A discussão sobre o conceito de insumo para fins de creditamento de PIS e Cofins continua a produzir divergências interpretativas relevantes — e o recente posicionamento da Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 215/2025, reacendeu o debate no setor de locação de máquinas e equipamentos para construção civil.
O contribuinte questionava se poderia apurar créditos sobre gastos com manutenção, peças de reposição, combustíveis e lubrificantes, alegando que tais despesas seriam essenciais para a continuidade de sua atividade-fim.
A tese, à primeira vista, encontra ressonância no precedente paradigmático do STJ (Tema 779), que reconheceu o direito ao crédito de PIS e Cofins sobre insumos essenciais e relevantes à atividade econômica do contribuinte.
Entretanto, a Receita Federal foi categórica ao afirmar que a locação não se enquadra entre as atividades de produção ou prestação de serviços, nos termos do art. 3º, II, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, afastando, portanto, qualquer possibilidade de creditamento.
Para o Fisco, o crédito de PIS e Cofins pressupõe um nexo direto com processo produtivo ou prestação de serviços, hipóteses em que o insumo é consumido ou aplicado na geração de receita tributável.
Na locação, segundo a Cosit, inexiste “transformação” ou “prestação de serviço” nos moldes da lei — o bem é apenas colocado à disposição do cliente, sem alterar sua natureza.
Dessa forma, despesas com manutenção, reposição de peças, combustíveis e lubrificantes não seriam consideradas insumos, mas custos operacionais típicos, sem previsão legal de crédito.
A Receita reafirma, assim, uma visão formalista e setorial do conceito de insumo, restringindo-o à literalidade das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, e não ao critério funcional adotado pelo STJ.
Essa linha interpretativa foi reforçada em decisões recentes do CARF, que, embora em julgamentos divididos, vem negando créditos para atividades de locação, a exemplo do Acórdão nº 3202-002.835 (Caso Localiza), mantendo o entendimento de que o insumo deve estar vinculado a um ciclo produtivo, e não meramente operacional.
A distinção fica mais evidente quando se observa casos envolvendo peças de reposição e manutenção de máquinas utilizadas em processos produtivos próprios, e não destinadas à locação.
Nessas situações, o CARF reconhece a essencialidade dos gastos e admite o crédito, como no Acórdão nº 3201-012.504, de 31 de julho de 2025, ao afirmar que a substituição de componentes que asseguram a continuidade da produção se enquadra no conceito de insumo.
O mesmo raciocínio é aplicado a itens acessórios, como pallets, que preservam a integridade física e sanitária de mercadorias durante transporte e armazenamento — elementos que, embora não integrem o produto final, são indispensáveis à atividade produtiva.
Ou seja, quando há um processo de transformação ou serviço propriamente dito, prevalece o entendimento favorável ao contribuinte.
Mas, nas atividades de mera disponibilização de bens, a Administração Tributária insiste em negar o enquadramento.
A tensão entre a interpretação funcional do STJ e a interpretação formal da Receita Federal é o núcleo da controvérsia.
Enquanto a jurisprudência judicial parte da análise da essencialidade e relevância da despesa para a atividade empresarial — permitindo um olhar econômico sobre o conceito de insumo —, a Receita mantém um critério legalista e restritivo, atrelado à natureza da operação (produção ou serviço).
Esse contraste tem efeitos econômicos significativos.
No setor de locação de equipamentos, a manutenção, o transporte e o consumo de insumos (como combustíveis e lubrificantes) são condições materiais para gerar receita.
Negar o crédito significa ignorar a funcionalidade econômica desses gastos — uma contradição com a própria ratio decidendi do Tema 779.
Com a reforma tributária em andamento e a substituição gradual das contribuições por um modelo de IVA dual (CBS e IBS), espera-se uma simplificação radical do sistema de créditos.
A lógica de essencialidade e relevância tende a ser substituída por um modelo amplo e não-cumulativo de base universal, eliminando boa parte das disputas sobre enquadramento setorial.
Até lá, no entanto, a jurisprudência administrativa e judicial seguirá em tensão.
A Receita continuará defendendo o formalismo do conceito de insumo, enquanto o contribuinte tentará fazer prevalecer a função econômica do gasto — e, entre ambos, permanece a insegurança jurídica que onera o ambiente de negócios.
A Solução de Consulta Cosit nº 215/2025 representa mais um capítulo da resistência administrativa à interpretação ampla do conceito de insumo consagrada pelo STJ.
Ao excluir as atividades de locação do regime de creditamento, a Receita reforça uma visão estanque da economia, descolada da realidade operacional de setores intensivos em capital.
Enquanto a legislação não evoluir para reconhecer a materialidade econômica das atividades empresariais, discussões como essa seguirão no centro do contencioso tributário.
A verdadeira reforma, portanto, não é apenas normativa — é conceitual: reconhecer que custo essencial é aquele sem o qual a receita não existe.
O Chambarelli Advogados atua na defesa e estruturação tributária de empresas dos setores industrial, logístico e de locação, com foco em planejamento fiscal e contencioso estratégico de PIS e Cofins.
Com análise técnica e visão de negócio, o escritório auxilia contribuintes a identificar oportunidades legítimas de crédito e mitigar riscos de autuação, alinhando operação, compliance e jurisprudência atualizada.
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Guilherme Chambarelli
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