
A dedutibilidade de despesas na apuração do IRPJ (Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica) é um dos campos mais controversos da tributação empresarial brasileira. O que parece, à primeira vista, um exercício contábil técnico, revela-se, na prática, um verdadeiro campo de tensão entre os conceitos de legalidade, liberdade econômica e boa-fé. E é exatamente nesse embate que se encontram os três acórdãos recentemente proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, que, ainda que divergentes nos resultados, apontam um fio condutor: a centralidade da análise do contexto da despesa.
O ponto de partida jurídico é o artigo 311 do RIR/2018: para serem dedutíveis, as despesas devem ser necessárias, usuais e normais ao exercício da atividade empresarial. É um tripé normativo que, na prática, exige não apenas documentação hábil e idônea, mas também um grau de aderência econômica e funcional à operação da empresa.
O Acórdão nº 1102-001.530, no processo do Supermercado Bahamas S/A, resume com precisão o espírito da norma: necessário, no contexto do IRPJ, é aquilo que não pode ser dispensado sem comprometimento da operação – é o oposto da liberalidade, do luxo, do artifício.
Por outro lado, o simples registro contábil de uma despesa – ainda que com nota fiscal – não garante sua dedutibilidade. O Acórdão nº 1101-001.527 (Editora Pesquisa e Indústria) é paradigmático nesse sentido. A glosa de diversas despesas foi mantida pela ausência de comprovação da substância, da origem e da efetiva vinculação aos resultados da empresa.
Mas o caso guarda uma exceção poderosa: as festas de confraternização de fim de ano. Embora tradicionalmente classificadas como despesas por liberalidade, o colegiado reconheceu sua relevância para a manutenção do ambiente organizacional, a motivação da equipe e, portanto, sua conexão indireta, porém real, com os objetivos empresariais. A dedução foi admitida, porque a despesa, ainda que social em forma, era funcional em essência.
No extremo oposto, o caso Bahamas expõe os limites da criatividade empresarial. A operação que envolveu a alienação de imóveis a um fundo de investimento controlado pelos próprios sócios, seguida de sua locação ao contribuinte, foi considerada abusiva. Para o CARF, houve planejamento tributário que violou o princípio da necessidade e da boa-fé. As despesas de aluguel foram glosadas integralmente, e a multa foi qualificada em 150%.
Ali, não se tratava mais de uma dúvida sobre a utilidade da despesa, mas da própria intenção do contribuinte. O formalismo contratual – escrituras, notas, recibos – não foi suficiente. A substância prevaleceu: os imóveis nunca saíram da posse econômica da empresa, e os valores pagos não refletiam uma operação de mercado, mas uma simulação estratégica de despesa.
A decisão da 2ª Turma Ordinária (Acórdão nº 1202-001.586 – Metha S.A.) traz uma lição equilibrada. No contrato de empreitada, a fiscalização glosou despesas com aquisição de games e controladores de tráfego, entendendo serem gastos excessivos. Mas a defesa provou que tais itens estavam no contrato como parte do escopo da obra. O CARF reconheceu a vinculação econômica, o nexo contratual e a documentação. A glosa foi afastada – não por mera formalidade, mas por comprovação robusta da pertinência.
Esses três julgados revelam uma linha tênue entre o exercício legítimo da liberdade empresarial e a violação do regime tributário. A dedutibilidade não é um direito absoluto – é um privilégio condicionado à necessidade real, comprovada e contextual da despesa.
Mais do que notas fiscais, o Fisco (e o CARF) busca a verdade material. Exige-se do contribuinte não apenas a formalidade, mas a integridade – e isso implica pensar a contabilidade como narrativa da realidade empresarial, e não como escudo contra ela.
Em tempos de inteligência artificial e big data fiscal, talvez devêssemos resgatar a lição mais simples de todas: não basta parecer necessário. É preciso ser necessário – e provar isso com coerência, substância e verdade.
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