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Holdings patrimoniais e o limite entre reorganização legítima e simulação fiscal

09/09/2025

Guilherme Chambarelli

O uso de sociedades patrimoniais para centralizar e proteger imóveis familiares é prática consolidada no mercado brasileiro. Estruturas desse tipo cumprem papel relevante no planejamento sucessório e na blindagem patrimonial, evitando a dispersão dos bens e assegurando maior continuidade aos negócios familiares.

No entanto, recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) trouxe novo capítulo ao debate. No acórdão nº 2401-012.193, de 21/07/2025, o colegiado considerou simulada a segregação de imóveis em holding patrimonial seguida do arrendamento aos próprios sócios, reunidos em condomínio, que continuaram a explorar a atividade agrícola.

O caso analisado pelo Carf

Na operação questionada, imóveis rurais foram integralizados em uma sociedade patrimonial tributada pelo lucro presumido. No mesmo dia, os bens foram arrendados de volta aos sócios, que seguiram à frente da produção agrícola como pessoas físicas.

O desenho societário resultava em dois efeitos principais:

  • nas pessoas físicas, a possibilidade de dedução das despesas de arrendamento no Livro Caixa;

  • na pessoa jurídica, a geração de lucros distribuídos como dividendos isentos.

A Receita entendeu tratar-se de estrutura voltada essencialmente à economia tributária, sem propósito negocial suficiente. O Carf confirmou a autuação, destacando como sinais de artificialidade: coincidência entre as partes contratantes, inexistência de empregados ou custos operacionais na holding, ausência de benfeitorias e plantações na integralização e simultaneidade entre a transferência e o arrendamento.

A crítica ao raciocínio adotado

Embora a decisão represente uma posição formalmente alinhada à busca pela substância sobre a forma, ela desperta preocupação. Isso porque muitos dos elementos apontados como indícios de simulação são, na verdade, características típicas das holdings patrimoniais.

É comum que tais sociedades não tenham empregados ou despesas relevantes, justamente porque sua função principal é concentrar a titularidade dos bens e administrar riscos. Do mesmo modo, a integralização de imóveis seguida de arrendamento ou locação é um instrumento legítimo de reorganização patrimonial, utilizado para separar o patrimônio operacional do patrimonial, criando maior previsibilidade para herdeiros e sócios.

Trata-se, portanto, de um modelo usual, que atende não apenas a finalidades fiscais, mas também a objetivos legítimos de governança e continuidade dos negócios familiares.

Entre a liberdade de organização e o risco de requalificação

O precedente reforça um ponto sensível: a linha entre planejamento tributário lícito e simulação pode ser tênue quando não há documentação robusta que demonstre o propósito negocial da operação.

Se, por um lado, a jurisprudência reconhece o direito do contribuinte de organizar seus negócios para reduzir encargos (como já destacou o Supremo Tribunal Federal ao analisar a ADI 2446), por outro, cabe ao contribuinte demonstrar que a estruturação societária tem função além da economia fiscal imediata.

Conclusão

A decisão do Carf revela que, em reorganizações envolvendo holdings patrimoniais, a narrativa da finalidade empresarial legítima deve ser construída e documentada de forma consistente. Contratos de arrendamento, atas societárias, relatórios de gestão e justificativas de governança são elementos que fortalecem a defesa da licitude da estrutura.

O recado é claro: estruturas patrimoniais permanecem válidas e eficazes, mas precisam ser fundamentadas em propósitos econômicos e familiares concretos, não apenas em ganhos tributários.

No Chambarelli Advogados, assessoramos grupos familiares na criação e revisão de holdings, alinhando planejamento societário, patrimonial e fiscal dentro dos limites legais, com foco na proteção do patrimônio e na redução de riscos de requalificação pelo Fisco.

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