
No mundo dos negócios inovadores, a pressa de empreender não pode atropelar a prudência jurídica. Especialmente quando há dinheiro de terceiros envolvido. O investimento-anjo, com toda a sua beleza estratégica e impacto no early stage, exige mais do que boas ideias: ele exige confiança. E a confiança, nesse contexto, se constrói com contratos bem desenhados.
O investidor-anjo — aquele que injeta capital, rede e experiência na startup ainda em fase de validação — não quer apenas uma promessa de retorno. Ele quer previsibilidade, proteção e clareza sobre o que está sendo combinado. O contrato, portanto, não é só uma formalidade: é um instrumento de alinhamento. E nesse alinhamento, algumas cláusulas não podem faltar.
A primeira delas é a cláusula de conversão. O investidor não quer ser só um credor: ele quer ter o direito de se tornar sócio no futuro, caso a empresa cresça e levante uma rodada maior. Esse mecanismo, muitas vezes viabilizado por um contrato de mútuo conversível, define como, quando e a que valor o investimento será convertido em participação societária. E aqui, um detalhe faz toda a diferença: se a conversão será obrigatória, automática ou facultativa. Quanto mais preciso for o desenho, menor o litígio lá na frente.
A segunda cláusula que não pode faltar é a da valuation cap. Trata-se de um teto de avaliação da startup para fins de conversão. Na prática, é uma forma de proteger o investidor inicial do efeito dilutivo de uma valorização exagerada em futuras rodadas. Se a empresa explodir em valor, ótimo — mas o investidor-anjo quer ser reconhecido por ter entrado antes. O cap garante isso.
Em terceiro lugar, vem a cláusula de desconto. Muitas vezes combinada com a valuation cap, ela assegura que, ao converter o investimento, o anjo terá um percentual de desconto sobre o valuation da nova rodada. Esse benefício compensa o risco de ter acreditado quando ninguém mais acreditava. Não é privilégio: é justiça contratual.
A quarta cláusula essencial é a de não diluição. Embora juridicamente sensível, ela pode ser pactuada em termos razoáveis, como um direito de manutenção de participação até determinado evento de liquidez ou rodada. O investidor quer saber que não será diluído imediatamente após a conversão, principalmente em situações que envolvam aumento de capital entre os próprios fundadores.
A quinta cláusula é o direito de preferência. Quando houver aumento de capital, o investidor-anjo quer ter a chance de investir novamente para manter seu percentual. Essa cláusula reforça a lógica do alinhamento contínuo: se a startup for bem, ele quer continuar embarcado. É um mecanismo simples, mas que precisa estar ajustado ao tipo societário — especialmente em sociedades limitadas, onde a legislação exige tratamento específico.
A sexta cláusula é o tag along. O investidor-anjo, mesmo minoritário, quer se proteger de uma eventual venda da empresa que o deixe à margem. Com o tag along, ele assegura que, se os sócios fundadores venderem suas quotas ou ações, ele poderá vender as suas nas mesmas condições. Isso evita que ele fique em uma sociedade que já não tem mais a mesma lógica estratégica.
E por fim, a cláusula de veto. Em determinados temas estratégicos — como alteração do objeto social, venda da empresa, mudança no cap table ou assunção de dívidas relevantes — o investidor quer ter voz ativa. Não se trata de co-gestão, mas de um direito mínimo de participar das decisões que possam comprometer o valor do seu investimento.
Essas sete cláusulas, quando bem redigidas, formam o alicerce de uma relação de confiança entre investidor e startup. Mais do que proteger, elas orientam. Evitam conflitos. Criam clareza. E acima de tudo, respeitam o espírito do investimento-anjo: apoiar com capital inteligente, mas sem perder de vista o que é essencial. No fim das contas, é disso que se trata o bom direito para startups. De ajudar a construir, sem atrapalhar o voo.
13/04/2024
Guilherme Chambarelli
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