
A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta nº 156, de 26 de agosto de 2025, analisou operação em que uma empresa controladora transferiu estabelecimento à controlada, mediante aumento de capital, com integralização realizada pela entrega dos bens que compunham o estabelecimento.
A dúvida central consistia em saber se a sociedade receptora do estabelecimento, sucessora da atividade econômica, poderia apropriar créditos de PIS/COFINS relacionados à depreciação dos bens transferidos. A resposta da administração tributária foi negativa.
A justificativa da Receita Federal foi a ausência de previsão legal expressa, sustentando que não é possível utilizar analogia para estender ao trespasse o tratamento dado às hipóteses de cisão, fusão e incorporação, previstas no art. 30 da Lei nº 10.865/2004.
O entendimento da Receita parte da premissa de que o art. 30 da Lei nº 10.865/2004 teria natureza de “benefício fiscal”, aplicável apenas aos eventos expressamente indicados. No entanto, essa interpretação se mostra problemática por pelo menos duas razões:
Violação ao princípio da não cumulatividade: negar à sucessora o direito ao creditamento implica transformar a depreciação em custo não recuperável, ferindo a própria lógica do PIS/COFINS não cumulativo.
Descaracterização da sucessão empresarial: no trespasse, há transferência plena da universalidade de bens que formam o estabelecimento. A ausência de previsão específica não elimina o fato de que existe continuidade empresarial, devendo-se reconhecer o mesmo regime jurídico de sucessão aplicável a outras modalidades de reorganização.
Portanto, o raciocínio da Receita conduz àquilo que se pretende evitar: a cumulatividade das contribuições, que já foi reiteradamente rejeitada pela jurisprudência e pela dogmática tributária.
Outro equívoco do entendimento administrativo é a classificação do art. 30 como se fosse uma “benesse”. Não se trata de favor ou exceção. O dispositivo é mera explicitação de uma consequência lógica da não cumulatividade: se há sucessão empresarial, os créditos devem acompanhar o passivo e o ativo transferidos, sob pena de desvirtuar a sistemática constitucional.
Reduzir a regra a um “benefício” é desconsiderar que o creditamento decorre da própria essência das contribuições incidentes sobre o faturamento.
Na prática, a posição da Receita restringe reorganizações patrimoniais, desincentivando estruturas de trespasse e aumento de capital que poderiam ser úteis do ponto de vista empresarial. Além disso, gera insegurança, pois contribuintes que realizam operações de reorganização fora do tripé “cisão, fusão, incorporação” passam a enfrentar o risco de perder créditos legítimos.
Ainda que a solução de consulta tenha eficácia vinculante apenas no âmbito da Receita, o tema merece especial atenção dos contribuintes, seja para planejamento prévio de operações societárias, seja para estratégia contenciosa na defesa do direito ao creditamento.
A Solução de Consulta COSIT nº 156/2025 reitera a tendência da Receita Federal de conferir interpretação restritiva ao direito de crédito, reduzindo-o a hipóteses pontuais. O problema é que essa visão ignora a função estrutural da não cumulatividade, que não se presta a concessões discricionárias, mas a garantir neutralidade tributária e justiça econômica.
A controvérsia abre espaço para debates judiciais e exige do contribuinte cautela redobrada ao estruturar operações de trespasse. Mais do que nunca, é imprescindível combinar planejamento societário e segurança jurídica tributária.
No Chambarelli Advogados, acompanhamos de perto a evolução das soluções de consulta da COSIT e oferecemos assessoria estratégica para empresas que buscam alinhar suas operações societárias com eficiência tributária e segurança jurídica.
17/07/2025
Guilherme Chambarelli
30/07/2025
Guilherme Chambarelli
30/12/2023
Guilherme Chambarelli