
Entre os temas mais litigiosos do Direito Tributário brasileiro, a não cumulatividade do PIS e da Cofins ocupa posição central. Criado para evitar a tributação em cascata, o regime se transformou em fonte constante de controvérsias: qual o verdadeiro alcance do conceito de insumo? E, sobretudo, seria possível aproveitar créditos em aquisições realizadas com alíquota zero?
A complexidade aumenta porque o modelo adotado para essas contribuições não segue a lógica tradicional de tributos como ICMS e IPI (imposto contra imposto). Aqui prevalece a técnica de base contra base: a receita auferida na saída é confrontada com o gasto na entrada. Isso indica, em tese, que o direito ao crédito independeria da efetiva cobrança de contribuição na etapa anterior.
O ponto mais sensível está nas situações em que o contribuinte adquire insumos com alíquota zero, mas os utiliza na produção ou comercialização de bens e serviços tributados. Negar o crédito nessas hipóteses compromete a coerência da não cumulatividade, pois representa, indiretamente, uma forma de tributar etapas anteriores da cadeia produtiva.
Não por acaso, setores estratégicos, como o agronegócio, enfrentam forte impacto quando impedidos de aproveitar créditos nessas situações, com reflexos diretos sobre a competitividade de produtos essenciais.
O artigo 3º, § 2º, II, da Lei nº 10.637/2002 (com idêntica redação na Lei nº 10.833/2003) veda o aproveitamento de créditos em aquisições não sujeitas ao pagamento da contribuição, inclusive nos casos de isenção, mas ressalva que essa vedação só se aplica quando a saída subsequente também for isenta, não tributada ou sujeita à alíquota zero.
Interpretando a norma em sentido contrário, conclui-se que, se os insumos isentos ou com alíquota zero forem empregados em operações tributadas na saída, o crédito deve ser admitido.
A Receita Federal, contudo, limita esse raciocínio. Em soluções de consulta, reconhece o direito ao crédito em aquisições isentas, mas nega o mesmo tratamento às aquisições com alíquota zero, sustentando que os dois institutos seriam distintos.
O STJ, no REsp 1.259.343/AM, já reconheceu que a vedação legal não alcança insumos isentos utilizados em operações tributadas. A discussão, portanto, se resume à possibilidade de aplicar o mesmo raciocínio às aquisições sujeitas à alíquota zero.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência constitucional apontam para a convergência: alíquota zero é espécie de isenção. O STF, em diversos precedentes (RE 350.446, RE 353.668, RE 357.277, entre outros), já equiparou os dois institutos. O próprio STJ, ao julgar o REsp 1.725.452/RS, afirmou que reduzir alíquota a zero significa, na prática, conceder isenção, motivo pelo qual a revogação dessa benesse antecipadamente viola o artigo 178 do CTN.
Autores como Heleno Torres e Paulo de Barros Carvalho são uníssonos em afirmar que não há diferença substancial entre os regimes: a alíquota zero retira eficácia da regra matriz de incidência da mesma forma que a isenção formalmente instituída.
Negar créditos em aquisições com alíquota zero quebra a lógica da não cumulatividade, gera distorções econômicas e viola princípios constitucionais como a isonomia, a capacidade contributiva e a proteção da confiança.
Se a saída está onerada pelo PIS e pela Cofins, impedir o creditamento dos insumos adquiridos com alíquota zero representa uma tributação disfarçada sobre etapas anteriores, em desacordo com a neutralidade que deve reger tributos não cumulativos.
O sistema de não cumulatividade do PIS e da Cofins não pode ser interpretado de forma restritiva. Considerando a equiparação reconhecida pelos tribunais superiores entre isenção e alíquota zero, é juridicamente coerente admitir o direito ao crédito sempre que a saída subsequente for tributada.
A negativa, além de carecer de fundamento sólido, desvirtua a função do regime e onera desproporcionalmente setores essenciais da economia.
Chambarelli Advogados é especializado em Direito Tributário e Contencioso Administrativo Fiscal, oferecendo consultoria estratégica na interpretação do regime de não cumulatividade, no aproveitamento de créditos de PIS e Cofins e na prevenção de litígios com o Fisco. Nosso compromisso é transformar complexidade em segurança jurídica para empresas de todos os setores.
16/11/2022
Guilherme Chambarelli
29/12/2022
Guilherme Chambarelli
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Guilherme Chambarelli