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Opções em acordos de acionistas: como evitar o uso abusivo e proteger a confiança societária

08/09/2025

Guilherme Chambarelli

Cláusulas de opção de compra e venda de ações/quotas tornaram-se peças centrais em acordos de acionistas e contratos de investimento. Elas organizam saídas, entradas, reequilíbrios de controle e etapas de vesting. Justamente por serem instrumentos formativos — que podem constituir ou extinguir relações de forma unilateral —, exigem limites claros. O ordenamento brasileiro não admite exercício absoluto de direitos quando ele viola boa-fé, lealdade e confiança.

Este texto apresenta parâmetros práticos e jurídicos para reconhecer e conter o uso abusivo de opções no contexto societário, com foco em prevenção de litígios e desenho contratual.

O que é, afinal, o “direito de opção” no contexto societário

Nos acordos de acionistas, a opção funciona como mecanismo de gatilho: ao ocorrer um evento contratualmente definido (prazo, milestone, default, deadlock, drag/tag, vesting), uma parte pode exigir a compra ou a venda de participação por preço e condições previamente estipulados ou determináveis.
Essa prerrogativa é válida — mas submetida ao sistema:

  • Boa-fé objetiva e confiança (arts. 113 e 422 do CC);

  • Proibição de abuso de direito (art. 187 do CC);

  • Lealdade e dever de informação nas relações societárias (arts. 115 e 117 da LSA);

  • Vedação ao enriquecimento sem causa e à sociedade leonina (art. 109 da LSA, direitos essenciais).

Em síntese: a autonomia contratual é ampla, não ilimitada.

Onde começa o abuso: sinais de alerta

1) Comportamento contraditório

Quando quem se beneficiou de determinada prática contratual muda de posição apenas para ativar uma opção em proveito próprio — por exemplo, reconhece por anos um critério de apuração de resultados e, às vésperas do exercício, altera unilateralmente políticas contábeis para reduzir o preço.
Risco jurídico: violação da confiança e da boa-fé (arts. 113, 187 e 422 do CC).

2) Assimetria informacional fabricada

O controlador retém ou atrasa dados financeiros, orçamentários ou relatórios de compliance necessários à verificação de indicadores que determinam preço (EBITDA, net debt, working capital).
Risco jurídico: quebra do dever de lealdade (arts. 115 e 117 da LSA) e abuso de direito (art. 187 do CC).

3) Gatilhos provocados artificialmente

Criação deliberada de um impasse contratual ou de um default técnico para acionar shotgun, call ou put em condições favorecidas.
Risco jurídico: aplicação do art. 129 do CC (considera-se não verificada a condição suspensiva obtida por ato da parte interessada).

4) Determinação unilateral de preço

Modelos que, na prática, deixam a formação do preço ao arbítrio de uma parte (ex.: controle absoluto sobre premissas contábeis ou sobre a escolha de quem calcula o preço).
Risco jurídico: nulidade parcial do mecanismo e recomposição por critério determinável, jamais discricionário.

5) Efeito “leonino” indireto

Arquiteturas que eliminam a participação nos resultados ou suprimem o valor econômico devido ao minoritário, especialmente em saídas forçadas.
Risco jurídico: ofensa a direitos essenciais do acionista (art. 109 da LSA).

Ferramentas jurídicas de contenção (antes do litígio explodir)

  1. Interpretação conforme a boa-fé: integração do acordo para coibir leituras oportunistas (art. 113 do CC).

  2. Abuso de direito: paralisação do exercício da opção quando houver desvio de finalidade (art. 187 do CC).

  3. Condição não verificada: neutralização do gatilho provocado (art. 129 do CC).

  4. Tutelas de urgência: suspensão do exercício, preservação de status quo, vedação de atos de diluição.

  5. Reequilíbrio do preço: nomeação judicial/arbitral de perito ou valuation independente e compartilhado.

  6. Produção antecipada de provas: cadeia documental contábil, trilha de decisão, e-discovery de comunicações relevantes.

  7. Arbitragem: quando prevista, pode entregar decisão técnica e célere, com perícia financeira aprofundada.

Como redigir opções para reduzir litígios (checklist de drafting)

Gatilhos e condições

  • Descrever eventos objetivos, com métricas e prazos de verificação.

  • Prever proibição expressa de provocar o evento por ato voluntário da parte beneficiária.

Preço

  • Usar critérios determináveis (fórmulas) e ordem de prevalência de fontes contábeis.

  • Vincular políticas contábeis a normas estáveis e consistentes no tempo (no cut-off e nos 24 meses anteriores).

  • Incluir mecanismo de true-up (ajuste pós-fechamento) e auditoria independente.

Informação e lealdade

  • Cláusulas de acesso contínuo a dados (data room permanente), calendários de reporting e KPIs.

  • Deveres de não manipulação de premissas, orçamento e provisões no período sensível.

Resolução de impasses

  • Cooling-off, mediação obrigatória, comitê técnico para temas contábeis.

  • Perito independente vinculante para laudos de preço e ajustes.

Remédios e penalidades

  • Cláusula antiabuso: perde-se o direito de exercer a opção em caso de dolo, fraude, manipulação ou retenção de informação material.

  • Multa de performance e honorários de êxito em favor da parte prejudicada, quando constatada conduta oportunista.

Governança

  • Calendário anual de revisão de políticas contábeis e orçamento com quorum reforçado.

  • Audit trail obrigatório e guarda de evidências (minutas, pareceres, fluxos de aprovação).

Três exemplos práticos (e como tratá-los)

  1. Deadlock sob medida: o controlador bloqueia aprovações para ativar shotgun.
    Tratamento: art. 129 do CC (condição não verificada), tutela de urgência para impedir o exercício e designação de mediador técnico.

  2. EBITDA “apertado” de última hora: mudança de provisões reduz preço do call.
    Tratamento: congelamento de políticas contábeis por janela pré-opção; perito independente e true-up obrigatório.

  3. Data room seletivo: minoritário sem acesso à base de cálculo.
    Tratamento: ordem de exibição de documentos e suspensão do exercício até saneamento informacional.

Conclusão

Opções são essenciais para organizar o ciclo do investimento, mas não autorizam atalhos oportunistas. Quando a parte cria o gatilho, manipula o preço ou estrangula a informação, há abuso de direito, quebra de confiança e violação de deveres societários — situações que justificam neutralizar o exercício, reajustar o preço e aplicar remédios contratuais e legais.

Cláusulas bem desenhadas, com métricas auditáveis, governança informacional e mecanismos antiabuso, reduzem drasticamente a litigiosidade e preservam o valor da companhia — objetivo último de qualquer acordo de acionistas sério.


Chambarelli Advogados assessora companhias, investidores e founders em acordos de acionistas, governança, operações de M&A e contencioso societário (judicial e arbitral). Atuamos do desenho contratual à gestão de disputas complexas, com foco em prevenir abusos, proteger minoritários e preservar valor econômico.

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