
O recente Acórdão nº 1402-007.205, proferido pela 1ª Seção, 4ª Câmara, 2ª Turma Ordinária do CARF em 11 de dezembro de 2024, reacende uma controvérsia recorrente no planejamento tributário de grupos empresariais: a dedutibilidade das despesas operacionais rateadas no âmbito do IRPJ. No caso, a Philco Eletrônicos S.A. e a Fazenda Nacional discutiram a validade da dedução de despesas rateadas com base no critério de faturamento entre empresas do Grupo Britânia.
A decisão aprofunda a interpretação do artigo 299 do RIR/1999, reafirmando que não basta adotar um critério de rateio objetivo; é imprescindível que ele também seja razoável e reflita a efetiva utilização das despesas por cada empresa participante. O simples uso do faturamento como critério universal foi expressamente rechaçado.
O ponto central: critério de rateio e sua compatibilidade com a efetiva utilização das despesas
O CARF reconheceu que o rateio de despesas entre empresas do mesmo grupo é prática legítima, amparada inclusive pela Solução de Divergência COSIT nº 23/2023. Contudo, condicionou sua dedutibilidade à observância cumulativa de três requisitos: necessidade, usualidade e normalidade da despesa (art. 299 do RIR/99). E, para isso, o critério de rateio precisa traduzir fielmente a utilização econômica de cada insumo, bem como respeitar as particularidades operacionais das empresas envolvidas.
No caso Philco, o Fisco desconsiderou o critério adotado (faturamento), por entender que ele não espelhava a realidade das operações. A fiscalização demonstrou que empresas com perfis distintos — como uma indústria situada na Zona Franca de Manaus, uma importadora revendedora em Curitiba e uma fabricante em Joinville — não poderiam compartilhar despesas com base em um critério tão genérico.
Razoabilidade, proporcionalidade e verdade material: lições do caso Philco
O voto vencedor destacou que a objetividade de um critério não garante sua adequação, pois o que está em jogo é a mensuração justa da participação de cada empresa nos custos comuns. Exemplo emblemático foi a despesa com seguros de recebíveis, cujo rateio deveria considerar o índice de inadimplência de cada empresa — e não o faturamento.
Além disso, ficou evidenciado que a própria recorrente não seguiu os percentuais definidos em contrato. A execução prática do rateio foi falha e descoordenada com os documentos contratuais, o que fragilizou ainda mais a tese defensiva.
Ernst & Young e a tentativa de salvar a dedutibilidade: uma prova que virou contra a recorrente
Um parecer técnico da Ernst & Young foi apresentado pela Philco para demonstrar que, com base no critério do faturamento, ela teria arcado com menos despesas do que lhe caberia. No entanto, o CARF entendeu que o parecer apenas reafirma um critério já afastado por sua inconsistência lógica. Pior: o documento admitiu que o contrato de rateio não foi efetivamente cumprido — fragilizando ainda mais a argumentação.
Jurisprudência reafirma a centralidade da “efetiva utilização”
Essa decisão se alinha com o entendimento predominante do próprio CARF de que o rateio de despesas exige comprovação do benefício direto obtido por cada empresa. O Tópico 7.4.2 do Termo de Verificação Fiscal (TVF) foi claro: não basta a formalização contratual; é necessária a aderência material entre a despesa e a atividade desempenhada.
O ponto é essencial para evitar que estruturas de centralização de custos sejam utilizadas para manipular resultados contábeis entre empresas do mesmo grupo, sobretudo quando há diferentes regimes tributários em jogo.
Reflexões práticas: como estruturar contratos de rateio à luz da decisão?
A decisão do CARF impõe um novo padrão de diligência para grupos empresariais que compartilham estruturas administrativas, financeiras ou operacionais:
Justificativa individualizada: cada despesa rateada deve ter correlação clara com os serviços efetivamente recebidos.
Critérios múltiplos e customizados: o faturamento pode ser um dos critérios, mas não deve ser o único, nem o principal, em estruturas complexas.
Controles gerenciais auditáveis: o uso de ferramentas internas que comprovem a destinação de cada despesa por unidade operacional é imprescindível.
Conformidade contratual e execução prática: o contrato de rateio deve ser rigorosamente cumprido na prática — divergências entre a teoria e a execução fragilizam a defesa.
Conclusão
O caso Philco serve como alerta a todos os grupos empresariais que adotam contratos de rateio de despesas. A tese defendida pela Receita Federal foi acolhida pelo CARF, reafirmando que a substância econômica deve prevalecer sobre a forma contratual, e que a dedução de despesas comuns só será admitida quando houver razoabilidade, aderência operacional e prova concreta do benefício obtido.
A área tributária do Chambarelli Advogados segue atenta aos desdobramentos desse tema e está à disposição para orientar seus clientes na revisão de seus contratos de rateio, estrutura de custos compartilhados e estratégias de compliance fiscal.
16/11/2022
Guilherme Chambarelli
16/11/2022
Guilherme Chambarelli
29/06/2025
Guilherme Chambarelli