
A contratação de profissionais como pessoas jurídicas — prática popularmente conhecida como pejotização — tornou-se uma estratégia recorrente nas organizações, motivada por fatores como desoneração da folha, maior flexibilidade contratual e simplificação na gestão trabalhista.
Contudo, o que se apresenta como alternativa racional de eficiência pode, se mal estruturado, expor a empresa a severos passivos trabalhistas, tributários e previdenciários. A linha que separa a prestação autônoma de serviços da dissimulação de vínculo empregatício é tênue — e tem sido interpretada com rigor crescente pela jurisprudência trabalhista e pela Receita Federal.
Pejotização, em sentido técnico, é a prática de contratar um indivíduo como pessoa jurídica com o objetivo de mascarar uma relação de emprego. A manobra consiste em substituir o contrato celetista por um contrato de prestação de serviços via CNPJ, mantendo, na prática, todos os elementos caracterizadores da relação de emprego: subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade.
Quando configurado esse desvirtuamento, os tribunais do trabalho têm reconhecido o vínculo empregatício e determinado o pagamento retroativo de todas as verbas trabalhistas, além de multas e encargos previdenciários.
A jurisprudência mais recente, inclusive, tem sido severa com empresas que adotam a pejotização como prática padronizada — sobretudo nos setores de tecnologia, saúde, comunicação e serviços especializados.
Além do risco trabalhista, a pejotização levanta suspeitas de simulação tributária. A Receita Federal, ao identificar que a PJ prestadora de serviços não possui estrutura física, empregados ou autonomia econômica, pode requalificar os pagamentos como remuneração disfarçada — sujeita à incidência de INSS, IRRF e, eventualmente, contribuições destinadas ao sistema S.
Nos casos em que há simulação de autonomia, mas na prática o profissional está integralmente subordinado à contratante, o risco é de autuação com aplicação de multa de ofício e cobrança retroativa de tributos não recolhidos.
O CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) já possui precedentes relevantes desconsiderando contratos de prestação de serviços firmados com PJ unipessoal, por entender que não havia risco empresarial nem autonomia negocial real.
A solução jurídica não está em proibir a contratação via PJ — que é lícita —, mas em garantir que a relação reflita de fato uma prestação de serviços autônoma e empresarial.
Algumas precauções são indispensáveis:
Ausência de subordinação direta: o prestador PJ não deve se reportar a superiores hierárquicos, nem cumprir ordens funcionais típicas de empregado;
Liberdade de agenda e local de trabalho: o PJ deve ter flexibilidade para organizar seus horários e, sempre que possível, prestar o serviço fora das dependências da contratante;
Não exclusividade: é recomendável que o prestador possa atuar para outras empresas, reforçando seu caráter empresarial;
Autonomia técnica e operacional: o PJ deve utilizar seus próprios meios para executar o serviço, inclusive assumindo os riscos da atividade;
Remuneração por resultado ou projeto: evitar pagamentos mensais fixos que mimetizam salário;
Ausência de benefícios típicos de empregado: não oferecer ao PJ plano de saúde, vale-refeição, férias remuneradas, entre outros;
CNPJ regular e regime adequado: o prestador deve estar formalmente constituído, com CNAE compatível e regime tributário regular.
Um contrato de prestação de serviços entre empresas não é suficiente por si só para blindar a relação. A forma contratual não prevalece sobre a realidade dos fatos.
Ainda assim, o contrato é uma ferramenta essencial para organizar juridicamente a relação. Ele deve conter:
Cláusulas expressas de ausência de vínculo empregatício;
Definição clara do objeto do serviço e da autonomia técnica do prestador;
Regras sobre confidencialidade, propriedade intelectual e não concorrência, quando cabíveis;
Previsão de rescisão contratual, penalidades e jurisdição competente;
Documentação de suporte, como relatórios de entrega, notas fiscais, comprovação de recolhimento de tributos e renovação periódica.
O uso de pessoas jurídicas na prestação de serviços é legítimo, desde que haja substância empresarial por trás da forma contratual. A ilusão de economia imediata, sem a devida estrutura jurídica e factual, pode gerar um passivo retroativo de alta magnitude.
Empresas que contratam via PJ precisam de modelos contratuais defensáveis, práticas de governança alinhadas à legislação e suporte jurídico preventivo. A informalidade é, cada vez mais, um mau negócio.