O sócio Guilherme Chambarelli é coautor do artigo “Venda de terrenos no metaverso: a nova fronteira do direito tributário“, publicado na coluna Regulação e Novas Tecnologias do JOTA.
No ano de 2022, a constante inovação dos métodos de comunicação e comércio entre usuários do ambiente virtual moderno parece ter encontrado seu ápice com a criação e rápida popularização dos metaversos, múltiplos ambientes virtuais formados por diversas tecnologias que simulam, a seu modo, ambientes reais como jogos, concertos musicais, exposições etc.[1].
Tal ambiente, cada vez mais referenciado na mídia, já não deixa nada a dever ao “mundo real” em matéria de novos fluxos financeiros: nos últimos meses, ativos virtuais como terrenos ou mesmo iates foram vendidos por valores na casa dos milhões de dólares, e a expectativa é que tais montantes cresçam com o anúncio de projetos em metaverso por empresas como Facebook, Disney, Microsoft.[2]
Os metaversos fazem parte de um conjunto de ativos digitais conhecido como NFT, ou token não fungível, que integra o mercado de criptoativos e nele destaca-se por tratar-se de ativos registrados em blockchain que são únicos e exclusivos para seus compradores, com certificados de propriedade que não podem ser copiados.
Assim, assemelham-se à aquisição de bens no mundo real, como roupas, obras de arte e outros bens pessoais, com a diferença que são adquiridos por meio dos fundos que o comprador possui em criptomoedas, e não em moeda fiduciária. Mesmo movimentando mais de R$ 13 bilhões em 2021, as operações realizadas em metaversos não se equiparam às transações com criptomoedas e outros ativos virtuais, gerando dificuldades em uma possível tributação[3].
Isso chama atenção, evidentemente, para a questão fiscal. Qual será o tratamento tributário aplicável às transações realizadas no ambiente de metaverso?
Apesar de utilizado em todo o mundo, o metaverso permanece estritamente virtual, com cada ambiente contando com mapas geográficos capazes de divisão em terrenos. Portanto, os ganhos de capital gerados pela compra de terrenos podem chamar a atenção dos governos internacionais, levando à tributação de seus valores, instituída por lei, em um futuro relativamente próximo. Porém, o ambiente virtual traz a dúvida de qual jurisdição seria a responsável por tributar as transações de compra e venda de terrenos no metaverso, afinal eles não se localizam, formalmente, em país algum[4].
Por fim, a questão é inerentemente polêmica, pois se trataria de uma tributação sem contrapartidas para o metaverso: por ser virtual, tal ambiente não precisa de abastecimento com serviços públicos, e, portanto, estaria ausente o princípio do uso do montante arrecadado para fins públicos, independente de qual país tributasse as transações.
Embora ainda não haja legislação ou jurisprudência nacional a respeito do tema, posicionamentos recentes da Receita Federal apontam que transações que não utilizam estritamente moeda fiduciária, como o real, estão sujeitas à tributação, como no caso da permuta de criptomoedas, em que uma criptomoeda é alienada para a imediata aquisição de outra[5]. É a Solução de Consulta n° 214/2021 que se posicionou sobre isso, afirmando que a tributação ocorrerá pelas regras gerais do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), previstas no art. 21 da Lei n° 8.981/95, às alíquotas de 15% a 22,5% de acordo com o ganho, sem, no entanto, definir como o ganho de capital tributável seria calculado. Mas como uma lei que define uma regra geral e abstrata, sobretudo elaborada quando a internet estava em seus primórdios, pode aplicar-se ao metaverso?
Transações que envolvem certas particularidades, como as operações envolvendo bens imóveis e na bolsa de valores, receberam algumas regras especiais na legislação. Alguns exemplos são: (i) a possibilidade de isenção do imposto de renda da pessoa física na aquisição de outro imóvel residencial no prazo de 180 dias (art. 39, Lei 11.196/2005), bem como a aplicação de fatores de redução da base tributável ao longo dos anos (art. 40 da mesma lei), aplicável para bens imóveis; e, (ii) alíquotas e limite de isenção sobre operações em bolsa de valores diferentes em relação à regra geral.
A motivação é tão clara quanto justa: situações especiais exigem tratamento diferente.
Portanto, tratar como regra geral algo que possui características tão específicas como o metaverso desperta uma série de controvérsias. Por isso, é urgente a necessidade de a legislação tratar especificamente desse universo, principalmente em matéria tributária.
Atualmente, as escassas normas fiscais que tratam dos criptoativos se resumem às regras contidas na Instrução Normativa n° 1.888/2019, que buscou tratar de obrigações acessórias para exchanges de criptoativos brasileiras e para pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil que operam nesse mercado. Feita em um contexto de expansão das criptomoedas, a instrução não menciona expressamente a aquisição de bens por meio de criptoativos[6] como o metaverso, equiparando-a à compra de criptoativos como bitcoin e Ethereum sem diferenciar entre ativos negociados no Brasil ou no exterior. É válido lembrar, no entanto, que terrenos adquiridos no metaverso não são considerados imóveis, pela legislação atual brasileira.
Desse modo, a interpretação da Receita Federal, apesar de controvertida, não poderia ser diferente, na medida em que não cabe ao órgão inovar em relação à legislação vigente.
Vale destacar também que, na declaração de imposto de renda da pessoa física (DIRPF), já se faz presente ao contribuinte o dever de informar a Receita a respeito da propriedade de ativos digitais. Por sua vez, a grande novidade da DIRPF 2022 é a criação de um grupo de bens reservado para os criptoativos (Grupo 08), no qual estão contemplados, o bitcoin (Código 01), as Altcoins (Código 02), as stablecoins (Código 03), as NFTs (Código 10) e os demais criptoativos (Código 99).
Nos Estados Unidos, plataformas virtuais que simulam transações financeiras que ocorrem no mundo real, a exemplo do “Second Life”, serão, a partir de março de 2022, taxadas pelo imposto sobre patrimônios, semelhante ao nosso IPTU atual[7]. Este imposto incidiria sobre taxas aplicadas na venda dos terrenos, presentes em território americano sobre todas as espécies de transação comercial, e sobre a assinatura feita para ingressar na plataforma. Assim, dá-se um passo à frente para a tributação específica do metaverso em futuro próximo, pois se redes com características semelhantes e populares nos anos 2000 serão tributadas, é questão de tempo até que o metaverso seja atingido nos Estados Unidos, o que pode influenciar o governo brasileiro na implementação, acelerada, de um tributo nacional.
Considerando a influência que sistemas tributários internacionais, sobretudo o norte-americano, possuem nas discussões tributárias que ocorrem no Brasil, e também a conhecida rapidez com que a Receita cria novos mecanismos para tributar novas possibilidades de se auferir renda, é de se esperar que em breve, talvez ainda em 2022, a tributação da venda de bens transacionados no metaverso, sobretudo a de terrenos virtuais com maior valor de aquisição, se tornará mais presente nas soluções de consulta da Receita, e também nas interpretações das normas tributárias presentes na jurisprudência fiscal-administrativa.
Mudanças legislativas, por sua vez, exigem discussões mais complexas e tendem a demorar mais para concretizar-se, a exemplo da reforma tributária, discutida por décadas. Ainda assim, recomenda-se ao tributarista constante estudo do tema ao auxiliar clientes que atuam no metaverso, de modo a detectar, de forma imediata, as atualizações nas discussões a respeito da tributação dos terrenos, visto que quando o mundo virtual se torna capaz de replicar a realidade, mudanças neste novo mundo tornam-se obsoletas rapidamente.