
Em um ambiente empresarial cada vez mais complexo e criativo, especialmente no Brasil, os mecanismos jurídicos precisam estar atentos à essência das relações, e não apenas à forma. Foi exatamente isso que reconheceu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o AgInt no REsp 1.837.435-SP, reafirmando que a sucessão empresarial pode ser caracterizada mesmo sem a formalização documental da transferência de ativos e passivos.
A controvérsia envolvia uma empresa que, embora juridicamente distinta da anterior, continuou explorando a mesma atividade econômica, no mesmo endereço, com os mesmos equipamentos, empregados e clientela. O vínculo com a empresa anterior era disfarçado por um contrato de comodato pouco crível — um arranjo que, embora aparentemente legal, soava artificial diante da evidência do dia a dia.
A Quarta Turma do STJ foi unânime ao concluir que não se exige prova documental formal da sucessão. Basta que os elementos do caso revelem a continuidade da exploração da atividade empresarial. Ou seja, mais importante do que a troca de razão social ou CNPJ é a análise da realidade prática: houve ou não continuidade material da operação?
Esse entendimento está em sintonia com os artigos 1.142 e 1.143 do Código Civil, que tratam do estabelecimento empresarial como um conjunto de bens organizados para o exercício da empresa. O trespasse — a transferência desse conjunto — não requer forma especial. Assim, quando há transmissão da funcionalidade do negócio, ainda que não haja contrato expresso, pode-se presumir a sucessão.
O julgamento também esclarece um ponto relevante trazido pela Lei nº 14.195/2021: a distinção entre o “estabelecimento comercial” e o local físico de operação. Tal inclusão legal apenas confirmou algo já pacificado pela doutrina e jurisprudência — a sucessão se dá pela transferência da atividade em si, e não do imóvel onde ela ocorre.
Para credores, trabalhadores e agentes do mercado, a decisão representa um reforço às garantias jurídicas. Já para empreendedores, é um alerta: mudar de nome, sede ou registro pode não ser suficiente para afastar responsabilidades. O que vale, no fim das contas, é a continuidade substancial do negócio.
No universo das empresas, as formas importam, mas os fatos falam mais alto. E o Direito, cada vez mais, tem ouvido essa voz.
23/12/2023
Guilherme Chambarelli
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Guilherme Chambarelli
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