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Indenizações securitárias e tributação: STJ afasta IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre valores de recomposição patrimonial

27/10/2025

Guilherme Chambarelli

A distinção entre receita e recomposição patrimonial

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o AgInt no REsp nº 2.140.074/SP em 28 de maio de 2025, consolidou um importante precedente sobre a não incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre valores recebidos a título de indenização securitária.
A decisão reafirma um ponto fundamental da teoria da tributação da renda: não há receita nem lucro onde não há acréscimo patrimonial.

O caso envolveu uma empresa tributada pelo lucro real, que havia recebido valores de seguradora em virtude de sinistros envolvendo veículos de sua frota. A Fazenda Nacional pretendia tributar as indenizações como receita, argumentando que o ingresso, ainda que eventual, deveria ser incorporado à base de cálculo dos tributos federais.

O STJ, entretanto, rejeitou integralmente a tese fazendária, reconhecendo que as indenizações securitárias têm natureza reparatória e, portanto, não configuram receita nem lucro tributável.


A essência reparatória das indenizações

Sob relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, o Tribunal destacou que a finalidade da indenização securitária é recompor o patrimônio perdido, e não gerar riqueza nova.
Ainda que, sob a ótica contábil, o ingresso seja classificado como “outras receitas” ou “receitas não operacionais”, a forma contábil não altera a essência jurídica — e, na ausência de acréscimo patrimonial, inexiste fato gerador de IRPJ, CSLL, PIS ou Cofins.

A decisão reafirma a importância do princípio da realidade econômica na tributação da renda:

“não basta o ingresso de recursos no ativo; é preciso que o evento econômico produza aumento de riqueza nova e disponível”.

Essa distinção, embora consagrada pela doutrina e jurisprudência, ainda é constantemente tensionada pela Administração Tributária, que tende a interpretar de modo literal as regras de incidência e exclusão.


O ponto mais sensível: a diferença entre o valor da indenização e o valor contábil do bem

O aspecto mais inovador do julgado foi o afastamento expresso da tributação sobre a diferença entre o valor da indenização e o valor contábil do ativo sinistrado.
A Fazenda sustentava que, quando o valor pago pela seguradora supera o valor líquido contábil do bem (depreciado ao longo do tempo), haveria um “ganho de capital” passível de tributação.

O STJ, porém, refutou essa leitura.
A Corte observou que essa diferença não representa lucro, mas apenas reflete a divergência entre o valor contábil depreciado e o valor econômico do bem no momento do sinistro, usualmente apurado pela seguradora.
A indenização, portanto, recompõe o valor econômico integral do ativo perdido, e não constitui acréscimo de riqueza.

Em termos práticos, o Tribunal reconhece que a contabilidade reflete custo histórico, enquanto o seguro opera sobre valor de reposição.
Logo, o que aparenta ser “ganho contábil” é, na realidade, neutralidade econômica.


O conflito com o art. 441, II, do RIR/2018

Embora o dispositivo não tenha sido objeto central da controvérsia, a decisão tangencia o art. 441, II, do RIR/2018, segundo o qual as recuperações de custos ou despesas são tributáveis quando tais custos ou despesas foram deduzidos anteriormente.
O raciocínio da norma é de neutralidade: evitar que o contribuinte deduza o custo do bem no passado e, ao recuperá-lo, deixe de tributar o valor recebido.

O STJ, todavia, supera implicitamente essa lógica, ao afastar a tributação inclusive sobre a parcela que ultrapassa o custo contábil residual.
Para a Corte, a diferença não decorre de um ganho, mas de uma recomposição do valor econômico do ativo, o que desarma a hipótese de neutralização contábil prevista no regulamento.

É uma inflexão relevante: a decisão eleva o critério econômico acima do critério contábil, reafirmando a distinção entre recuperação de custo dedutível e indenização reparatória de ativo.


PIS e Cofins: a prévia identificação do conceito de receita

O STJ também afastou a incidência de PIS e Cofins, enfatizando que o §3º do art. 1º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 — que lista exclusões da base de cálculo — somente se aplica após se verificar que o ingresso é receita tributável.
Ou seja, se o ingresso não é receita, não há sequer razão para invocar hipóteses de exclusão.

Com isso, o Tribunal contornou o argumento fazendário de que “todas as entradas são receitas tributáveis, salvo as exceções legais”, reafirmando que indenizações reparatórias não integram a materialidade do PIS/Cofins, por não representarem faturamento nem receita bruta.


O avanço conceitual: dano emergente x lucro cessante

O precedente também reforça a distinção clássica entre dano emergente (reposição do patrimônio efetivamente perdido) e lucro cessante (compensação de receitas que deixaram de ser auferidas).
Somente este último possui potencial de tributação, já que gera acréscimo de riqueza.

Ao enquadrar as indenizações securitárias no campo do dano emergente, o STJ reafirma a diretriz de que a tributação da renda deve incidir sobre fluxos de riqueza, e não sobre a mera restituição de valor.

Trata-se de um avanço conceitual que resgata o princípio da capacidade contributiva, ao impedir que operações economicamente neutras sejam artificialmente tratadas como rendimento.


Conclusão

O AgInt no REsp 2.140.074/SP é um marco na jurisprudência tributária ao consolidar a não incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre indenizações securitárias.
Mais do que um precedente técnico, a decisão reafirma o compromisso do STJ com a coerência econômica do sistema tributário, afastando a tributação de eventos que não representam acréscimo de riqueza.

Ao reconhecer que indenizações por dano emergente recompõem, e não enriquecem, o Tribunal corrige uma distorção histórica da prática fiscal e reforça a segurança jurídica das empresas que operam sob o regime do lucro real.


Chambarelli Advogados

O Chambarelli Advogados assessora empresas na interpretação e aplicação de precedentes tributários, atuando em contencioso estratégico e consultoria de alta complexidade.
Com abordagem técnico-econômica e foco em neutralidade fiscal e governança tributária, o escritório auxilia grupos empresariais a alinhar contabilidade e tributação segundo os mais recentes entendimentos do STJ e do CARF.

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