Foto Revisão e negociação de contratos empresariais em tempos de instabilidade
Grafismo-header Grafismo-header Mobile

Revisão e negociação de contratos empresariais em tempos de instabilidade

09/07/2025

Guilherme Chambarelli

Em um cenário de instabilidade econômica, alta de juros, ruptura de cadeias logísticas e volatilidade cambial, empresas de todos os portes enfrentam um desafio central: manter contratos empresariais viáveis, equilibrados e executáveis.

A segurança contratual continua sendo pilar da previsibilidade nas relações comerciais. Mas quando as circunstâncias se alteram de forma relevante e imprevisível, insistir na execução literal do contrato pode significar, na prática, caminhar para o inadimplemento, para o litígio ou para o colapso da relação.

Nesse contexto, cresce a importância da revisão contratual estratégica, com base em critérios jurídicos sólidos e negociações orientadas por análise de risco, viabilidade econômica e prevenção de litígios. Este artigo examina os fundamentos legais, os mecanismos disponíveis e as boas práticas para revisar contratos empresariais em tempos de instabilidade.


1. Instabilidade como fator jurídico: quando renegociar é legítimo

O ponto de partida é compreender que o ordenamento jurídico brasileiro não exige o cumprimento cego de contratos em contextos de ruptura.

Os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código Civil) impõem às partes um dever de cooperação e lealdade, inclusive para revisar obrigações quando os fundamentos econômicos da contratação se alteram de forma imprevisível.

A teoria da imprevisão (art. 478 do Código Civil), embora clássica, ganhou nova força com a jurisprudência pós-pandemia, que reconheceu a possibilidade de revisão judicial ou extrajudicial de contratos em casos de onerosidade excessiva superveniente.

A instabilidade macroeconômica, por si só, não justifica a revisão. Mas quando aliada a impactos concretos sobre a atividade da empresa, pode ser fundamento legítimo para rediscutir prazos, valores, obrigações acessórias e penalidades.


2. Cláusulas contratuais que devem ser revisitadas

Em tempos de instabilidade, algumas cláusulas se tornam especialmente sensíveis — e devem ser reavaliadas com lupa jurídica:

  • Cláusula de preço fixo: contratos longos com preços congelados tornam-se insustentáveis em contextos inflacionários ou com variação cambial relevante.

  • Reajuste por índice: o índice pactuado continua refletindo a realidade econômica do setor? Muitas vezes, trocar o IGP-M pelo IPCA, ou incluir redutores escalonados, pode equilibrar melhor a relação.

  • Prazos de pagamento e entrega: cadeias logísticas pressionadas exigem revisão realista de cronogramas, sob pena de multas injustas e inadimplemento inevitável.

  • Multas e cláusulas penais: devem ser renegociadas quando perdem proporção frente à nova realidade econômica da operação.

  • Força maior e caso fortuito: revisar a redação dessas cláusulas pode evitar disputas futuras sobre eventos imprevisíveis, como greves, eventos climáticos extremos, crises políticas e pandemias.

  • Garantias contratuais: fianças, seguros e garantias reais podem ter de ser substituídas ou readequadas, conforme a nova capacidade financeira das partes.


3. A negociação como ferramenta de preservação da relação

A revisão contratual não é ruptura. É, ao contrário, uma estratégia de preservação de negócios sustentáveis.

Em vez de partir diretamente para medidas judiciais, recomenda-se:

  • Notificação extrajudicial fundamentada, demonstrando os impactos da instabilidade no cumprimento das obrigações;

  • Proposta de aditivo contratual, com revisões pontuais e justificadas;

  • Registro das tratativas, por e-mail ou documentos assinados, para preservar a boa-fé e reforçar o histórico de tentativa de solução amigável;

  • Uso de cláusulas de mediação ou comitês de resolução de conflitos, quando previstas, antes da arbitragem ou do Judiciário.

A abordagem deve ser técnica, objetiva e pragmática. Em contratos complexos ou com múltiplas partes, contar com assessoria jurídica especializada é essencial para evitar soluções desequilibradas ou juridicamente frágeis.


4. A jurisprudência pós-pandemia e a nova sensibilidade contratual

A jurisprudência brasileira, especialmente após 2020, evoluiu para reconhecer que contratos empresariais podem — e devem — ser adaptados em contextos de desequilíbrio extraordinário.

Tribunais têm aceitado:

  • Suspensões temporárias de obrigações;

  • Redução proporcional de valores em contratos de fornecimento;

  • Revisão de cláusulas de exclusividade ou volume mínimo de compra;

  • Substituição de garantias contratuais inviáveis.

O ponto em comum é a demonstração de boa-fé, tentativa de negociação prévia e impacto real sobre a atividade econômica da parte afetada.


5. Conclusão: contratos são instrumentos vivos

Contratos não são peças estanques. São instrumentos vivos, que devem refletir a realidade econômica e jurídica da relação. Em tempos de instabilidade, a rigidez é inimiga da continuidade. A revisão estratégica de contratos permite não apenas o cumprimento possível das obrigações, mas a manutenção da relação comercial de forma justa e equilibrada.

Empresas que entendem isso não apenas evitam litígios — elas constroem relações comerciais mais sólidas, confiáveis e sustentáveis no longo prazo.

Conteúdo relacionado

    Inscreva-se para receber novidades