
Sentença favorável obtida pelo Chambarelli Advogados repercute no JOTA. Na notícia publicada, Guilherme Chambarelli comenta decisão que manteve uma empresa no Perse até o prazo original previsto em lei, reforçando a importância da segurança jurídica para o setor de eventos.
A juíza Simone de Fatima Diniz Bretas, da 34ª Vara Federal do Rio de Janeiro, decidiu na última terça-feira (12/8) que uma empresa de agenciamento de jogadores de futebol e contratos desportivos tem direito a usufruir do benefício fiscal de alíquota zero de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) até fevereiro de 2027. Esse período respeita o prazo de 60 meses previsto na Lei 14.148/2021, que originalmente instituiu o Perse.
A magistrada também afastou as limitações impostas pela Lei 14.859/2024, a nova Lei do Perse, regulamentada pela Instrução Normativa 2.195/2024, da Receita Federal, que impôs o teto de R$ 15 bilhões ao benefício, bem como a exigência de habilitação prévia em plataforma eletrônica para usufruir dele.
A empresa sustentou que, por atuar com atividade diretamente relacionada a eventos e entretenimento, vinha regularmente aplicando a alíquota zero dos tributos federais abrangidos pelo programa. A contribuinte afirmou ter plena expectativa de continuar usufruindo do benefício até o prazo final previsto, ou seja, em fevereiro de 2027. Porém, observou que, em 22 de maio de 2024, foi publicada a Lei 14.859/2024, que introduziu alterações significativas no Perse, “que comprometem a estabilidade do benefício fiscal originalmente concedido”.
Tal instabilidade, segundo a contribuinte, criou “um cenário de insegurança tributária, privando-a da previsibilidade necessária para gerir suas contas e planejar suas atividades”, sem saber se continuaria a usufruir do benefício fiscal ou se seria subitamente obrigada a recolher tributos que não estavam previstos.
O argumento da insegurança tributária usado pela contribuinte não é algo isolado. O Índice de Segurança Jurídica e Regulatória (Insejur), criado pelo JOTA em parceria com professores do Insper para avaliar a percepção do setor privado sobre a segurança jurídica e regulatória no Brasil, revelou que 87% dos stakeholders de grandes empresas consideram que as leis mudam com frequência no Brasil. Além disso, 65% dos respondentes afirmaram haver contradições entre as diferentes legislações.
Ao julgar o pedido, a magistrada avaliou que o limite de R$ 15 bilhões ao custo fiscal do programa implica, na prática, a possibilidade de encerramento prematuro do benefício, caso o teto seja atingido antes dos 60 meses inicialmente previstos. Assim, considerou que a superveniência da Lei 14.859/2024, ao estabelecer limitações subjetivas e quantitativas, além de introduzir condições novas, implica em revogação parcial do benefício em violação direta ao artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN), configurando-se “ato ilegal da autoridade coatora ao exigir o recolhimento dos tributos com alíquotas restabelecidas”.
Por essa razão, entendeu que permitir a revogação parcial ou total do Perse sem observância aos limites constitucionais e infraconstitucionais atenta contra a segurança jurídica e a proteção da confiança dos contribuintes. “O ordenamento jurídico veda a atuação arbitrária e retroativa do Estado que venha a frustrar legítimas expectativas jurídicas baseadas em normas vigentes”, pontuou a juíza. Segundo ela, a cláusula do Estado de Direito exige “previsibilidade e estabilidade nas relações jurídicas, notadamente na seara tributária”.
Além disso, Bretas ressaltou que, ao prever a redução a zero das alíquotas dos tributos federais pelo prazo de 60 meses, o artigo 4º da Lei 14.148/2021 — que instituiu originalmente o benefício fiscal do Perse – configura, ainda que tecnicamente se trate de “alíquota zero”, uma hipótese de exoneração tributária por prazo certo e mediante condições onerosas. “A distinção teórica entre isenção e alíquota zero, embora relevante para a doutrina, não afasta o efeito prático de exoneração plena e temporária, com característica de incentivo setorial dirigido a um grupo de contribuintes previamente qualificado”, explicou a magistrada.
Logo, Bretas entendeu que o benefício instituído pela Lei 14.148/2021 caracteriza-se como isenção fiscal concedida por prazo certo e em função de determinadas condições. Nesse sentido, a juíza destacou que a isenção em questão não pode ser revogada ou modificada livremente, nos termos da Súmula 544 do Supremo Tribunal Federal (STF).
A magistrada destacou ainda que a empresa comprovou documentalmente sua habilitação ao Perse, assim como o cumprimento dos requisitos legais, inclusive o enquadramento na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) específica, o que confirma a legitimidade do seu direito a usufruir do benefício até fevereiro de 2027, conforme fixado na própria que o instituiu.
“O perigo da demora decorre da possibilidade de inscrição em dívida ativa, negativação em cadastros públicos e privados e imposição de sanções administrativas e patrimoniais que impactariam a continuidade da atividade empresarial da impetrante, gerando prejuízos irreversíveis”, concluiu Bretas.
Guilherme Chambarelli, sócio do Chambarelli Advogados e responsável pela defesa da empresa no caso, afirmou ao JOTA que a decisão “é um precedente importante, que traz um alento e devolve um mínimo de segurança jurídica ao setor de eventos em meio às seguidas mudanças que marcaram o Perse”. Porém, considerou que ainda é fundamental que haja uma pacificação da jurisprudência nos Tribunais Regionais Federais, para que se garanta equilíbrio competitivo entre as empresas, além de previsibilidade jurisdicional.
A sentença foi concedida no processo de número 5002027-22.2025.4.02.5101. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).