
No âmbito do Direito Societário, a exclusão de sócio por justa causa é medida de caráter excepcional, que só pode ser admitida quando há descumprimento relevante da lei ou do contrato social, com reflexos concretos sobre a continuidade da empresa.
Por muitos anos, contudo, a jurisprudência brasileira sustentou que a simples perda da affectio societatis — expressão que traduz a intenção de permanecer associado — bastaria para justificar a exclusão. Essa visão subjetiva acabou por permitir exclusões amparadas apenas em desavenças pessoais, sem exigência de demonstração de prejuízo efetivo à sociedade.
O STJ, ainda nos anos 1990, chegou a afirmar que bastaria a “desavença entre os sócios” para configurar justa causa de exclusão. Essa perspectiva, embora historicamente relevante, gerava insegurança jurídica, ao abrir espaço para abusos da maioria em detrimento dos minoritários.
A doutrina contemporânea tem questionado fortemente o uso da affectio societatis como critério autônomo. Autores como Marcelo Vieira Von Adamek e Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França defendem que a sociedade não se constitui sobre a permanência de afinidades pessoais, mas sobre a busca do fim comum previsto no contrato.
Nesse mesmo sentido, Alfredo de Assis Gonçalves Neto sustenta que, se a affectio fosse elemento essencial, os sócios majoritários poderiam excluir minoritários a qualquer momento, o que representaria afronta direta à estabilidade contratual e aos direitos de participação.
A jurisprudência mais recente vem acompanhando esse movimento. O Enunciado nº 67 da I Jornada de Direito Civil do CJF consolidou que a perda da affectio societatis não configura motivo para exclusão de sócio, mas pode fundamentar a dissolução parcial da sociedade, caso inviabilize a continuidade do vínculo contratual.
O Código Civil de 2002 reforçou esse entendimento ao estabelecer, nos arts. 1.030 e 1.085, que a exclusão de sócio deve estar ancorada em atos concretos de inegável gravidade, tais como:
desvio de recursos ou utilização indevida do patrimônio social;
concorrência desleal com a sociedade;
obstrução deliberada da gestão;
descumprimento reiterado de cláusulas contratuais essenciais.
Em julgamento mais recente (REsp 2.142.834/SP), o STJ reafirmou essa lógica ao considerar que retiradas indevidas de valores do caixa da empresa configuram falta grave, apta a justificar a exclusão. Não se trata, portanto, de divergências subjetivas, mas de condutas objetivas que comprometem a integridade patrimonial da sociedade.
Permitir a exclusão com base apenas na alegada perda da affectio societatis abre espaço para práticas oportunistas, como a tentativa da maioria de eliminar minoritários por conveniência. Esse risco afronta a lógica de proteção da minoria e compromete a segurança jurídica do ambiente empresarial.
O caminho mais adequado, como tem reconhecido a jurisprudência recente, é considerar a affectio societatis como uma consequência natural do cumprimento ou descumprimento das obrigações contratuais, e não como causa autônoma de exclusão.
Assim, quando há inadimplemento contratual ou violação de deveres de sócio, a quebra da affectio será consequência inevitável — mas nunca fundamento exclusivo.
A exclusão de sócio deve ser fundamentada em critérios objetivos, vinculados à violação de obrigações legais ou contratuais de gravidade suficiente para comprometer a atividade empresarial. A mera perda da affectio societatis, por sua natureza subjetiva, não pode servir como motivo autônomo, sob pena de fragilizar a proteção dos sócios minoritários e estimular arbitrariedades.
O Direito Societário brasileiro tem caminhado para privilegiar a estabilidade das relações empresariais, a preservação da empresa e a segurança jurídica, reservando a exclusão de sócio apenas para hipóteses comprovadas de falta grave ou justa causa objetiva.
Chambarelli Advogados é especializado em Direito Societário e Empresarial, com atuação em reestruturação de sociedades, resolução de conflitos entre sócios e elaboração de contratos sociais que garantem clareza e estabilidade. Nosso compromisso é assegurar a continuidade das empresas e proteger tanto o patrimônio quanto os direitos de sócios majoritários e minoritários.
26/12/2023
Guilherme Chambarelli
08/09/2025
Guilherme Chambarelli
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Guilherme Chambarelli