
O contrato social ou estatuto é a certidão de nascimento de uma empresa. Mas é no acordo de sócios que se revela sua verdadeira constituição genética.
Seja numa startup em rodada de investimento, seja numa empresa familiar de capital fechado, o acordo de sócios é o documento que organiza a convivência entre interesses distintos, preserva a lógica de governança e evita que conflitos se transformem em paralisia institucional.
Por isso, mais do que um instrumento formal, o acordo de sócios é uma ferramenta de inteligência jurídica aplicada à convivência societária. A seguir, destacamos as cláusulas que devem constar em qualquer estruturação séria — especialmente quando se busca proteção contra imprevistos, litígios ou eventos de liquidez.
Startups costumam começar com o entusiasmo de fundadores e cofundadores, mas a realidade impõe curvas de engajamento diferentes. O vesting garante que a participação societária será adquirida ao longo do tempo, conforme marcos de dedicação ou performance.
Já o cliff é o período de carência inicial — se o sócio sair antes desse prazo, perde o direito à participação. Isso protege a startup de “fantasmas societários” que deixam o negócio precocemente, mas permanecem com cotas relevantes.
Preferência na venda: garante que sócios tenham o direito de adquirir cotas em caso de venda de outro sócio, evitando a entrada de terceiros indesejados.
Tag along: protege minoritários, obrigando o comprador da participação majoritária a estender a oferta aos demais sócios.
Drag along: assegura que, diante de uma proposta vantajosa para o conjunto, minoritários não bloqueiem a venda da empresa.
Essas cláusulas formam o “trípé de liquidez” em qualquer acordo moderno.
É comum o sócio sair e abrir um negócio semelhante, levando consigo equipe, clientes e know-how. Cláusulas de não concorrência, não aliciamento e confidencialidade são fundamentais para proteger o intangível da empresa.
Além disso, o acordo deve prever mecanismos claros de saída voluntária ou forçada, como:
Put e call options
Avaliação por múltiplos ou valuation justo
Prazo e condições para pagamento
Nem tudo pode ser decidido por maioria simples. Algumas decisões devem exigir quórum qualificado, como:
Venda da empresa
Aumento de capital
Alteração do objeto social
Mudança da sede
Empresas familiares, em especial, devem prever veto de herdeiros ou ramos familiares em questões estratégicas, protegendo a cultura e o propósito fundacional do negócio.
Empresas com 2 ou 4 sócios vivem o risco do empate decisório. É essencial prever:
Presidente rotativo com voto de desempate
Mediação ou arbitragem prévia
Shotgun clause: em casos de deadlock, um sócio pode fazer uma oferta e o outro deve aceitar ou comprar nas mesmas condições.
Isso evita judicialização e preserva o valor da empresa diante de conflitos internos.
No falecimento de um sócio, a entrada de herdeiros pode quebrar a lógica da sociedade. O acordo deve prever:
Proibição de transferência a terceiros sem aprovação dos sócios
Compra compulsória de quotas por holding familiar
Seguro societário para pagamento de indenização aos herdeiros
Em empresas familiares, esse ponto é crítico: sucessão mal organizada é uma das principais causas de falência na 2ª geração.
Tribunais arbitrais têm ganhado espaço por sua agilidade, sigilo e especialização. A cláusula compromissória de arbitragem deve:
Indicar a câmara arbitral
Determinar número de árbitros
Estabelecer regras procedimentais
Isso evita que disputas societárias sensíveis sejam decididas no Judiciário, onde o tempo e a imprevisibilidade custam caro.
Um acordo de sócios malfeito não é apenas um risco jurídico — é um risco estratégico.
Em startups, isso pode significar a perda de controle no momento da captação. Em empresas familiares, pode gerar conflitos intergeracionais irreversíveis. Em ambos os casos, o custo da omissão é muito maior do que o da estruturação.
Na dúvida, o melhor momento de firmar um bom acordo de sócios é antes que ele seja necessário.