas de alocação fiscal

Em operações de compra e venda de empresas, contratos de M&A se tornam ainda mais sensíveis. Due diligence, locked box, earn-out, cláusulas de price adjustment e compromissos de distribuição de lucros pré-closing precisam ser revistos.

A tributação de dividendos altera o racional de ofertas, a escolha entre compra de quotas e compra de ativos, as formas de financiamento, a reorganização pós-closing e até o cálculo de valuation. A ausência de cláusulas claras sobre quem arca com a carga tributária gerada pela operação pode destruir o racional econômico do negócio.

5. O novo papel das cláusulas de indenização

A tendência global é clara: cláusulas de indenização específicas para contingências tributárias se tornam obrigatórias. Mas o Brasil adiciona uma camada de complexidade. A responsabilidade por diferenças de Minimum Tax, glosas de créditos, diferenças de WHT, ajustes de preços e reenquadramentos contratuais passa a ser determinável somente via redação precisa e documentalmente respaldada.

Sem isso, empresas podem ser surpreendidas por autuações decorrentes de estruturas contratuais que, à época da assinatura, eram consideradas neutras.

6. O que as empresas devem fazer agora

Diante desse cenário, recomenda-se que empresas de todos os portes realizem uma revisão integral de seus contratos empresariais, priorizando:

• clareza na natureza jurídica de cada obrigação
• alinhamento entre contrato social, acordo de sócios e contratos operacionais
• revisão de cláusulas de desempenho e remuneração pós-tributação de dividendos
• definição de regimes de responsabilização fiscal e regras de indenização
• adequação de contratos de tecnologia e propriedade intelectual aos novos entendimentos
• análise de riscos trabalhistas, tributários e societários integrados
• formalização de políticas de distribuição de resultados
• reforço de mecanismos de auditoria, verificação e disclosure

Mais do que um exercício de revisão documental, trata-se de consolidar um modelo de governança capaz de resistir à nova fiscalização digital, ao cruzamento de bases de dados e à lógica da tributação integrada.

Conclusão

Os contratos empresariais passam a ocupar um espaço central no planejamento tributário e societário. Em vez de meros instrumentos formais, eles se tornam engrenagens estruturais que influenciam a carga tributária, a governança e a sustentabilidade jurídica dos negócios.

O Brasil entra em uma fase em que contrato mal redigido não apenas gera litígio, mas destrói valor econômico. A nova ótica tributária exige precisão técnica, visão estratégica e uma leitura sistêmica que conecte operação, estrutura societária, contabilidade e regulação.

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