
Poucos temas revelam com tamanha nitidez a complexidade da incidência do Imposto de Renda quanto a noções como “disponibilidade jurídica” e “prazo de pagamento”. A Solução de Consulta COSIT nº 130, publicada em 31 de julho de 2025, enfrenta um caso paradigmático: a alienação de imóvel por pessoa física, com parte do pagamento quitada via nota promissória pro soluto e sujeição parcial do preço a percentual futuro de vendas do empreendimento.
A Receita Federal, mais uma vez, reafirma um ponto que não pode ser ignorado por quem lida com reestruturações patrimoniais e transações imobiliárias de maior complexidade: ainda que o pagamento se projete no tempo, a emissão de títulos pro soluto implica reconhecimento do valor total da operação no momento da alienação.
A consulente, pessoa física, celebrou uma escritura de compra e venda de imóvel industrial. O pagamento foi estruturado em três partes: valor em espécie a título de sinal, valor pago à vista no ato da escritura e o saldo remanescente representado por nota promissória pro soluto. Posteriormente, firmou-se uma escritura de novação e confissão de dívida, pela qual a obrigação foi convertida em participação sobre 17,03% da receita líquida de vendas das futuras unidades do empreendimento a ser edificado.
Apesar de haver um valor mínimo assegurado, o pagamento era essencialmente variável, vinculado a resultados comerciais incertos — tese comumente tratada na doutrina como “preço indeterminado” ou “condição suspensiva”. A consulente sustentava que a tributação deveria ocorrer apenas conforme os pagamentos fossem realizados, conforme art. 117, I, do CTN.
O ponto central da análise da RFB recai sobre a natureza da nota promissória pro soluto. Diferentemente do título pro solvendo, que mantém vínculo com a obrigação subjacente e depende de adimplemento para caracterizar o pagamento, o título pro soluto extingue a obrigação originária e gera a chamada disponibilidade jurídica plena.
Ao reconhecer a nota como instrumento autônomo e desvinculado do contrato, a Receita entendeu que a alienação deve ser considerada como operação à vista para fins fiscais. Assim, mesmo que os valores venham a ser quitados em data futura, o fato gerador do Imposto de Renda incide integralmente na data da operação.
A Solução de Consulta evidencia um risco frequentemente negligenciado em planejamentos mal conduzidos: a crença de que o simples escalonamento do pagamento autoriza o fracionamento da apuração do ganho de capital. Quando a operação for qualificada como à vista — em razão da emissão de título pro soluto — o contribuinte estará sujeito à tributação total no mês da alienação, ainda que o dinheiro efetivamente recebido seja incerto ou postergado.
Pior: a cláusula de participação sobre receita futura, se associada a um título pro soluto já emitido e aceito como pagamento, pode ser desconsiderada como condição suspensiva, pois a Receita a trata como elemento acessório, e não impeditivo do fato gerador.
O caso analisado pela COSIT demonstra, mais uma vez, que o resultado fiscal de uma operação decorre não apenas da intenção das partes, mas da forma jurídica escolhida para documentá-la. Ao aceitar nota promissória pro soluto, o contribuinte antecipa a ocorrência do fato gerador, ainda que deseje, contratualmente, vincular o pagamento à performance futura do adquirente.
Isso exige um olhar mais sofisticado sobre a modelagem contratual: cláusulas de condição suspensiva, dação em pagamento, pagamentos com base em receita futura e pactos de valor mínimo precisam estar cuidadosamente alinhados com os efeitos fiscais pretendidos — e com a jurisprudência administrativa e judicial vigente.
A Solução de Consulta COSIT nº 130/2025 não inova, mas explicita uma fronteira fundamental do direito tributário contemporâneo: o formalismo negocial não é irrelevante. Ao contrário, ele define, muitas vezes, o momento e o montante do tributo devido.
Para operações complexas de alienação de bens, especialmente quando o pagamento envolve fórmulas híbridas e mecanismos contratuais sofisticados, a articulação entre forma jurídica e substância econômica deve ser meticulosamente planejada. Não se trata apenas de otimizar carga tributária — mas de evitar o risco de descompasso entre a realidade negocial e o enquadramento fiscal aplicado.
Como regra: se a nota for pro soluto, o imposto será pro imediato.
16/11/2022
Guilherme Chambarelli
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