A Resolução BCB 519/2025 disciplina os processos de autorização de corretoras de câmbio, corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários e prestadoras de serviços de ativos virtuais.
Neste artigo, analisamos os requisitos, impactos regulatórios e desafios para os agentes do mercado.
A edição da Resolução BCB n.º 519, de 10 de novembro de 2025, pela Banco Central do Brasil (“BCB”), representa marco regulatório relevante para o ambiente de autorização de funcionamento de instituições que atuam – ou desejam atuar – nos segmentos de câmbio, valores mobiliários e ativos virtuais. O diploma disciplina, de forma abrangente, os “processos de autorização” relativos a quatro categorias institucionais: sociedades corretoras de câmbio; sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários; sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários; e sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais.
Tal norma, fundada em dispositivos da Lei 14.478/2022, do Decreto 11.563/2023 e da Lei 4.728/1965, bem como na norma do Resolução CMN 5.105, visa conferir maior rigidez e clareza aos requisitos de autorização, bem como aos processos de mudança de controle, capital, estrutura administrativa e reorganização societária.
Neste artigo, revisitam-se os principais pontos da Resolução 519/2025, elucidam-se os requisitos de autorização, as mudanças societárias e de governança, além de avaliar-se os reflexos para o mercado – em especial para as startups, fintechs, corretoras de câmbio e prestadoras de serviços de ativos virtuais – considerando o contexto de negócios, compliance e inovação.
O Capítulo II da Resolução estabelece dez incisos que delineiam os requisitos mínimos para a concessão das autorizações contempladas (art. 2º). Dentre eles, destacam-se:
Capacidade econômico-financeira dos controladores, de forma isolada ou em conjunto (inciso I): compatível com o capital necessário à estruturação e operação da instituição e às contingências decorrentes da dinâmica de mercado.
Origem lícita dos recursos utilizados para integralização do capital social, aquisição de controle ou participação qualificada (inciso II).
Viabilidade econômico-financeira do empreendimento (inciso III).
Compatibilidade da infraestrutura de tecnologia da informação com a complexidade e os riscos do negócio (inciso IV).
Compatibilidade da estrutura de governança corporativa com a complexidade e os riscos do negócio (inciso V).
Reputação ilibada dos administradores, controladores e detentores de participação qualificada (inciso VI).
Conhecimento pela administração do ramo de negócio, do segmento, da dinâmica de mercado, das fontes de recursos e do gerenciamento dos riscos associados (inciso VII).
Capacitação técnica dos administradores compatível com as funções a serem exercidas (inciso VIII).
Atendimento aos requerimentos mínimos de capital e de patrimônio previstos na regulamentação em vigor (inciso IX).
Informação do endereço das instalações físicas da sede da instituição (inciso X).
Destaca-se que o § 6º do art. 2º impede que o endereço da sede seja em coworking, escritório virtual ou outro espaço compartilhado, salvo instituições de conglomerado – um reforço regulatório que evidencia o foco na estrutura física como elemento de controle. Ademais, no caso de sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais em atividade, o BCB poderá considerar, de modo subsidiário, o patrimônio líquido, lucro recorrente dos últimos cinco anos ou outras situações, para comprovação da capacidade econômico-financeira (art. 2º, § 2º).
Esse conjunto de requisitos revela que não se trata mais de mera formalidade de registro, mas de regime rigoroso de autorização, com vetores finanças, governança, TI e reputação integrados. Para agentes que pretendem ingressar ou reorganizar-se nesses segmentos, o compliance à nova norma terá de ser antecipado – o “timing” de adequação será decisivo.
O Capítulo III elenca os atos que dependem de autorização prévia do BCB (art. 3º), abrangendo:
o funcionamento de instituição nova (inciso I);
mudança de modalidade de sociedade prestadora de serviços de ativos virtuais (inciso II);
transferência ou alteração de controle societário (inciso III);
fusão, cisão ou incorporação (inciso IV);
transformação societária (inciso V);
posse e exercício de eleitos ou nomeados para cargos de administração (inciso VI);
alteração do valor do capital social (inciso VII);
mudança de denominação social (inciso VIII);
mudança de objeto social para algum tipo de instituição do art. 1º (inciso IX).
A normativa ainda prevê, em seu § 1º, que aumento de capital integralizado com lucros acumulados, reservas de capital ou créditos a acionistas a título de remuneração do capital não exige autorização, o que representa importante exceção para grupos já estabelecidos que façam reforço de capital via lucros retidos.
