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ITCMD sobre quotas societárias: entre a medida justa e o excesso arrecadatório

10/09/2025

Guilherme Chambarelli

A sabedoria antiga já advertia: a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. No campo tributário, o ITCMD oferece um exemplo claro. Quando aplicado dentro de seus limites constitucionais e legais, cumpre papel legítimo de redistribuição e justiça fiscal. Porém, quando sua interpretação se afasta da moldura normativa, a mesma exação pode se transformar em instrumento de insegurança e abuso.

Atualmente, a principal controvérsia está na base de cálculo do ITCMD nas doações de quotas societárias. A Lei paulista nº 10.705/2000 fala em “valor patrimonial”, mas não esclarece se a referência é o valor contábil registrado nos balanços ou o valor econômico real da sociedade. Essa lacuna abriu espaço para dois movimentos antagônicos: de um lado, contribuintes que defendem a aplicação do valor contábil, amparados no texto legal e em julgados já proferidos; de outro, a Fazenda do Estado, que insiste na adoção de parâmetros de “valor real”, utilizando arbitramentos e avaliações de mercado para ampliar a base tributável.

O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a disseminação dessa divergência e submeteu o tema ao rito dos repetitivos. Não se trata ainda da decisão de mérito, mas a afetação já marca um divisor de águas. O que está em jogo vai além do cálculo das quotas: trata-se do alcance efetivo do princípio da legalidade tributária, que exige clareza normativa antes de qualquer cobrança.

Na prática, o conflito revela tensões concretas. Imagine sociedades com patrimônio imobiliário elevado, mas baixo patrimônio líquido registrado; famílias que transferem quotas cujo valor formal é irrisório se comparado aos dividendos que a sociedade gera; ou ainda a multiplicidade de critérios paralelos — valores venais de IPTU, ITBI ou “referências fiscais” — que alimentam disputas sobre o “verdadeiro” valor de mercado. Cada cenário demonstra tanto a criatividade legítima dos contribuintes quanto a disposição do Fisco de expandir seu espaço arrecadatório.

As consequências da decisão do STJ serão imediatas. Se a Corte admitir o arbitramento sem exigência de lei específica, consolidará um poder ampliado dos fiscos estaduais, mas ao custo de fragilizar a legalidade e abrir caminho para a tributação por presunção. Se, ao contrário, condicionar a majoração a lei em sentido estrito, reforçará a previsibilidade jurídica, ainda que isso mantenha margem para planejamentos agressivos.

A questão, portanto, não é apenas matemática, mas filosófica: qual é a dose justa da tributação? Aristóteles já ensinava que a virtude está no meio-termo. Permitir o arbitramento sem lei pode levar ao excesso; restringir-se estritamente ao valor contábil pode preservar a forma, mas criar distorções de conteúdo. Entre esses polos, a solução equilibrada está em reafirmar o princípio da legalidade como remédio constitucional: dura lex, sed lex.

Cabe ao STJ aplicar a lei. Cabe ao Fisco cobrar dentro da lei. E, se a norma se mostrar insuficiente, que o debate ocorra nos fóruns adequados — as Assembleias Legislativas — e não pela via oblíqua da interpretação fiscal expansiva.

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