A sócia Alana de Castro Barbosa, da área de Direito Empresarial, publicou o artigo "A aplicação da teoria da imprevisão nos contratos de tecnologia" no JOTA. Confira abaixo a íntegra do artigo:
Prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil, a teoria da imprevisão nos contratos se concentra em como os contratos devem ser interpretados e cumpridos em situações em que ocorrem mudanças nas circunstâncias que eram imprevisíveis quando o contrato foi celebrado.
Isso pode incluir mudanças na economia, na tecnologia, no meio social ou nas leis e regulamentos que afetam a execução do contrato. Nos dias atuais, com a aceleração cada vez maior do desenvolvimento tecnológico, a discussão acerca da aplicação do instituto ganha ainda mais relevância prática.
A teoria da imprevisão é uma forma de lidar com os contratos incompletos, ou aqueles que não cobrem todas as possíveis contingências que podem ocorrer no decorrer do cumprimento do contrato. Ela tenta equilibrar o interesse das partes em cumprir o contrato com a necessidade de se adaptar às mudanças imprevisíveis nas circunstâncias fáticas.
Na maioria das jurisdições, a teoria da imprevisão é aplicada com base em cláusulas contratuais específicas que tratam de situações de imprevisão. Essas cláusulas podem incluir disposições que permitem a revisão do preço do contrato em caso de mudanças nas circunstâncias ou que permitem a resolução do contrato em caso de mudanças significativas de cenário. Se um contrato não inclui cláusulas específicas sobre imprevisão, os tribunais podem aplicar princípios gerais de equilíbrio de interesses para determinar como o contrato deve ser interpretado e cumprido.
Ela desempenha um papel importante na interpretação e aplicação dos contratos em situações em que as circunstâncias mudam de forma imprevisível, e isso pode ajudar a garantir que as partes cumpram os contratos de maneira justa e equilibrada.
No contexto da tecnologia, a imprevisão pode ocorrer em decorrência de mudanças nas condições do mercado ou na legislação, mudanças nas expectativas do cliente ou na tecnologia, ou outras circunstâncias imprevisíveis. Por exemplo, uma empresa pode alegar imprevisão se for impedida de cumprir suas obrigações contratuais devido a uma mudança nas leis de privacidade de dados ou diante de uma nova pandemia.
Em razão de o mercado e tecnologia sempre andarem mais rápidos que o legislador e os órgãos reguladores, ocorre bastante de as leis ou regulamentos envolvendo novas tecnologias tardarem para surgir, trazendo consigo mudanças no cenário. Se forem impostas obrigações adicionais às empresas, certamente os contratos vigentes também serão afetados.
Por isso, é muito importante que as leis sejam acompanhadas de mecanismos que tragam condições razoáveis para que as empresas se adequem às novas obrigações, como a concessão de um tempo para que isso ocorra, por exemplo. Foi exatamente o que ocorreu quando da recente publicação do Marco Regulatório dos Criptoativos (Lei 14.478/22), que concedeu uma vacatio legis de 180 dias, bastante semelhante com o que já tinha ocorrido com a LGPD.
Ainda falando em contratos de tecnologia, a aplicação da teoria da imprevisão é bastante relevante quando observamos mudanças significativas na tecnologia disponível no mercado, o que pode trazer alterações substanciais nas condições iniciais previstas no contrato.
Imagine uma situação na qual uma startup é contratada para desenvolver um software sob demanda para determinada empresa, mas durante a execução do contrato essa tecnologia se torna obsoleta e é substituída por outra. Neste caso, se valendo do instituto da imprevisão contratual, a startup poderia desenvolver um novo sistema para buscar a alteração do objeto do contrato ou, do outro lado, a empresa poderia argumentar que a tecnologia perdeu valor de mercado para reduzir os seus pagamentos.
Além desse contexto, essa teoria pode ser aplicada de várias maneiras, dependendo das circunstâncias específicas e da jurisdição em que o contrato foi celebrado. Algumas das maneiras como a teoria da imprevisão podem ser aplicadas incluem:
- Por meio de cláusulas contratuais específicas: A maioria dos contratos inclui cláusulas que tratam de situações de imprevisão, como mudanças nas circunstâncias econômicas ou legais que afetam a execução do contrato. Essas cláusulas podem incluir disposições que permitem a revisão do preço do contrato em caso de mudanças nas circunstâncias, ou que permitem a resolução do contrato em caso de mudanças significativas nessas mesmas circunstâncias.
- Por meio da aplicação de princípios gerais de equilíbrio de interesses: Se um contrato não inclui cláusulas específicas sobre imprevisão, os tribunais podem aplicar princípios gerais de equilíbrio de interesses para determinar como o contrato deve ser interpretado e cumprido. Isso pode incluir considerar as expectativas legítimas das partes envolvidas no contrato, bem como a equidade e a justiça da solução proposta.
- Por meio da revisão dos contratos: Em algumas jurisdições, os tribunais podem revisar os contratos em caso de imprevisão e alterar as disposições do contrato de acordo com as mudanças nas circunstâncias. Isso pode incluir revisar os preços ou outras condições contratuais para refletir as mudanças nas circunstâncias.
- Por meio da resolução dos contratos: Em casos extremos de imprevisão, os tribunais podem decidir que o contrato deve ser resolvido, ou seja, considerado nulo e sem efeito. Isso pode ocorrer quando as mudanças nas circunstâncias são tão significativas que tornam impossível o cumprimento do contrato.
A teoria da imprevisão pode ser aplicada em uma ampla gama de situações em que ocorrem mudanças nas circunstâncias que afetam a execução de um contrato, podendo variar de jurisdição para jurisdição e a depender das circunstâncias específicas de cada caso, sendo importante consultar um advogado qualificado para obter aconselhamento específico sobre como a teoria da imprevisão pode ser aplicada em sua situação.