O § 2º autoriza o BCB a requerer, dos integrantes do grupo de controle, detentores de participação qualificada e administradores, autorização para que a Receita Federal forneça ao BCB cópia das declarações de rendimentos, bens e direitos dos últimos três exercícios; bem como o acesso do BCB a sistemas públicos ou privados de cadastro, inclusive processos e inquéritos. Esse dispositivo reforça a lógica de “know your controller/administrator”, integrando reputação e transparência ao processo de autorização.
A lógica é clara: tratar o ingresso no mercado como concessão de serviço público-privado, sujeita à avaliação técnica, financeira e reputacional, e não meramente como livre iniciativa. Para aquelas empresas que consideram transações de reorganização societária, uptakes de controle ou entrada no segmento de ativos virtuais, a nova regulamentação exige planejamento jurídico-estratégico rigoroso.
Nos artigos 7º e 8º, a Resolução define conceitos e critérios sobre controlador, grupo de controle, cadeia de controle, integrante da cadeia de controle, detentor de participação qualificada. Por sua vez, o art. 8º estabelece que a participação societária direta que implique controle só pode ocorrer por pessoa natural, instituição autorizada pelo BCB, instituição financeira ou assemelhada sediada no exterior ou pessoa jurídica fundada no país com objeto exclusivo de participação societária em instituições autorizadas.
São ainda admitidas pessoas jurídicas sem fins lucrativos que, na data de vigência da norma, já participem do controle, nos termos do § 1º do art. 8º. A norma ainda traz regra de transição (art. 8º, § 2º) para instituições constituídas sob a forma de sociedades de corretagem antes de 28 de novembro de 2002.
A regulamentação inova ao vedar expressamente que fundos de investimento sejam controladores ou integrantes de grupo de controle dessas instituições (art. 7º, § 7º). Tal vedação requer atenção especial dos players de mercado alternativo, fundos de venture capital, fintechs e modelos participativos de investimento que contemplam controle indireto.
Para advogados e departamentos jurídicos de empresas do setor, é imperioso mapear a cadeia de controle, drenar upstream e downstream societários e validar a adequação da estrutura societária ao novo marco.
A Resolução dedica capítulo específico à posse e exercício de cargos de administração e à assunção de condição de controlador ou detentor de participação qualificada. Ver-se-ão requisitos como residência no país para cargos de direção (art. 11, I), impedimentos legais diversos (art. 11, II a IV), bem como vedação ao exercício de administrador ou controlador que tenha sido declarado falido ou insolvente ou que tenha seu nome objeto de indeferimento, entre outras hipóteses (art. 11, V).
O art. 9º, por sua vez, exige que o BCB considere processos criminais, inquéritos, processos judiciais ou administrativos relacionados ao Sistema Financeiro Nacional, Sistema de Pagamentos Brasileiro, prestação de serviços de ativos virtuais, entre outros, relativamente à reputação ilibada (art. 2º, caput, VI).
O art. 10 dispõe que a capacitação técnica dos administradores deve envolver competências e qualificações necessárias ao exercício das funções, compatíveis com natureza, porte, complexidade e riscos. O parágrafo único dispensa a comprovação quando o administrador já está em mandato autorizado.
Esses dispositivos demonstram que governança e reputação não são mais mero compliance formal, mas conditio sine qua non para autorização e manutenção da autorização. Para empresas-alvo, startups e fintechs, é crucial revisar desde o perfil dos administradores e controladores até a formalização documental de suas qualificações e antecedentes.
O art. 16 permite ao BCB arquivar pedidos sem mérito em casos como alteração do objeto ou dos elementos do pedido durante o processo, ou descumprimento de prazos ou exigências de instrução (inciso I). O BCB também poderá indeferir em caso de reputação comprometida ou omissões/falsidades nos documentos (inciso II).
O art. 17 dispõe que o BCB poderá rever decisão aprovada se constatar falsidade, omissão ou circunstâncias preexistentes que afetem a avaliação do atendimento aos requisitos. Isso significa que a autorização não é “one-off” irreversível, mas sujeita a continuidade de conformidade.
Para empresas em operação, fica clara a necessidade de manutenção contínua da conformidade regulatória — auditoria, controle interno, governança e verificação de antecedentes precisam ser mantidos no tempo.
O art. 19 trata do cancelamento de autorização para funcionamento, seja a pedido da instituição ou de ofício pelo BCB. Entre os motivos de ofício destacam-se: falta de prática habitual da atividade, não localização no endereço informado, interrupção das remessas de demonstrações ao BCB ou descumprimento do plano de negócios (art. 21, I a IV).
O processo de cancelamento exige divulgação da intenção ao público, oitiva da instituição e avaliação dos riscos à estabilidade do Sistema Financeiro Nacional (art. 21, § 1º).
O art. 22 estabelece obrigações de comunicação ao BCB, como assunção da condição de participação qualificada, alteração de cargos de administração e aumentos de capital.
