
O uso de sociedades patrimoniais para centralizar e proteger imóveis familiares é prática consolidada no mercado brasileiro. Estruturas desse tipo cumprem papel relevante no planejamento sucessório e na blindagem patrimonial, evitando a dispersão dos bens e assegurando maior continuidade aos negócios familiares.
No entanto, recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) trouxe novo capítulo ao debate. No acórdão nº 2401-012.193, de 21/07/2025, o colegiado considerou simulada a segregação de imóveis em holding patrimonial seguida do arrendamento aos próprios sócios, reunidos em condomínio, que continuaram a explorar a atividade agrícola.
Na operação questionada, imóveis rurais foram integralizados em uma sociedade patrimonial tributada pelo lucro presumido. No mesmo dia, os bens foram arrendados de volta aos sócios, que seguiram à frente da produção agrícola como pessoas físicas.
O desenho societário resultava em dois efeitos principais:
nas pessoas físicas, a possibilidade de dedução das despesas de arrendamento no Livro Caixa;
na pessoa jurídica, a geração de lucros distribuídos como dividendos isentos.
A Receita entendeu tratar-se de estrutura voltada essencialmente à economia tributária, sem propósito negocial suficiente. O Carf confirmou a autuação, destacando como sinais de artificialidade: coincidência entre as partes contratantes, inexistência de empregados ou custos operacionais na holding, ausência de benfeitorias e plantações na integralização e simultaneidade entre a transferência e o arrendamento.
Embora a decisão represente uma posição formalmente alinhada à busca pela substância sobre a forma, ela desperta preocupação. Isso porque muitos dos elementos apontados como indícios de simulação são, na verdade, características típicas das holdings patrimoniais.
É comum que tais sociedades não tenham empregados ou despesas relevantes, justamente porque sua função principal é concentrar a titularidade dos bens e administrar riscos. Do mesmo modo, a integralização de imóveis seguida de arrendamento ou locação é um instrumento legítimo de reorganização patrimonial, utilizado para separar o patrimônio operacional do patrimonial, criando maior previsibilidade para herdeiros e sócios.
Trata-se, portanto, de um modelo usual, que atende não apenas a finalidades fiscais, mas também a objetivos legítimos de governança e continuidade dos negócios familiares.
O precedente reforça um ponto sensível: a linha entre planejamento tributário lícito e simulação pode ser tênue quando não há documentação robusta que demonstre o propósito negocial da operação.
Se, por um lado, a jurisprudência reconhece o direito do contribuinte de organizar seus negócios para reduzir encargos (como já destacou o Supremo Tribunal Federal ao analisar a ADI 2446), por outro, cabe ao contribuinte demonstrar que a estruturação societária tem função além da economia fiscal imediata.
A decisão do Carf revela que, em reorganizações envolvendo holdings patrimoniais, a narrativa da finalidade empresarial legítima deve ser construída e documentada de forma consistente. Contratos de arrendamento, atas societárias, relatórios de gestão e justificativas de governança são elementos que fortalecem a defesa da licitude da estrutura.
O recado é claro: estruturas patrimoniais permanecem válidas e eficazes, mas precisam ser fundamentadas em propósitos econômicos e familiares concretos, não apenas em ganhos tributários.
No Chambarelli Advogados, assessoramos grupos familiares na criação e revisão de holdings, alinhando planejamento societário, patrimonial e fiscal dentro dos limites legais, com foco na proteção do patrimônio e na redução de riscos de requalificação pelo Fisco.