
A definição da base de cálculo do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) nas transmissões de ações ou quotas societárias continua a gerar controvérsia jurídica relevante. A discussão se intensificou após decisão da 2ª Turma do STJ (REsp 2.139.412/MT), que admitiu o arbitramento do imposto pelo Estado de Mato Grosso considerando o valor de mercado dos ativos da empresa, e não apenas o valor patrimonial contábil.
Historicamente, as legislações estaduais têm adotado como base de cálculo o valor patrimonial contábil das quotas ou ações, isto é, o patrimônio líquido da empresa dividido pelo número de participações. Essa solução privilegia a segurança e a objetividade: a apuração se dá a partir de dados contábeis regularmente registrados.
No caso concreto analisado pelo STJ, contudo, o Fisco estadual reavaliou ativos imobiliários que estavam contabilizados por valor inferior ao de mercado, elevando o patrimônio líquido e, por consequência, o montante sujeito à tributação. O tribunal entendeu que seria legítimo o arbitramento com base no artigo 148 do CTN, concluindo que o valor venal equivaleria ao valor de mercado.
A decisão, entretanto, abre uma fratura interpretativa: a lei estadual então vigente falava expressamente em valor patrimonial. O salto hermenêutico para valor de mercado extrapola a literalidade da norma local, criando um espaço de insegurança jurídica.
A Constituição atribui aos estados competência para instituir e disciplinar o ITCMD, cabendo ao CTN apenas a fixação de normas gerais. Nesse contexto, os tribunais locais, ao aplicarem a legislação estadual, têm reiterado que a referência deve ser o valor patrimonial contábil, justamente para evitar disputas infindáveis sobre critérios de avaliação de mercado.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, em julgados recentes, reforçou que a adoção do critério contábil assegura praticidade e previsibilidade, além de reduzir margens de litígio. O mesmo caminho vem sendo trilhado por outros tribunais estaduais.
O contraste com a posição externada pela 2ª Turma do STJ cria uma assimetria preocupante: de um lado, decisões locais garantindo segurança e objetividade; de outro, precedente que relativiza a lei estadual e admite a ampliação do conceito de valor venal.
Do ponto de vista empresarial e patrimonial, o tema afeta diretamente estruturas de planejamento sucessório e de reorganização societária. A falta de clareza sobre qual critério deve prevalecer — patrimonial contábil ou de mercado — impacta a previsibilidade tributária e aumenta os riscos de autuações.
Além disso, a possibilidade de arbitramento pelo Fisco, sem balizas claras, gera incerteza para famílias empresárias e investidores, que podem ver seus planos sucessórios comprometidos por exigências fiscais baseadas em avaliações unilaterais.
A controvérsia sobre a base de cálculo do ITCMD na transmissão de quotas e ações societárias ilustra bem a tensão entre a necessidade de arrecadação e a preservação da segurança jurídica. Enquanto os estados têm editado normas objetivas pautadas no valor patrimonial contábil, a decisão do STJ reacende a ideia de que o valor de mercado poderia ser imposto ao contribuinte, mesmo sem previsão legal expressa.
Trata-se de um campo fértil para litígios e que demanda atenção redobrada em estratégias de planejamento sucessório. Até que haja pacificação jurisprudencial ou uma reforma legislativa mais clara, os contribuintes devem adotar postura preventiva, com registro contábil adequado e suporte jurídico especializado, para mitigar riscos e assegurar maior estabilidade em seus negócios e patrimônios familiares.