No art. 26, para as sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais já em atividade na data de vigência, o processo de autorização será conduzido em duas fases: fase 1 (análise de presença em atividade e requisitos iniciais) e fase 2 (análise dos demais requisitos).
Por fim, o art. 28 determina que a Resolução entra em vigor em 2 de fevereiro de 2026 — o que concede prazo para adequação, mas também exige planejamento prévio e antecipado.
Para o segmento de serviços de ativos virtuais (SAVs), a norma impõe padrões elevados e específicos, sobretudo no que toca à capacitação, infraestrutura de TI, governança e reputação. O prazo para dois estágios de autorização (art. 26) revela que o BCB pretende regularizar o setor com rigor, o que implica que startups e fintechs desse segmento devem antecipar adequações significativas — não basta estar “em atividade”, há que haver estrutura organizada.
Ademais, o fato de o BCB poder dispensar requisitos apenas “excepcionalmente e diante de interesse público devidamente justificado” (art. 23) indica uma margem restrita de flexibilização.
Um dos principais impactos regulatórios está associado à vedação de fundos de investimento como controladores ou integrantes do grupo de controle (art. 7º, § 7º), o que poderá exigir reestruturações societárias para sociedades que tenham modelos de investimento via fundos ou venture capital.
Ainda, a definição ampliada de “controlador” e “participação qualificada” exige que as empresas revisem suas cadeias de controle, classifiquem adequadamente os sócios, avaliem empiricamente quem detém poder de fato e providenciem os acordos de acionistas ou quotistas (art. 7º, § 5º).
Esses aspectos são particularmente relevantes para empresas familiares, startups com rounds de investimento ou sociedades que pretendem atuar como corretoras de câmbio ou valores mobiliários.
A inclusão expressa de requisitos de infraestrutura de TI (inciso IV art. 2º) e de governança corporativa (inciso V art. 2º) demonstra que o BCB entende que os riscos operacionais, tecnológicos e de governança tornaram-se centrais no funcionamento dessas instituições.
Portanto, a simples obtenção de autorização implicará verificar se o roadmap de TI, os controles de risco, a estrutura de governança e a qualificação dos administradores estão devidamente implementados e documentados — e não apenas projetados.
Para advogados de companhias ou investidoras, cabe revisar os relatórios de TI, auditorias, organograma de governança, plano de negócios (art. 2º, § 3º) e contratos societários.
O prazo de entrada em vigor (2 de fevereiro de 2026) oferece janela de adequação, mas exige que as instituições iniciem o processo de planejamento com antecedência. A instrução de pedidos após a vigência (art. 27) indica que novas autorizações após essa data já estarão totalmente submetidas à nova normatividade.
Para instituições em operação, o risco regulatório reside em não atender aos requisitos ou em ter autorizações concedidas sob regime anterior que não sejam compatibilizadas com a nova norma — o que pode levar a revogação de autorização (art. 17) ou ao cancelamento (art. 21).
Cabe, portanto, antecipar auditorias internas, due-diligence societária, revisão dos administradores, avaliação de TI e adequação da estrutura de capital e governança.
A Resolução BCB 519/2025 marca elevada exigência regulatória ao setor das corretoras de câmbio, corretoras e distribuidoras de valores mobiliários e prestadoras de serviços de ativos virtuais. A norma traduz uma visão do BCB de elevar o “patamar de gatekeeping” para ingresso e manutenção dessas instituições, exigindo não apenas formalidades, mas efetividade em governança, tecnologia, reputação, solidez financeira e estrutura societária.
Para participantes e potenciais ingressantes no mercado, o que se desenha é um ambiente de negócios mais seguro, porém mais exigente — o que implica que a adequação regulatória deixa de ser ex post e passa a se incorporar ao planejamento estratégico das empresas desde o início.
Do ponto de vista jurídico-estratégico, recomenda-se que os departamentos societário/contratual, compliance, TI e governança das instituições conduzam: (i) mapping da cadeia de controle e detentores de participação qualificada; (ii) due-diligence de administradores e controladores; (iii) avaliação da infraestrutura de TI e governança corporativa; (iv) revisão de plano de negócios e estrutura de capital social; (v) antecipação de pedidos de autorização ou reorganização societária para atender ao novo regime.
O escritório Chambarelli Advogados coloca-se à disposição para assessorar seus clientes nessas adequações, bem como na estruturação de operações societárias, reorganizações, entradas no mercado de ativos virtuais e obtenção de autorizações regulatórias perante o BCB.
22/08/2025
Guilherme Chambarelli
16/11/2022
Guilherme Chambarelli
09/07/2025
Guilherme Chambarelli