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Créditos de PIS/COFINS sobre investimentos em inteligência artificial

12/11/2025

Guilherme Chambarelli

1. Introdução

A iminente extinção do PIS e da COFINS, substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) no âmbito da Reforma Tributária do consumo, não elimina a necessidade de enfrentar temas pendentes no regime atual. Ao contrário: acelera uma série de debates cuja resolução influenciará diretamente o desenho interpretativo do novo tributo. Entre eles, destaca-se a discussão sobre o direito ao crédito das contribuições incidentes sobre investimentos em inteligência artificial (IA).

A transformação tecnológica recente, marcada pela adoção massiva de modelos de IA generativa, machine learning e automação preditiva, provoca um deslocamento do eixo econômico das atividades empresariais — especialmente nos setores de tecnologia, plataformas digitais, serviços escaláveis e startups. Nesse cenário, a IA deixa de ser mero diferencial competitivo e passa a configurar elemento essencial para a própria viabilidade do negócio.

Diante disso, a controvérsia sobre a possibilidade de creditamento com base nos critérios de essencialidade e relevância, delineados pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.221.170/PR (Tema 779), ganha novos contornos. A questão que se coloca é: os dispêndios relacionados à implementação, treinamento, manutenção e contratação de sistemas de IA podem ser considerados insumos aptos a gerar créditos de PIS/COFINS?

2. O conceito de insumo e a evolução jurisprudencial

A jurisprudência consolidada pelo STJ estabeleceu que o conceito de insumo, para fins de creditamento no regime não cumulativo, deve ser interpretado conforme a “essencialidade” ou a “relevância” do bem ou serviço na cadeia produtiva do contribuinte. O critério afasta visões maximalistas ou minimalistas, adotando análise funcional e teleológica.

O que se observa, entretanto, é que o avanço tecnológico altera a própria noção de essencialidade. Se em um passado recente sistemas avançados de dados podiam ser compreendidos como instrumentos de aumento de produtividade, hoje constituem infraestrutura necessária ao exercício de certas atividades — especialmente as baseadas em modelos algorítmicos.

A automação de processos, o processamento massivo de dados, o aprendizado de máquina e a tomada de decisão baseada em modelos preditivos não são mais escolhas discricionárias para diversos segmentos; são pressupostos operacionais. Portanto, há um deslocamento estrutural que impõe revisão do que se entende por insumo no setor tecnológico e nas atividades digitais.

3. Inteligência artificial como infraestrutura essencial

A literatura econômica contemporânea qualifica a IA como general purpose technology (GPT), categoria que inclui inovações que alteram, de modo transversal, a estrutura produtiva de diversos setores. Tal classificação evidencia que a IA possui caráter sistêmico, com impactos diretos em produtividade, eficiência alocativa e capacidade competitiva das empresas.

Do ponto de vista jurídico-tributário, esse enquadramento representa um elemento fundamental: tecnologias de propósito geral tendem a se transformar em infraestrutura produtiva esencial — e não em simples bens ou serviços acessórios.

Assim, atividades empresariais que dependem de modelos de IA para sua operação diária — como otimização de rotas, detecção de fraudes, personalização de serviços, análise preditiva de mercado, estratégias de retenção, automação de compliance e operações de data-driven marketing — passam a incorporar tais sistemas como núcleo de sua atividade econômica.

Nesse contexto, despesas relacionadas à modelagem, desenvolvimento, treinamento de algoritmos, aquisição de GPUs, contratação de APIs de IA, computação em nuvem para processamento de modelos, licenciamento de plataformas, integração de sistemas e custos de engenharia de dados podem, em determinadas circunstâncias, ser considerados intrínsecos ao processo produtivo.

4. A revisão da essencialidade diante da transformação tecnológica

Um ponto central na interpretação dos insumos tecnológicos é que a essencialidade é dinâmica. Ela não se fixa no momento histórico em que o STJ definiu o critério, mas acompanha as mutações da estrutura produtiva.

Assim como, em determinado momento, serviços de telecomunicação passaram a ser reconhecidos como essenciais para empresas cuja atividade se tornou digitalizada, a inteligência artificial representa nova fronteira interpretativa.

A discussão jurídica precisa considerar:

  • a natureza da atividade do contribuinte;

  • o grau de dependência tecnológica do processo produtivo;

  • a relação de causalidade entre o dispêndio e a geração da receita;

  • a indispensabilidade do investimento para manter a competitividade;

  • o caráter estrutural da IA no modelo de negócios.

Essa abordagem situa a controvérsia dentro da evolução natural do conceito de insumo, em diálogo com o desenvolvimento econômico e com a materialidade dos processos produtivos contemporâneos.

5. Os efeitos do regime de transição e a influência sobre a CBS

Embora o PIS/COFINS caminhe para a extinção, permanece vigente até o final da transição estabelecida pela Emenda Constitucional 132/2023. O modo como o Poder Judiciário resolverá a discussão sobre creditamento de dispêndios tecnológicos servirá de baliza interpretativa para a CBS, cuja não cumulatividade é estruturada em bases distintas, mas igualmente dependente de definições claras sobre o que compõe o custo das operações.

O legislador buscou mitigar ambiguidades, mas a experiência dos últimos 20 anos demonstrou que categorias econômicas mal definidas geram contencioso significativo. Por isso, a solução desse debate antes da consolidação da CBS tem relevância sistêmica: influenciará o que será considerado creditável no novo regime.

6. Considerações finais

Do ponto de vista econômico e jurídico, é difícil sustentar que investimentos em IA continuem a ser classificados como despesas periféricas ou como elementos acessórios da cadeia produtiva. Em setores inteiros, a IA é hoje o próprio alicerce operacional do negócio.

A delimitação do direito ao crédito, à luz do critério constitucional de não cumulatividade e das diretrizes jurisprudenciais, deve refletir essa transformação. A discussão transcende o PIS/COFINS: trata-se de definir a racionalidade tributária de um país que pretende competir globalmente na economia dos dados.

Em síntese, embora se trate de um regime em extinção, a forma como essa última grande controvérsia será resolvida terá implicações duradouras sobre a arquitetura do novo modelo tributário e sobre a capacidade do Brasil de acompanhar — ou não — as tecnologias que já moldam o século XXI.

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