
Em um cenário de instabilidade econômica, alta de juros, ruptura de cadeias logísticas e volatilidade cambial, empresas de todos os portes enfrentam um desafio central: manter contratos empresariais viáveis, equilibrados e executáveis.
A segurança contratual continua sendo pilar da previsibilidade nas relações comerciais. Mas quando as circunstâncias se alteram de forma relevante e imprevisível, insistir na execução literal do contrato pode significar, na prática, caminhar para o inadimplemento, para o litígio ou para o colapso da relação.
Nesse contexto, cresce a importância da revisão contratual estratégica, com base em critérios jurídicos sólidos e negociações orientadas por análise de risco, viabilidade econômica e prevenção de litígios. Este artigo examina os fundamentos legais, os mecanismos disponíveis e as boas práticas para revisar contratos empresariais em tempos de instabilidade.
O ponto de partida é compreender que o ordenamento jurídico brasileiro não exige o cumprimento cego de contratos em contextos de ruptura.
Os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código Civil) impõem às partes um dever de cooperação e lealdade, inclusive para revisar obrigações quando os fundamentos econômicos da contratação se alteram de forma imprevisível.
A teoria da imprevisão (art. 478 do Código Civil), embora clássica, ganhou nova força com a jurisprudência pós-pandemia, que reconheceu a possibilidade de revisão judicial ou extrajudicial de contratos em casos de onerosidade excessiva superveniente.
A instabilidade macroeconômica, por si só, não justifica a revisão. Mas quando aliada a impactos concretos sobre a atividade da empresa, pode ser fundamento legítimo para rediscutir prazos, valores, obrigações acessórias e penalidades.
Em tempos de instabilidade, algumas cláusulas se tornam especialmente sensíveis — e devem ser reavaliadas com lupa jurídica:
Cláusula de preço fixo: contratos longos com preços congelados tornam-se insustentáveis em contextos inflacionários ou com variação cambial relevante.
Reajuste por índice: o índice pactuado continua refletindo a realidade econômica do setor? Muitas vezes, trocar o IGP-M pelo IPCA, ou incluir redutores escalonados, pode equilibrar melhor a relação.
Prazos de pagamento e entrega: cadeias logísticas pressionadas exigem revisão realista de cronogramas, sob pena de multas injustas e inadimplemento inevitável.
Multas e cláusulas penais: devem ser renegociadas quando perdem proporção frente à nova realidade econômica da operação.
Força maior e caso fortuito: revisar a redação dessas cláusulas pode evitar disputas futuras sobre eventos imprevisíveis, como greves, eventos climáticos extremos, crises políticas e pandemias.
Garantias contratuais: fianças, seguros e garantias reais podem ter de ser substituídas ou readequadas, conforme a nova capacidade financeira das partes.
A revisão contratual não é ruptura. É, ao contrário, uma estratégia de preservação de negócios sustentáveis.
Em vez de partir diretamente para medidas judiciais, recomenda-se:
Notificação extrajudicial fundamentada, demonstrando os impactos da instabilidade no cumprimento das obrigações;
Proposta de aditivo contratual, com revisões pontuais e justificadas;
Registro das tratativas, por e-mail ou documentos assinados, para preservar a boa-fé e reforçar o histórico de tentativa de solução amigável;
Uso de cláusulas de mediação ou comitês de resolução de conflitos, quando previstas, antes da arbitragem ou do Judiciário.
A abordagem deve ser técnica, objetiva e pragmática. Em contratos complexos ou com múltiplas partes, contar com assessoria jurídica especializada é essencial para evitar soluções desequilibradas ou juridicamente frágeis.
A jurisprudência brasileira, especialmente após 2020, evoluiu para reconhecer que contratos empresariais podem — e devem — ser adaptados em contextos de desequilíbrio extraordinário.
Tribunais têm aceitado:
Suspensões temporárias de obrigações;
Redução proporcional de valores em contratos de fornecimento;
Revisão de cláusulas de exclusividade ou volume mínimo de compra;
Substituição de garantias contratuais inviáveis.
O ponto em comum é a demonstração de boa-fé, tentativa de negociação prévia e impacto real sobre a atividade econômica da parte afetada.
Contratos não são peças estanques. São instrumentos vivos, que devem refletir a realidade econômica e jurídica da relação. Em tempos de instabilidade, a rigidez é inimiga da continuidade. A revisão estratégica de contratos permite não apenas o cumprimento possível das obrigações, mas a manutenção da relação comercial de forma justa e equilibrada.
Empresas que entendem isso não apenas evitam litígios — elas constroem relações comerciais mais sólidas, confiáveis e sustentáveis no longo prazo.
17/06/2025
Alana de Castro Barbosa
10/07/2025
Guilherme Chambarelli
16/11/2022
Guilherme Chambarelli