Durante quase três décadas, o Brasil viveu sob um paradigma tributário peculiar: o país onde o trabalho era tributado, mas o capital, não. Desde 1996, os dividendos distribuídos pelas empresas estavam livres de imposto — uma exceção global que fez do sistema tributário brasileiro um dos mais distorcidos entre as grandes economias.
Com o Projeto de Lei nº 1.087/2025, essa anomalia começa a chegar ao fim. O texto propõe o retorno da tributação sobre lucros e dividendos, instaurando uma nova arquitetura fiscal que altera profundamente a forma como a renda é tratada no país. A medida não é apenas arrecadatória — é simbólica. Marca o fim de uma era e o início de outra, em que o rendimento do capital volta a dialogar com o princípio da capacidade contributiva.
A isenção dos dividendos nasceu na década de 1990, sob a justificativa de evitar a “bitributação” — a ideia de que o lucro já havia sido tributado na empresa e não deveria ser novamente no acionista. Na prática, porém, o benefício desfigurou o equilíbrio entre renda do trabalho e renda do capital.
Enquanto profissionais autônomos e assalariados enfrentavam alíquotas progressivas de até 27,5%, sócios e investidores de grandes companhias podiam receber milhões isentos de imposto. Criou-se uma distorção estrutural: quanto maior o capital, menor a carga tributária proporcional.
O PL 1.087/2025 pretende corrigir essa assimetria — e, ao mesmo tempo, modernizar o sistema de tributação direta, aproximando o Brasil do padrão das economias da OCDE, onde dividendos raramente são integralmente isentos.
A proposta estabelece a retenção de 10% de imposto de renda na fonte sobre lucros e dividendos acima de R$ 50.000,00 por mês, pagos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física.
O cálculo é feito de forma acumulada: se houver mais de um pagamento no mesmo mês, os valores são somados para apuração do total sujeito à tributação.
A base é bruta — não há deduções ou abatimentos.
A medida cria, na prática, uma faixa de isenção parcial para micro e pequenos investidores, ao mesmo tempo em que atinge de forma proporcional aqueles que recebem volumes expressivos de distribuição mensal.
O texto preserva uma janela de transição para lucros apurados até o ano-base de 2025. Dividendos referentes a esses resultados permanecerão isentos desde que a distribuição seja aprovada até 31 de dezembro de 2025 e os pagamentos sigam o cronograma originalmente deliberado.
Essa regra é especialmente relevante para empresas e holdings familiares que acumulam lucros contábeis não distribuídos. O prazo de 2025 se torna, portanto, um marco estratégico para revisão de políticas de distribuição e reorganização societária.
A introdução da retenção de 10% sobre dividendos representa um reposicionamento do papel da pessoa jurídica na cadeia arrecadatória. As empresas passam a atuar como agentes de recolhimento, com responsabilidade direta pela apuração e entrega do imposto.
Na outra ponta, o investidor pessoa física — especialmente o sócio de empresa operacional ou de holding — terá de revisar o fluxo de distribuição de lucros e avaliar o impacto efetivo da tributação na sua renda disponível.
Para grupos empresariais, será inevitável investir em governança contábil e compliance fiscal, garantindo controle mensal de pagamentos por CPF, integração de sistemas e adequação às novas obrigações acessórias.
A retomada da tributação sobre dividendos tem uma dimensão simbólica que vai além da técnica tributária.
Ela expressa uma mudança de paradigma: o Brasil busca reconstruir o pacto de justiça fiscal, em que a renda — qualquer que seja sua origem — contribui proporcionalmente para o financiamento do Estado.
Não se trata apenas de tributar mais, mas de tributar melhor. De reequilibrar o peso entre quem vive do trabalho e quem vive do capital. De aproximar o país de um modelo fiscal que privilegie a equidade sem afastar a competitividade.
O fim da era dos dividendos isentos não significa o início de uma perseguição ao investidor, mas sim a restauração de uma lógica que nunca deveria ter sido rompida: toda renda é renda, e o sistema tributário deve reconhecê-la como tal.
O desafio, daqui em diante, será garantir que a nova arquitetura de tributação — com retenção na fonte, redutores e regras de transição — funcione com segurança jurídica, previsibilidade e racionalidade econômica.
Porque justiça fiscal, sem eficiência, é apenas retórica.
E eficiência, sem justiça, é apenas poder.
Chambarelli Advogados acompanha a tramitação e os desdobramentos do PL 1.087/2025, assessorando empresas, holdings e pessoas físicas na adaptação ao novo regime de tributação de lucros e dividendos.
Nosso time de Arquitetura Jurídica™ atua na estruturação tributária e societária para assegurar conformidade, eficiência e visão estratégica no ambiente pós-reforma.
16/11/2022
Guilherme Chambarelli
16/11/2022
Guilherme Chambarelli
14/10/2025
Guilherme Chambarelli