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Dividendos e AVJ: o que a recente decisão do CARF revela sobre tributação e governança

08/09/2025

Guilherme Chambarelli

Uma decisão do CARF reacendeu o debate sobre a distribuição de dividendos lastreados em ajustes a valor justo (AVJ) e seus reflexos tributários. Na autuação, a fiscalização entendeu que a distribuição de lucros com base em AVJ de imóvel configuraria “realização” do ganho e, portanto, fato gerador de IRPJ/CSLL. O colegiado, contudo, afastou a tese fazendária: distribuir dividendos, por si, não realiza o ativo para fins do art. 13 da Lei 12.973/2014.

Tradução prática: enquanto o ativo não for depreciado, amortizado, exaurido, alienado ou baixado, o AVJ permanece um ganho potencial evidenciado em subconta; não integra o lucro real e não dispara IRPJ/CSLL.

Por que isso importa além do imposto

A decisão preserva a neutralidade fiscal do AVJ e respeita a capacidade contributiva: não se tributa o que ainda não virou caixa nem se transformou em disponibilidade econômica ou jurídica. Mas o tema extrapola a esfera tributária. Distribuir lucros com base em valorização contábil não realizada pode produzir tensões de liquidez, riscos de descumprimento de covenants e questionamentos sobre o dever de diligência dos administradores.

Ponto de partida jurídico-tributário

  • Regra-matriz: o art. 13 da Lei 12.973/2014 difere a tributação do AVJ quando evidenciado em subconta vinculada, e limita o conceito de “realização” a eventos objetivos (depreciação, amortização, exaustão, alienação, baixa).

  • Efeito: dividendos distribuídos a partir de lucro contábil influenciado por AVJ não alteram a natureza do ajuste nem antecipam tributação.

  • Mensagem: contabilidade pode reconhecer valor; o imposto só chega quando existir realização definida em lei.

Lente de governança: diligência, caixa e prudência

Mesmo sem gatilho tributário imediato, a distribuição de resultados amparada em ganhos não monetários exige processo decisório robusto. Três perguntas obrigatórias no conselho/diretoria:

  1. Há caixa suficiente? (fluxo operacional, reservas, necessidades de capital)

  2. O risco de reversão do AVJ é material? (volatilidade de mercado, testes de recuperabilidade)

  3. Existe política de lucros que trate “resultados não realizados”? (reserva específica, critérios objetivos)

A legislação societária oferece ferramentas prudenciais (como reserva para lucros a realizar) que atenuam o descompasso entre lucro contábil e capacidade de pagamento. Ignorá-las pode converter um acerto tributário em erro de gestão.

Checklist prático para administradores e comitês

Antes de deliberar dividendos com AVJ relevante no resultado:

  • Mapeie o componente não realizado do lucro (reconciliação entre lucro contábil, caixa e AVJ em subconta).

  • Simule cenários de estresse de liquidez (sensibilidade de juros, vacância, preços, rolagem de dívida).

  • Avalie covenants e compromissos contratuais (limites de alavancagem, índices de cobertura, restricted payments).

  • Considere reserva de lucros a realizar quando o componente não monetário for significativo.

  • Registre o processo decisório (pareceres contábeis/financeiros, nota técnica jurídica, ata circunstanciada).

  • Alinhe políticas contábeis e de distribuição (consistência temporal, critérios objetivos, transparência ao mercado e aos sócios).

Riscos de litígio (e como mitigá-los)

  • Fisco: autuações que tentem “requalificar” dividendos como realização — mitigue com subconta bem evidenciada, conciliações periódicas e aderência literal ao art. 13.

  • Sócios/acionistas: questionamentos por falta de diligência se dividendos pressionarem o caixa — mitigue com análise de solvência, reservas prudenciais e documentação decisória.

  • Credores: alegações de violação de covenantsmitigue com comunicação prévia, waivers quando necessário e testes de estresse antes da deliberação.

Cinco erros comuns ao lidar com AVJ e dividendos

  1. Tratar AVJ como caixa: confundir lucro contábil com liquidez.

  2. Ignorar subcontas: falta de rastreabilidade contábil abre brecha a autuação.

  3. Subestimar volatilidade: AVJ pode reverter; dividendos pagos não voltam.

  4. Políticas opacas: ausência de regra para lucros não realizados aumenta risco de disputa societária.

  5. Ata pobre: decisões sem lastro técnico/documental enfraquecem a proteção dos administradores.

Conclusão

A decisão do CARF reafirma a premissa: dividendos não são, por si, realização de AVJ — e não deflagram IRPJ/CSLL fora das hipóteses legais. Ao mesmo tempo, envia um recado à governança: prudência na distribuição de resultados com forte peso de ajustes não monetários. Gestão fiscal eficiente sem lastro em processo decisório diligente é risco desnecessário. O equilíbrio correto combina neutralidade tributária, liquidez preservada e transparência com sócios e credores.


Chambarelli Advogados assessora companhias abertas e fechadas em tributação de resultados, políticas de dividendos, contabilidade societária (CPC/IFRS), governança e contencioso fiscal. Atuamos de ponta a ponta: da estruturação de reservas e políticas internas à defesa em autos de infração e disputas societárias. Quer um roteiro de deliberação de dividendos com AVJ adaptado ao seu negócio? Preparamos um modelo sob medida.

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