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Prejuízo fiscal e mudança societária: a visão da Receita Federal

25/07/2025

Guilherme Chambarelli

O planejamento tributário envolvendo a aquisição de empresas com saldo de prejuízos fiscais acumulados é uma prática recorrente em reorganizações societárias — e, também, um dos pontos de maior tensão entre contribuintes e o Fisco. A Solução de Consulta COSIT nº 116/2025, de 22 de julho de 2025, reitera e aprofunda essa tensão: reafirma a impossibilidade de compensação de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa da CSLL quando houver, cumulativamente, alteração do controle societário e mudança do ramo de atividade.

O parecer da Receita Federal não apenas ratifica o entendimento do art. 32 do Decreto-Lei nº 2.341/87 e do art. 584 do RIR/2018, como também estende expressamente a vedação à utilização desses créditos em transações tributárias.


O que motivou a Solução de Consulta?

A consulente, optante pelo lucro real, possuía saldo de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL acumulados. Diante de débitos inscritos em dívida ativa, buscava aderir a programas de transação fiscal que permitem o uso desses créditos para abatimento.

No entanto, a empresa havia sofrido duas modificações relevantes:

  1. Alteração do objeto social: deixou de exercer atividade industrial e passou a atuar exclusivamente como comerciante.

  2. Modificação societária: saída do sócio majoritário e concentração da totalidade das quotas no sócio remanescente.


Entendimento da Receita: os dois critérios cumulativos

A Receita confirmou o seguinte:

 1. Mudança de ramo de atividade

Mesmo que a atividade comercial já constasse do objeto social anterior, a exclusão da atividade industrial e a modificação no CNAE (de indústria de transformação para comércio varejista) configuram mudança substancial do ramo de atividade.

“Não se trata de ajuste formal, mas de transformação da natureza econômica da sociedade.”
— COSIT nº 116/2025

 2. Controle societário

A Receita entendeu que a simples saída do sócio majoritário não configura alteração de controle societário, uma vez que não houve ingresso de novo sócio ou entidade externa que pudesse se beneficiar do prejuízo acumulado.

Ou seja, não houve sucessão empresarial ou aquisição abusiva. O sócio remanescente já integrava a sociedade e não pode ser equiparado a um terceiro estranho ao histórico econômico do prejuízo.


Impacto mais severo: impossibilidade de uso em transação tributária

O ponto mais sensível do entendimento está na conclusão de que a vedação à compensação se estende para além do lucro real. Mesmo nas transações tributárias da PGFN — que possuem regras próprias e permitem abatimento de dívidas com base nesses créditos — a Receita entende que os créditos baixados na Parte B do e-Lalur e do e-Lacs deixam de existir juridicamente.

Esse ponto é reforçado pela leitura do §7º do art. 11 da Lei nº 13.988/2020, que exige que os créditos de prejuízo fiscal utilizados na transação estejam “apurados e declarados à RFB”. Se eles são baixados do sistema, não podem ser utilizados em hipótese alguma.


Riscos e consequências para operações societárias

A Solução de Consulta COSIT nº 116/2025 confirma a rigidez interpretativa da Receita sobre o art. 32 do DL 2.341/87. Isso gera efeitos práticos relevantes para operações como:

  • Fusões e aquisições de empresas inativas com saldo de prejuízos fiscais;

  • Transformações de objeto social com reestruturação societária;

  • Recuperações judiciais que envolvam alteração no CNAE e entrada de novos investidores;

  • Planejamentos envolvendo uso de prejuízos em controladas ou coligadas.

“O Fisco não admite o uso do prejuízo sem vínculo econômico legítimo com a sua formação. A forma contratual, se destituída de substância, será ignorada.”
— Interpretação sistemática da EM nº 169/1987 (fundamento da norma)


Como mitigar riscos e estruturar com segurança?

A jurisprudência do CARF já reconheceu que a substância econômica das operações é elemento essencial para legitimar o uso de prejuízos acumulados. Diante disso, o contribuinte deve:

  1. Avaliar os efeitos fiscais da alteração do CNAE e do objeto social;

  2. Evitar aquisições com objetivo principal de aproveitamento do prejuízo;

  3. Manter comprovação robusta da continuidade operacional da empresa;

  4. Formalizar a ausência de modificação no controle, com ata, contratos e histórico de gestão;

  5. Verificar e registrar corretamente os créditos na Parte B do e-Lalur e do e-Lacs;

  6. Consultar preventivamente a RFB sempre que houver dúvidas jurídicas relevantes.


Conclusão

A Solução de Consulta COSIT nº 116/2025 explicita, com clareza, que o aproveitamento de prejuízos fiscais e base negativa da CSLL não é automático nem irrestrito. Depende de continuidade econômica, identidade societária e histórico legítimo da formação do crédito.

A tentativa de aproveitar prejuízos acumulados em contextos de transformação societária e reconfiguração operacional sem observar os limites normativos configura risco jurídico real — inclusive de autuações milionárias, glosas retroativas e questionamentos em eventuais recuperações judiciais.

Mais do que conhecer as regras, é preciso estruturar o contrato, a operação e a documentação sob a lógica do compliance tributário estratégico. O que está em jogo não é apenas o direito ao crédito, mas a credibilidade de toda a reestruturação empresarial.

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